IN NOMINE PATRIS, ET FILII,
ET SPIRITUS SANCTI
Iudica me, Deus
Confiteor Deo Omnipotenti
Confiteor Deo Omnipotenti
sanctorum tuorum
Introitus
Dominus vobiscum
Oremus (Collecta)
Lectio Epistolae
Munda cor meum ac labia mea
Sequentia Sancti Evangelii
Credo
Oblatio hostiae
...da nobis per huius aquae et vini mysterium...
Lavabo inter innocentes manus meas
Suscipe, Sancta Trinitas, hanc immaculatam hostiam
... A Missa é o maior acontecimento da história da humanidade: o único Ato sagrado que afasta a ira de Deus de um mundo pecador, porque eleva a Cruz entre a terra e o Céu, renovando assim aquele decisivo momento em que a nossa triste e trágica humanidade viu desenrolar-se na sua frente o caminho para a plenitude da vida sobrenatural.
... Não é possível fugirmos à cruz, a não ser que façamos o que fizeram os Fariseus ou vendendo Cristo, como o fez Judas, ou crucificando-O, tal como fizeram os seus carrascos. Todos nós vemos a Cruz, quer para abraçá-la, para nos salvarmos, quer fugindo dela, para nos perdermos.
Como é, porém, que a cruz se torne visível?
Como se perpetuou e renovou o cenário do Calvário?
No Santo Sacrifício da Missa, porque, quer no Calvário, quer durante o Santo Sacrifício, o Sacerdote e a Vítima são os mesmos. As sete palavras derradeiras são idênticas às sete partes da Missa. Assim como as sete notas musicais comportam uma infinita variedade de harmonias e combinações, também na Cruz há sete notas divinas que o Cristo moribundo fez soar através dos séculos e que, no seu conjunto, constituem a sublime melodia da Redenção do mundo.
Cada palavra é uma parte da Missa.
A primeira, "Perdoai-lhes", representa o Confiteor; a segunda, "Hoje estarás comigo no paraíso", é o Ofertório; a terceira, "Mulher, eis aqui o teu filho", é o Sanctus; a quarta, "Por que me abandonaste?", é a Consagração; a quinta. "Tenho Sede", é a Santa Comunhão; a sexta, "Tudo está consumado", é o "Ite missa est"; a sétima, "Pai, nas Vossas mãos entrego o Meu espírito", é o Último Evangelho.
Representai, pois, na vossa idéia, o Sumo Sacerdote, Cristo, saindo da sacristia do Céu para o altar do Calvário. Ele já se revestiu da nossa natureza humana, colocou no braço o manípulo do nosso sofrimento, a estola do sacerdote, a casula da Cruz. O Calvário é a Sua Catedral; a rocha do Calvário é a pedra do altar; o rubor do sol poente a lâmpada do Santuário; Maria e João são as imagens vivas dos altares laterais; a Hóstia é o Corpo de Jesus; o vinho o Seu sangue. Ele está de pé, como sacerdote, e prostrado, como vítima.
“Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”. (Lc 23,34)
A Missa principia com a confissão. A confissão é uma prece na qual confessamos os nossos pecados e pedimos à Nossa Mãe Santíssima e aos Santos para que intercedam junto de Deus pelo nosso perdão, pois apenas os limpos de coração poderão ver a Deus. Nosso Senhor inicia também a Sua Missa com a Confissão, embora ela seja diferente da nossa neste ponto: Ele é Deus e, portanto, sem pecado. “Qual de vós me arguirá de pecado?” A sua Confissão não pode, portanto, ser uma prece pelo perdão dos Seus pecados, mas sim uma oração pelo perdão dos nossos pecados.
Outros teriam gritado, amaldiçoado, ter-se-iam contorcido, quando os cravos atravessaram os Seus pés e as Suas mãos. Nem a revolta nem a vingança encontram, porém, lugar no peito do Salvador; os Seus lábios não proferem uma única exclamação de represália contra os Seus algozes, nem sequer murmuram uma prece para obter mais forças que Lhe ajudem a suportar as Suas dores.
