quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
ENTREVISTA A MONS. FELLAY (CONT.)
Todavia, o Senhor escreveu, na recente carta aos Amigos e Benfeitores da Fraternidade São Pio X (n° 72), que a questão litúrgica não é a primeira, e que no fundo nada mudou na situação da Igreja.
Eu disse efetivamente que a questão litúrgica não é a primeira e que ela só se tornou a primeira enquanto «expressão de uma alteração da fé e correlativamente do culto devido a Deus ». Porque é preciso sempre ver a lex orandi, a liturgia, como a expressão do dogma, a lex credendi.
A Missa não é um simples cenário, ela deve exprimir toda a fé, todo o espírito católico, de modo que um avanço em direção à liturgia tradicional, como é o Motu Proprio, deveria logicamente corresponder um avanço na direção da doutrina tradicional. Ora, vários recentes documentos romanos indicam claramente que, no fundo, nada mudou verdadeiramente, o que nos obriga à tirar as conclusões práticas que se nos impõem.
Com efeito, desde Bento XVI, é dito que a doutrina conciliar não introduziu nenhuma mudança com relação à Tradição, como se o Papa tivesse a vontade de tornar o Concílio tradicional ou de fazer conciliar a Tradição. Outrora, todos diziam que o Vaticanoo II, e as reformas conciliares constituiam uma mudança, e mesmo uma ruptura. A atitude comum era ver no Concílio o início de uma nova era, e tudo o que o precedera devia ser esquecido. Certos seminaristas me confessaram mesmo que, nos seminários modernos, eles nada tinham apreendido sobre o que podia ter existido antes do Vaticano II.
Com essa idéia de mudança na cabeça, o Papa João Paulo II não hesitou em falar de «nova eclesiologia» à propósito do direito canônico reformado. Segundo ele, esse novo direito canônico era a expressão da nova eclesiologia do Vaticano II. Agora, Bento XVI nos diz : « Atenção ! continuidade, não ruptura. É necessário que o presente da Igreja seja ligado a seu passado.E ele irá até utilizar a palavra Tradição. Entretanto, de uma maneira habitual, não é a palavra Tradição sozinha, é a Tradição viva.
Pode V.Excia nos dar um exemplo preciso dessa nova atitude ?
O Papa desenvolveu essa nova perpectiva num dos documentos fundamentais de seu pontificado, o discurso de 23 de Dezembro de 2005, diante da Cúria romana. É um texto no qual se vê Bento XVI se separar do ultra-progressismo. Nele ele condena os que querem um Vaticano III, dizendo que o Vaticano II abriu o caminho, que ele lançou idéias, e que é preciso prosseguir nessa direção. Portanto, ir avante para ultrapassar o Vaticano II !
O Papa condena esse espírito de ruptura. Mas, depois de ter afirmado uma necessária relação com o passado, ele declara que o Vaticano II devia dar à Igreja um novo posicionamento diante do munde. A seus olhos, a grande questão do Vaticano II era definir como a Igreja devia se situar face ao mundo contemporâneo.. E ele desenvolve esse tema em quatro pontos. Em cada vez ele repete a frase: «Era necessário que a Igreja desse uma nova définição da relação entreR30;», a Igreja e o Estado, entre a Igreja e as outras religiões, entre a Igreja e o judaïsmo, e entre a fé e a ciência.
E se deve haver uma nova relação é porque, de seu ponto de vista, o interlocutor evoluiu. Com efeito, Bento XVI expõe que, no século XX, o mundo, sob seus diversos aspetos, tomara uma posição radical contra a Igreja, o que forçou os Papas a tomarem, eles também, uma posição radical contra o mundo. Pergunta-se, certamente se isso não vai contra a proposição 80 do Syllabus que condena a necessidade para o Papa de se colocar em harmonia com o mundo.
Não, parece responder Bento XVI, porque depois do século XIX, há esse século XX, em que o mundo se tornou melhor, em todo caso, não tão radical. E aí vem nos dar exemplos ao nível do Estado que não seria mais tão radicalmente oposto à fé, e ao nível das outras religiões, nas quais Bento XVI julga poder encontrar terrenos de entendimento..
