quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Bento XVI
Gregório de Nissa, nas suas homilias natalícias, desenvolveu a mesma ideia a partir da mensagem de Natal do Evangelho de João: «Levantou a sua tenda no meio de nós» (Jo 1, 14). Gregório aplica esta imagem da tenda ao nosso corpo, que ficou como tenda consumida e frágil; exposto por todo o lado à dor e ao sofrimento. E aplica-a ao universo inteiro lacerado e desfigurado pelo pecado. E que diria ele, se tivesse visto as condições em que hoje se encontra a terra por causa do abuso das energias e da sua exploração egoísta e sem respeito algum?
Uma vez, de maneira quase profética, Anselmo de Cantuária descreveu antecipadamente aquilo que vemos hoje num mundo inquinado e ameaçado no seu futuro: «Tudo estava como que morto, tinha perdido a dignidade para que tinha sido feito, ou seja, para servir aqueles que louvam a Deus. Os elementos do mundo estavam oprimidos, tinham perdido o seu esplendor por causa do abuso de quantos os tornavam servos dos seus ídolos, para o quais não tinham sido criados» (PL 158, 955s).
Assim, retomando a perspectiva de Gregório, o curral na mensagem de Natal representa a terra maltratada. Cristo não reconstrói um palácio qualquer. Veio para restituir à criação, ao universo a sua beleza e dignidade: é isto que tem início no Natal e faz rejubilar os Anjos. A terra é posta de novo em ordem pelo facto de ser aberta a Deus, de obter novamente a sua verdadeira luz, e, na sintonia entre querer humano e querer divino, na unificação das alturas com a realidade cá de baixo, recupera a sua beleza, a sua dignidade. Deste modo, o Natal é uma festa da criação reconstruída.
É a partir deste contexto que os Padres interpretam o canto dos Anjos na Noite santa: é a expressão da alegria pelo facto de as alturas e a realidade cá de baixo, céu e terra se encontrarem novamente unidos; de o homem estar de novo unido a Deus. Segundo os Padres, faz parte do canto natalício dos Anjos que, agora, Anjos e homens possam cantar juntos e que, deste modo, a beleza do universo se exprima na beleza do canto de louvor.
O canto litúrgico – sempre segundo os Padres – possui uma dignidade própria particular pelo facto de ser um cantar juntamente com os coros celestes. É o encontro com Jesus Cristo que nos torna capazes de ouvir o canto dos Anjos, criando assim a verdadeira música que decai quando perdemos este “cantar-com” e “ouvir-com”.