O Amor Incarnado esquece a angústia e, naquele momento da agonia concentrada, revela algo na altura, da profundidade e inspiração do maravilhoso amor de Deus, quando Jesus pronuncia a sua Confissão: “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”.
Ele não disse “Perdoa-Me”, mas sim “perdoai-lhes”. O momento da morte era, certamente, o mais adequado para provocar a confissão do pecado, porquanto a consciência, na solenidade das últimas horas, afirma a sua autoridade. Nem sequer esboço de contrição se escapou dos Seus lábios. Jesus associou-Se aos pecadores, mas nunca Se associou ao pecado. Tanto na morte como na vida, Ele nunca teve a consciência de ter descurado um único dever para com Seu Pai Celestial. E porque? Porque um homem imaculado, absolutamente isento de culpa, é algo mais que um homem – é Deus. E é nisso que reside a diferença.
Nós vamos buscar as nossas orações às profundidades da nossa consciência do pecado: a própria palavra “perdoa”, prova que Ele é o Filho de Deus. Repare-se nos termos em que Jesus pediu a Seu Pai que nos perdoasse - “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”.
Quando alguém nos ofende ou censura sem razão, nós comentamos amargamente a falta de conhecimento de quem assim procede. Quando, porém, nós pecamos contra Deus, Ele encontra uma desculpa para perdoar – a nossa ignorância.
Não há redenção para os anjos caídos. As gotas de sangue que caem da Cruz, na Missa de Sexta-Feira Santa de Cristo, não tombam sobre as suas cabeças. E porque? Porque eles sabiam o que faziam. Eles previam as conseqüências dos seus atos, tão claramente como nós vemos que dois mais dois são quatro, e que uma coisa não pode existir e deixar de existir, ao mesmo tempo. Verdades desta natureza, uma vez compreendidas, não podem ser refutadas, pois são irrevogáveis e eternas.
Foi essa razão pela qual, quando os anjos decidiram revoltar-se contra o Altíssimo, não puderam voltar atrás com a sua decisão. Eles sabiam o que estavam a fazer!
Conosco, no entanto, é diferente. Nós não vemos as conseqüências dos nossos atos com a mesma clareza, porque somos mais ignorantes que os anjos. Se, contudo, soubéssemos que cada pecado de orgulho tece uma coroa de espinhos para a fronte de Jesus; se soubéssemos que cada transgressão dos Seus Divinos Mandamentos é a negação da própria Cruz; se soubéssemos que os atos da avareza e soberba correspondem aos cravos que trespassam as mãos e pés de Jesus; se, conhecendo a bondade de Deus, continuássemos a pecar, nunca teríamos sido salvos.
É apenas a nossa ignorância do infinito amor do Sagrado Coração que nos abrange na prece da Sua Confissão, pronunciada do alto da Cruz: “Pai, perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem.”
Estas palavras devem ser gravadas no íntimo das nossas almas, e não constituírem desculpa para a nossa reincidência no pecado, mas serem, antes, um motivo de contrição e penitência. O perdão não é uma negação do pecado. Nosso Senhor não nega o horrível fato do pecado, e é precisamente neste ponto que o mundo erra, pois considera-o como que um retrocesso ao processo evolucionário, uma sobrevivência de influências do passado e identifica-o com a verbosidade psicológica. Numa palavra, o mundo moderno nega o pecado.
Nosso Senhor lembra-nos que ele é a mais terrível de todas as realidades. Sendo assim, porque, é, porém, que Ele deu uma cruz àqueles que não pecam? Porque é que deixou derramar sangue inocente? Porque é que estão ligados ao pecado, sentimentos horríveis, como a cegueira moral, a covardia, o ódio e a crueldade? Porque é que Ele saiu do reino do imaterial, revestiu a forma material, e permitiu que a Inocência fosse crucificada num madeiro?
