O pão da Palavra e da Eucaristia
Entrevista com Dom Nicola Bux
Por Miriam Díez i Bosch
BARI, domingo, 31 de agosto de 2008 (ZENIT.org).- O Sínodo da Palavra servirá entre outras coisas para esclarecer o que se entende por «unidade do pão da Palavra e da Eucaristia», uma expressão facilmente compreensível para um teólogo, mas que pode confundir os fiéis.
Esse é um dos comentários do teólogo D. Nicola Bux, consultor da Congregação para a Doutrina da Fé e para as Causas dos Santos e professor de ecumenismo no Instituto de Teologia em Bari.
O teólogo, que escreve principalmente sobre questões doutrinais para a Agência Fides, recorda a Zenit que, quando falamos das Escrituras, é importante que o texto precise de imagens e que estas também têm de ser ensinadas mais ativamente na catequese.
–Como teólogo, que expectativa tem do Sínodo dos Bispos centrado na Palavra de Deus, que se celebrará em outubro no Vaticano?
–D. Bux: Dou um exemplo. No próximo Sínodo, nos “Lineamenta” publicados no ano passado, fala-se do pão da Palavra e da Eucaristia. Esta expressão, que um teólogo e um fiel bem preparado entendem, na realidade é incompreensível para a maioria, e tende a confundir.
Sabemos que o Antigo Testamento diz que o homem deve nutrir-se da Palavra que sai da boca do Senhor, mas desde o momento em que esta Palavra se fez carne, na pessoa divino-humana de Jesus, tudo mudou: não há duas palavras e dois alimentos, mas um só: a carne e o sangue de Jesus Cristo.
Os padres da Igreja diziam que é o "verbum brevissimum". O mesmo pode-se dizer da expressão “duas mesas, da Palavra e da Eucaristia”, que por sua vez em outros textos se converte em “uma só mesa”.
Em nosso tempo, as mensagens têm de ser simples, inequívocas e compreensíveis. O católico deve sabre que escutar a Palavra de Deus quando lemos a Escritura é provar os preparativos para uma refeição, e que se depois não houvesse a refeição, o almoço seria suspenso. Sem o sacramento, a Palavra não se converte em sólida, mas continua sendo aeriforme ou com a forma líquida. Pode aplicar este enfoque à expressão do pensamento frágil ou líquido.
Assim, pessoalmente espero que o Sínodo dissipe essa ambiguidade para o bem da verdade católica.
–Os fiéis sabem muito mais sobre a Bíblia que há 40 anos, mas os textos são ainda desconhecidos. Que se pode fazer no campo da formação teológica para colocar o texto sagrado mais à disposição?
–D. Bux: Há já muito, mas frequentemente se tem seccionado os textos e se cria nas pessoas a idéia de que em última instância não é mais que um texto histórico ou literário. Trate de perguntar que é o autor: apenas ouvirá a resposta: Deus. Ou bem, qual é a insperação?
Na civilização da imagem e do DVD se lê sempre menos: devemos voltar a vincular o texto com a imagem na catequese e na liturgia.
As imagens de fato contam e sintetizam o sagrado e santo da história da salvação. Mas hoje no Ocidente os fiéis, seguindo o exemplo do sacerdote, não se dispõem a olhar as imagens da Igreja começando pela cruz, em parte porque frequentemente estão mal colocadas e são feias.
Temos de educar para as imagens, com a finalidade de criar o desejo de aproximar-se da Escritura. O Compêndio do Catecismo da Igreja Católica é exemplar neste sentido.
–Qual é o desafio mais importante deste Sínodo, que também tem um aspecto ecumênico?
–D. Bux: Um amigo meu sacerdote, que é teólogo, matemático e especialista em hermenêutica, notava que diante da secularização externa e do relativismo teológico interno, em essência o “ateísmo galopante”, na Igreja pós-conciliar faltou o compromisso para elaborar uma metodologia integral para estudar a Sagrada Escritura.
Começou-se com o rechaço absoluto dos métodos “modernos” nos tempos de São Pio X (baseados em análises, que hoje deveriam ser reconhecidos essencialmente proféticos do havia suposto o estudo da Escritura "etsi Deus non daretur" (como se Deus não existisse).
Logo, sob Pio XII, a abertura ("Divino Afflante Spiritu") continua e se reforça muito. Mas não há integração entre a insistência nas verdades da fé, que se consideram baseadas na Escritura (na Tradição) e os métodos “ateus” (que excluem a priori o sobrenatural).
Só que, quando o estudo, por exemplo o chamado histórico-crítico, supera os limites estabelecidos pela fé, então há um chamado à fidelidade. Por exemplo: pode-se ler um livro de texto de física nuclear realizado com o método para o estudo das belas artes, e algo poderia sair, mas não é em nada o método adequado para o objeto.
Deste modo, chegamos, por exemplo, ao restabelecimento da “dupla verdade”, como sucede com o teólogo Schillebeeckx, que diz que crê na concepção virginal de Jesus porque a Igreja o ensina, mas que não pode derivar-se da Escritura (que é simplesmente devido a um gênero literário ou uma intenção de ensinamento teológico, e assim sucessivamente).
Schillebeeckx foi corrigido publicamente, mas mais ou menos é assim precisamente o modo com o que se ensina, na realidade, nos seminários e nas Faculdades de Teologia acerca de todo o sobrenatural que nos é dito na Escritura.
Neste sentido, admitamos e tiremos o máximo proveito das metodologias em si mesmas atéias, mas saibamos integrá-las em uma metodologia integral própria.
Se os cristãos do Oriente e Ocidente convergissem nisso...
–Não pode parecer contraditório que se sublinhe a importância da Escritura e, ao mesmo tempo, aplique-se o motu proprio “Summorum Pontificum”, onde a Sagrada Escritura não teria o valor que o Concílio Vaticano II assinala?
–D. Bux: Argumenta-se que o rito pós-conciliar é mais rico em leituras e pregações eucarísticas, enquanto que o missal de Pio V é pobre e menos cuidado. É uma tese anacrônica proque não leva em conta a distância de quatro séculos: seria como fazer acusações contra os sacramentários anteriores aos de Pio V de alguns séculos.
Também se esquece que as perícopes deste missal se formaram sobre a base dos antigos capitulares com epístolas, como o “Liber comitis” de São Jerônimo, fechado no ano 471 ou com perícopes do Evangelho, uma tradição comum do Oriente, já que inclusive o testemunho hoje a liturgia bizantina.
E a atenção dos fiéis dura mais tempo se a leitura é curta. Um pouco como na Liturgia das Horas. Portanto, não existe nenhuma contradição.