ENTREVISTA DE SUA EXCIA. MONS. ALBERT MALCOLM RANJITH, ARCEBISPO SECRETÁRIO DA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS.
SOBRE O MOTU PROPRIO DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI.
2. Uma característica do Pontificado de Bento XVI parece ser a insistência em torno de uma correta hermenêutica do Concílio Vaticano II. Segundo o Senhor, o Motu Proprio "Summorum Pontificum" vai nessa direção? Se sim, em que sentido?
"Já quando era Cardeal, em seus escritos, o Papa havia rejeitado um certo espírito de exuberância visível em alguns círculos teológicos motivados por um assim chamado "espírito do Concílio" que para ele foi, na realidade, um verdadeiro "anti espírito" ou um "Konzils-Ungeist" (Relação sobre a Fé, São Paulo, 2005, capítulo 2). Cito textualmente tal obra na qual o Papa sublinha: "É preciso opor-se decisivamente a esse esquematismo de um antes e um depois na história da Igreja, totalmente injustificado pelos próprios documentos do Vaticano II, que não fazem senão reafirmar a continuidade do catolicismo" (ibid p. 33).
Ora, um tal erro de interpretação do Concílio e do caminho histórico-teológico da Igreja influiu sobre todos os setores eclesiásticos, inclusive na Liturgia. Uma certa atitude, de fácil rejeição dos desenvolvimentos eclesiológicos e teológicos, como também dos comportamentos litúrgicos do último milênio, de um lado, e uma ingênua idolização do que teria sido a “mens” da Igreja assim chamada dos primeiros cristãos, de outro lado, teve um influxo de não pouca importância sobre a reforma litúrgico-teológica da era pós conciliar.
A rejeição categórica da Missa pré-conciliar, como o resto de uma época já “superada”, foi o resultado dessa mentalidade. Tantos viram as coisas desse modo, mas, por graça de Deus, não por todos. A própria Sacrosanctum Concilium, a Constituição Conciliar sobre a Liturgia, não oferece nenhuma justificação para tal atitude. Seja em seus princípios gerais, seja em suas normas propostas, o Documento é sóbrio e fiel àquilo que significa a vida litúrgica da Igreja. Basta ler o número 23 do dito documento para sermos convencidos de tal espírito de sobriedade.
Algumas dessas reformas abandonaram importantes elementos da Liturgia com as relativas considerações teológicas: agora é necessário e importante recuperar esses elementos. O Papa, considera que o rito de São Pio V, revisto pelo Beato João XXIII, é um caminho para a recuperação daqueles elementos ofuscados pela reforma, o Papa deve certamente ter refletido muito sobre sua escolha; sabemos que ele consultou diversos setores da Igreja sobre tal questão e, não obstante algumas posições contrárias, o Papa decidiu permitir a livre celebração daquele Rito.
Tal decisão não é tanto, como dizem alguns, um retorno ao passado, quanto a necessidade de tornar a equilibrar de modo íntegro os aspetos eternos, transcendentes e celestiais com os terrestres e comunitários da Liturgia. Essa decisão ajudará a estabelecer eventualmente um equilíbrio também entre o sentido do sagrado e do mistério, de um lado, e o dos gestos externos e dos comportamentos e empenhos sócio-culturais derivantes da Liturgia”.