Jesus, que amou os homens até a ponto de morrer por eles, permitiu que o pecado exercesse a sua vingança sobre Ele, para mostrar todo o horror representado pela crucifixão de Aquele que mais amava. Aqui, não há, portanto, negação do pecado; a despeito de toda a monstruosidade que ele representa, a Vítima perdoa. A morte de Jesus revela a suprema depravação do pecado, mas tem também a marca de perdão divino. Sendo assim, não há homem que, olhando para um crucifixo, possa afirmar que o pecado não uma coisa grave, nem também possa asseverar que ele não tem perdão.
Pela maneira como sofreu, Jesus revelou a realidade do pecado. Pela maneira como suportou os seus tormentos, Ele revela a Sua compaixão pelo pecador. Ele é a Vítima que sofreu e perdoa. Assim na Vítima, tão humanamente bela, tão divinamente adorável, qualquer de nós pode recordar um Grande Crime e um Grande Perdão. Sob o escudo, que é o sangue de Cristo, podem abrigar-se os maiores pecadores, pois esse sangue tem o poder de sustar as marés da vingança que ameaçam submergir o mundo.
O mundo pode explicar o pecado à sua maneira e desculpá-lo; só, no Calvário, podemos encontrar o perfeito conhecimento da divina contradição do pecado perdoado. A renúncia voluntária e o divino amor transformam o pecado na ação mais nobre e na mais suave e piedosa súplica que o mundo jamais viu e ouviu – a Confissão de Cristo: "Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem”.
Aquela palavra “perdoai”, que soou do alto da Cruz naquele dia em que o pecado se ergueu a toda a altura e com toda a sua força, para ser vencido pelo Amor, produziu um eco que ainda não se extinguiu.
Pouco antes da Sua Morte, o Divino Salvador instituía os meios para prolongar o perdão, através do espaço e do tempo, até ao fim do mundo. Reunindo à Sua volta os membros da Sua Igreja, Ele disse aos Seus Apóstolos: “Aquele a quem perdoardes os pecados serão perdoados”. Em qualquer ponto do mundo dos nossos dias, desde então, os sucessores dos Apóstolos têm o poder de perdoar. Não nos cabe perguntar:
Mas, como pode um homem absolver os pecados, se, realmente, um homem não tem esse poder? É Deus quem perdoa, por intermédio do homem. Pois não foi essa a maneira como Ele perdoou àqueles que o pregaram na Cruz, visto que estava revestido da natureza humana? Não será, pois, razoável esperar que Ele nos perdoe os pecados por intermédio de outras naturezas humanas, às quais Ele conferiu esse poder?
E onde encontraremos essas naturezas humanas? Lembro, a propósito, a história daquela caixa, cujo conteúdo fora durante muito tempo ignorado e até ridicularizado pela sua provável insignificância, até ao dia em que foi aberta e se descobriu que encerrava o coração de um gigante. Esse caixa existe em todas as igrejas católicas, e damos-lhe o nome de confessionário. Alguns ignoram-na, ou escarnecem-na; mas a verdade é que nela se contém o Sagrado Coração de Jesus que perdoa aos pecadores, por meio da mão do sacerdote que se ergue, tal como Ele perdoou, quando as Suas mãos se ergueram e foram pregadas nos braços da Cruz.
Na realidade, existe apenas o perdão de Deus. A exclamação “Perdoai-lhes”, foi proferida uma vez – num ato divino e eterno, com o qual a humanidade entrou em contacto através dos tempos. Assim como não podemos ouvir as melodias e palavras que pairam no ar, a não ser que liguemos os rádio-receptores, também as nossas almas só podem sentir a alegria eterna da divina exclamação “Perdoai-lhes”, acorrendo ao confessionário, onde nos será dado ouvir a divina palavra soltada do alto da Cruz.
Deus deseja que, em vez de negar a culpa, o espírito dos nossos dias a admita, olhe para a Cruz, em busca do perdão; Deus quer que as consciências desassossegadas, que não podem encarar a luz e receiam as trevas, procurem alívio, não no domínio da medicina, mas sim na Divina Justiça.
Aqueles cujos espíritos estão imersos nas sombras, devem recorrer à confissão, único meio de expurgar as suas culpas. Em vez de enxugar as suas lágrimas em silêncio, os pobres mortais devem procurar a mão que lhes enxugue o pranto e os absolva. A maior tragédia da vida humana não é, precisamente, aquilo que às almas acontece, mas sim aquilo que lhes falta.
E haverá maior tragédia do que a falta de paz, provocada pelo estado de pecado, cuja absolvição se não procura?
A confissão, proferida aos pés do altar, é uma declaração da nossa ausência de merecimento: o “Confiteor” da Cruz é a nossa esperança de perdão e absolvição. As feridas do Salvador foram terríveis; a pior de todas, porém, será aquela que for infligida pelas nossas culpas.
O “Confiteor” pode salvar-nos, pois, quando o pronunciamos, admitimos que carecemos de perdão, e muito mais do que podemos supor.
Conta-se que certa religiosa, estando um dia a limpar do pó uma pequena imagem do Salvador, a deixou cair. Apanhou-a, intacta, beijou-a e colocou-a no seu lugar, dizendo: “Se não tivésseis caído, não teríeis recebido este ósculo”. Penso, a propósito, se Deus Nosso Senhor seria para nós o que é, se jamais tivéssemos pecado, pois, se assim fosse, não poderíamos chamar-Lhe “Salvador”.
(O Calvário e a Missa- Bispo Fulton J.Sheen – 1ª Parte)
O Calvário e a Missa - 2ª Parte : O Ofertório
"Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso". (Lc. 23,43)
Chegamos agora ao Ofertório da Missa, pois Nosso Senhor oferece-Se ao Seu Pai Celestial. Para nos lembrar, porém, que não Se oferece sozinho, mas sim em união conosco, Ele junta à Sua oferta a alma do ladrão crucificado à Sua direita. Para que a Sua ignomínia fosse mais completa, num golpe de maldade suprema, crucificaram-nO entre dois ladrões.
Durante a Sua vida, Jesus andara entre os pecadores; foi, pois, entre eles que Lhe ergueram a Sua cruz. O Salvador modificou o quadro, e fez dos dois ladrões dois símbolos - a ovelha e o bode - representando assim aqueles que estarão à Sua direita e à Sua esquerda, quando Ele descer, por entre as nuvens do Céu, com a Sua Cruz triunfante, a julgar os vivos e os mortos.
Ambos os ladrões, a princípio, revoltaram-se e blasfemaram; mas um deles, aquele a quem a tradição chamou Dimas, voltou a sua cabeça para ler na face do Salvador crucificado a resignação e a dignidade.
Tal como um pedaço de carvão arremessado ao fogo se transforma numa brasa resplandecente, luminosa, também a alma escura daquele ladrão, arremessada às chamas da crucificação, se abrasou no amor do Coração Divino. Enquanto o ladrão da esquerda dizia: "Se és o Cristo, salva-Te e salva-nos", o ladrão arrependido censurava-o; "Não temes a Deus, visto que sofreste a mesma condenação. Nós padecemos justamente, ao passo que este homem nenhum mal praticou". Este mesmo ladrão proferiu então uma prece, não para solicitar um lugar nos céus, mas sim e apenas para não ser esquecido. "Lembra-Te de mim, quando estiveres no Teu reino".
Tal tristeza e fé não podiam ficar sem recompensa. Naquela ocasião, em que o poderio de Roma não consegiu que Jesus falasse, quando os Seus amigos julgavam que tudo estava perdido, e em que os Seus inimigos se julgavam vencedores, o Salvador quebrou o silêncio. Ele, o Crucificado, transformou-Se em Juiz; Ele, o Crucificado, transformou-Se no Divino Protetor de almas: "Eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso".
Por meio dessas palavras, Nosso Senhor, que estava a oferecer-Se a Seu Pai, como grande holocausto, juntava à Sua oferta, na patena da Cruz, a primeira hóstia humilde, jamais oferecida na Missa - a hóstia do ladrão arrependido; uma brasa tirada da fogueira; um feixe desprezado, esquecido pelos ceifeiros da terra; o grão moído da crucificação e transformado em pão pela Eucaristia.
O Salvador não sofre sozinho na Cruz, pois sofre conosco. E foi essa a razão pela qual Ele uniu o sacrifício do ladrão ao Seu próprio sacrifício. É o que significam as palavras de São Paulo quando diz que devemos sofrer aquelas penas que são necessárias aos sofrimentos de Cristo. Isto não significa que Nosso Senhor não sofresse na Cruz tudo quanto pode sofrer, mas sim que o físico, o Cristo histórico padeceu tanto quanto cabia na Sua natureza humana, nem que o Cristo Místico, que é o Cristo e nós, não tenha sofrido pela nossa plenitude.
Nem todos os ladrões que existem na história do mundo reconheceram as suas culpas, nem tampouco pediram para ser lembrados. Nosso Senhor está agora no Céu e já não pode, portanto, sofrer na Sua natureza humana, mas pode padecer ainda mais nas nossas naturezas humanas e pede-nos que, à semelhança do bom ladrão, nos unamos a Ele na Cruz, para que, participando da Sua Crucificação, possamos participar da Sua Ressurreição e da Sua glória celestial.
Recordemos a Missa, tal como era celebrada nos primeiros séculos da Igreja, antes que as civilizações tivessem modificado o mundo, sob os pontos de vista econômico e financeiro. Nesses tempos remotos cada qual levava para o Santo Sacrifício, em cada manhã, algum pão ázimo e algum vinho, dos quais o sacerdote tomava uma pequena parte. O restante era posto de lado, abençoado e distruído aos pobres. Nos nossos tempos não trazemos o pão nem vinho, mas trazemos o equivalente, isto é, com que os comprar- as moedas coletadas entre os fiéis durante o ofertório.
Qual a razão desta oferta?
É que o pão e o vinho são, entre as coisas de natureza, aquelas que melhor simbolizam a substância da vida. O trigo é a própria medula, a essência da terra, e o vinho das cepas é o seu próprio sangue. Ambos eles sustentam o nosso corpo e o nosso sangue.
A oferta destas duas substâncias que alimentam a nossa vida, simbolizam a oferta de nós mesmos no Sacrifício da Missa. A nossa presença está, sob as aparências de pão e de vinho - os símbolos do nosso corpo e do nosso sangue. Nós não somos apenas simples espectadores passivos, assistindo a um espetáculo teatral, pois também fazemos a nossa oferta, em união com Cristo.
Poder-se-ia representar o nosso papel neste drama, por meio da seguinte imagem: Uma grande cruz, na qual Jesus está pregado e, em torno do Calvário, uma multidão de pequenas cruzes, outras tantas hóstias, por meio das quais nos oferecemos em união com Ele, numa pura oblação ao Pai Celestial. Naquele momento cumprimos literalmente a ordem do Salvador: "Tomai a tua cruz diariamente e segue-Me".
Ao pronunciar estas palavras, Ele não nos pedia algo que Ele próprio já não tivesse feito. Não há, portanto, desculpa para dizer-mos: "Eu sou uma hóstia, um holocausto pobre, insignificante", pois também o ladrão o era. Repare-se que houve duas atitudes na alma daquele ladrão, e que ambas foram aceitas por Nosso Senhor. A primeira foi o reconhecimento do fato de que ele mereceu o que estava sofrendo, e que Jesus, que não tinha pecados, não merecera a Sua Cruz. A segunda foi a fé n'Aquele que os homens rejeitaram e que o ladrão reconheceu como sendo o Rei dos reis.
Quais as condições que nos transformam em pequeno holocausto no Sacrifício da Missa?
Como pode o nosso sacrifício unir-se ao de Cristo e ser aceito, como sucedeu com o ladrão?
Apenas reproduzindo nas nossas almas as duas atitudes que a alma do bom ladrão manifestou; penitência e fé. Antes de mais, façamos penitência, dizendo: "Eu mereço castigo pelos meus pecados. Preciso de fazer penitência". Quantos ignoram até que ponto têm sido cruéis e ingratos para com Deus! E, se assim é, não deveríamos queixar-nos das mágoas e reveses da vida. Nestas circunstâncias, as nossas consciências assemelham-se a quartos escuros, de onde a luz foi há muito tempo expulsa. Se corrermos as cortinas, verificaremos que tudo quanto julgávamos limpo está coberto de pó.
Algumas consciências estão de tal maneira integradas no hábito da desculpa, que dizem, orando, como o Fariseu: "Agradeço-Te, ó Deus, não ser como resto dos homens". Outros, blasfemam contra Deus e contra o Céu, à conta dos seus sofrimentos e pecados, mas não se arrependem.
A Guerra Mundial, por exemplo, representou uma expiação do mal e serviu para nos ensinar que não podemos viver no afastamento de Deus; mas o mundo não aprendeu a lição. Tal como o ladrão da esquerda, recusa-se à penitência, nega-se a ver qualquer relação de justiça entre o pecado e o sacrifício, entre a rebelião e a Cruz.
Quantos mais contritos formos, tanto menos esforços faremos para fugir à nossa cruz. Quanto mais reconhecermos o que somos, mais convictos diremos, como o bom ladrão: "Eu mereci esta cruz"
Ele não pediu para ser desculpado, nem para lhe serem atenuadas as culpas, nem tampouco para ser libertado ou despregado do madeiro de suplício. Ele pediu apenas para ser perdoado. Ele fez penitência porque aceitou o seu holocausto, a sua cruz. Nós não temos também coutra maneira de nos transformarmos em pequenas hóstias, senão unindo-nos a Cristo na Santa Missa.
Se os nossos corações não estiverem despedaçados pela tristeza, se não reconhecermos que estamos realmente feridos, como poderemos sentir necessidade de ser consolados e curados? Se não tomarmos a nossa parte de dor na Crucificação, como poderemos pedir que os nosso pecados nos sejam perdoados?
A sua fé era tão forte que ele aceitava, contente, a sua cruz. O ladrão crucificado à esquerda pedia para ser despregado; mas não o da direita, porque ele sabia que há males maiores do que a crucificação, e outra vida para além da cruz. Ele tinha fé no Homem da Cruz central, pois sabia que ele poderia, se quisesse, transformar os espinhos em grinaldas e os pregos em flores. Ele acreditava no Reino que fica para além da Cruz, e sabia que os sofrimentos deste mundo são insignificantes, comparados com as alegrias futuras.
Ele disse como o salmista: "Embora eu siga por entre as sombras da morte, não receio o mal, porque o Senhor está comigo". Tal fé assemelhava-se à dos três jovens na fornalha ardente, à qual o rei Nabucodonosor os condenara, por se terem recusado a adorar a estátua de ouro. A resposta dos mancebos foi esta: "Deves saber, ó rei, que o Deus a quem adoramos pode tirar-nos da fornalha de fogo ardente e livrar-nos das tuas mãos. E, se Ele o não fizer, fica tu sabendo, ó rei, que nós não honramos os teus deuses, nem adoramos a estátua de ouro que erigiste".
E, depois de dizerem isto, eles entregaram-se nas mãos de Deus e confiaram n'Ele como Jó. Também o bom ladrão sabia que Nosso Senhor podia libertá-lo, mas não Lhe pediu que o retirasse da cruz, pois também Jesus não Se retirava a Si próprio, embora os Seus carrascos escarninhos O desafiassem a isso.
Isto não queria dizer que o bom ladrão não amasse a vida, porque ele amava-a como todos nós a amamos. Ele desejava a vida, mais a vida eterna que, finalmente, obteve. Também é dado a cada um de nós descobrir essa Vida, mas só entraremos nela por meio da penitência e da fé que nos une à Grande Hóstia - ao Sacerdote e Vítima que é Cristo. Desta maneira nos transformaremos em ladrões espirituais, para, mais uma vez, nos apoderarmos do Céu.
O Calvário e a Missa - 3ª Parte : Sanctus
Sanctus
Mulher, eis aqui o teu filho...Eis aqui a tua mãe.
(João 19,26-27)
Cinco dias antes, Jesus fizera a Sua entrada triunfal em Jerusalém. Aos Seus ouvidos soavam gritos de triunfo; o chão que os Seus pés pisaram foi juncado de folhas de palmeira, e nos ares ecoaram aclamações ao filho de David, e louvores ao Sagrado Filho de Israel. Àqueles que se mantiveram silenciosos durante as demonstrações feitas em Sua honra, Nosso Senhor lembrou que se as suas vozes não se faziam ouvir, as próprias pedras falariam por eles. Esse foi o dia de nascimento das catedrais góticas.
Eles não conheciam a verdadeira razão pela qual Lhe chamavam Sagrado, nem tampouco compreendiam o motivo que levava Jesus a aceitar o tributo dos seus louvores. Eles pensavam que aclamavam uma espécie de rei da terra. Jesus aceitou essas demonstrações porque ia ser o Rei de um império espiritual. Ele aceitou os seus tributos, as suas aclamações e exclamações de louvor porque caminhava, como uma vítima, ao encontro da Sua Cruz.
Toda a vítima deve ser sagrada – Sanctus, Sanctus, Sanctus.
Cinco dias depois, verificou-se o “Sanctus” da Missa do Calvário; mas naquele “Sanctus” da Sua Missa, Jesus dirigiu-Se àqueles que já eram santos – a Sua querida Mãe e ao Seu bem-amado discípulo João.
Palavras tocantes foram essas: “Mulher eis aqui o teu filho... Eis aqui a tua Mãe!”.
Falando agora aqueles que já eram santos, Jesus não carecia da divina intercessão, pois Ele era o Filho de Deus. Nós, todavia, precisamos de santidade, pois cada vítima da Missa deve ser santificada, impoluta.
Como podemos, porém, ser os santos participantes do Sacrifício da Missa?
Segundo a própria resposta de Jesus, consegui-lo-emos colocando-nos sob a proteção da Sua Mãe Santíssima. Ele dirige-Se à Igreja e a todos os seus membros, representados na pessoa de João, e diz a cada um de nós: “Eis a tua mãe”.
Por que foi, porém, que Jesus se dirigiu a Maria, chamando-lhe Mulher, em vez de Mãe? É que ela era agora a Mãe de todos os cristãos, e a Sua missão era universal – Mãe do Corpo Místico da Igreja, Mãe de todos nós.
Há um tremendo mistério oculto naquela palavra “Mulher”. Essa foi, realmente, a última lição de renúncia que Jesus deu a Maria, e a primeira lição de um novo laço. Nosso Senhor alienara gradualmente a Sua afeição por Sua Mãe, não porque a amasse menos, mas sim e apenas porque ela tinha agora mais a quem amar.
Maria desprendia-se da maternidade da carne, para se prender mais à grande maternidade do espírito. Daí, o emprego da palavra "Mulher". Ela havia de fazer de nós outros tantos Cristos, porque fora ela quem criara o Filho de Deus. Só Maria podia transformar-nos em criaturas santificadas, dignas de pronunciar o Sanctus, Sanctus, Sanctus da Missa do Calvário.
...Maria teve o seu primogênito em Belém. Note-se que São Lucas chama a Nosso Senhor primogênito, não porque Maria tivesse outros filhos, segundo a carne, pois a sua segunda maternidade seria de caráter espiritual. No momento em que Nosso Senhor lhe disse "Mulher", Ela tornou-se, de certa maneira, esposa de Cristo e concebeu em dor o seu primeiro filho espiritual, cujo nome foi João.
...A nossa vantagem foi, porém, maior, pois, ao passo que Maria não adquiria mais do que filhos insubmissos e tantas vezes rebeldes, nós obtínhamos a mais adorável das mães que existem no mundo - A Mãe de Jesus.
Nós somos filhos de Maria. - literalmente, filhos. Ela é nossa mãe, não por título de ficção, nem de cortesia; ela é nossa mãe porque sofreu naquele momento memorável, e por todos nós, as dores da maternidade. E porque é que Deus quis que ela fosse nossa mãe? Porque Ele sabia que, sem a sua proteção e auxílio, jamais seríamos santificados. Jesus veio até nós por intermédio da pureza de Maria, e só através da pureza de Maria conseguiremos chegar até junto d'Ele.
...Note-se que quando tal palavra foi dirigida a Maria, estava prostrada junto à Cruz, uma outra mulher. Já repararam que, praticamente, todas as imagens tradicionais da Crucifixão representam sempre Madalena ajoelhada aos pés da Cruz?
Nunca vimos, no entanto, uma imagem de Maria prostrada. João estava presente e refere no seu Evangelho que ela estava de pé. E porque? Porque era a posição que lhe competia no papel que ali desempenhava, em relação a nós. Maria, a nossa Mãe.
Se Maria estivesse prostrada por terra, naquela hora, tal como Madalena, se ela tivesse sequer chorado, a sua mágoa teria tido um lenitivo. As dores que não desafam, esmagam o coração. Essa dor foi parte do nosso preço de compra, pago pela nossa co-Redentora, Maria, a Mãe de Deus!
Nosso Senhor deixou-a ficar sobre a terra quando Ele subiu aos céus, para que ela fosse a mãe da Igreja, a nossa mãe. A Igreja, infante ainda, carecia do amparo materno, tal como Jesus quando era menino. E foi assim que Maria permaneceu sobre a terra, até que os seus filhos, a sua família se criassem e desenvolvessem. E foi essa a razão porque a encontramos orando com os Apóstolos, enquanto aguardavam a vinda do Espírito Santo.
Mais tarde, foi para o céu, coroada de Rainha dos Anjos e dos Santos, para assistir a outra boda de Caná e interceder por nós, junto ao Salvador, pois nós éramos seus filhos, irmãos de Cristo, e filhos do Pai Celestial.
...A nenhum outro santo podemos falar como uma criancinha fala a sua mãe, pois nenhuma outra virgem, ou mãe, ou mártir, ou confessor jamais sofreu tanto por nós como ela sofreu. Ninguém jamais firmou tão solidamente os nossos direitos à proteção e ao amor.
Maria é a medianeira de todas as graças que Jesus pode dispensar-nos, pois foi por intermédio de Maria que Jesus veio até nós. Desejamos ser santificados, mas sabemos que tal só é possível por meio de Maria, pois ela foi a dádiva que Jesus nos ofereceu no Sanctus da Sua Cruz.
Não há mulher que possa esquecer o filho das suas entranhas. Maria não pode, pois, certamente, esquecer-nos. É precisamente isso que nós sentimos no íntimo dos nossos corações. Em todas as circunstâncias da nossa vida, nossa Mãe Santíssima vela por nós, pos ela vê em cada um dos seus filhos a criança inocente da Primeira Comunhão, o pecador penitente, encaminhando-se para a Cruz, o coração despedaçado, suplicando que a água da vida dissipada se transforme no vinho do amor de Deus.
Em todas essas circunstâncias ressoam aos ouvidos de Maria as palavras pronunciadas do alto da Cruz, sobre o Calvário:
"Mulher , eis o teu filho!"
(Excertos de O Calvário e a Missa - Arcebispo Fulton J.Sheen)
PS: Grifos meus
PS: Grifos meus