Claramente , ele condena os que defendem a ruptura e insiste em dizer que é preciso uma continuidade com a Tradição, mas, ao mesmo tempo, ele justifica e ratifica todas as mudanças do Vaticano II. Ele, de algum modo as “tradicionalisa”.É preciso que haja continuidade, isso não pode ser de outro modo, portanto, há continuidade. Ele não precisa prová-lo, é uma necessidade da Igreja que haja essa continuidade, portanto há continuidade.
Eis o que coloca um problema muito sério. V. Excia estaria segura de que esse discurso constitui alinha mestra deste pontificado?
O próprio Motu Proprio afirma essa continuidade, dizendo que as duas duas Missas são uma só, porquehá uma só fé. E como só pode haver uma expressão da única Fé, então há uma só Missa, mas sob duas formas, ordináiria e extraordinária..
Nos dias seguintes à publicação do Motu Proprio, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou um documento intitulado Respostas a Questões Concernentes a Certos Aspectos da Doutrina da Igreja. De fato, era tartado nele o probema do “subsistit in”. E eis como!
À questão “O Concílio Vaticano II mudou a doutrina anterior sobre a Igreja?” A resposta é: “O Concílio não quis mudar, e, de fato, não mudou a doutrina em questão. Ele quis antes desenvolvê-la, formulá-la de modo mais adequado, e aprofundar a sua compreensão”
A segunda questão é mais precisa: «Como deve ser compreendida a afirmação segundo a qual a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica ? ».
Ao que respondem os teólogos romanos que, no n° 8 da Lumen Gentium, « subsistir » significa bem a perpétua continuidade histórica e a permanência de todos os elementos instituidos por Cristo na Igreja católica, na qual se encontra concretamente a Igreja de Cristo, nesta terra.
Mas para logo acrescentar que, «segundo a doutrina católica, é correcto afirmar que a Igreja de Cristo está presente e atuando nas Igrejas e comunidades eclesiais que ainda não estão em plena comunhão com a Igreja católica, graças aos elementos de santificação e de verdade que ai se acham». E ousa-se nos dizer que é isso o que a Igreja sempre ensinou. Esses teólogos não tem medo da contradição.
A terceira questão tem o mérito da clareza: « Por que se uilisa a expressão R16;subsiste emR17; e não simplesmente o verbo R16;éR17; ? ».
Resposta : «O uso dessa expressão que indica a plena identidade da Igreja de Cristo com a Igreja católica não muda em nada a doutrina sobre a Igreja, mas tem por razão de ser significar mais claramente que fora de suas estruturas acham-se numerosos elementos de santificação e de verdade, que pertencendo propriamente ao dom de Deus à Igreja de Cristo, apelam por eles mesmos à unidade católica». Dito de outro modo, essas comunidades eclesiais estão fora da Igreja, mas elas têm elementos que apelam para a unidade.
Para bem compreender esse documento, é útil reportar-se às declarações do Cardeal Kasper, o responsável romano do diálogo ecumênico.
Numa conferência sobre os fundamentos do ecumenismo, ele explicava que a palavra subsiste foi introduzida em lugar da palavra é - constantemente empregada até a encíclica Mystici Corporis de Pio XII -, para tornar possível o ecumenismo na Igreja católica. Assim pois, para ele, essa palavra subsiste é o fundamento do ecumenismo na Igreja católica. Se for supressa essa palavra, e se for recolocado o é acabou o ecumenismo. E a Congregação para a Doutrina da Fe quer nos persuadirr que subsiste equivale a é!
O problema é que se trata de um texto oficial que emana de Roma. Seus autores nos dizem que eles pretendem esclarecer a posição romana, mas se poderá ler o texto três vezes, cinco vezes, dez vezes, se se quiser, nele não se entende mais nada. É perturbante, mas não é talvez senão um caso particular que não seria preciso generalisar ?
Não, não é um caso único. Tomemos o documento romano, mais recente, que se intitula, Notas Doutrinais sobre Certos Aspetos da Evangelização. Depois de ter afirmado que a evangelização é muito importante e que é preciso que todo cristão tenha esse cuidado com a evangelização, chega-se ao ecumenismo: « A missão da Igreja é universal. Ela não se limita a regiões determinadas da terra. Todas as vezes, que a evangelização se realiza diversamente segundo as diferentes situações nas quais ela se opera»
E lá se distingue a missão no sentido próprio, a missio ad gentes que se dirige àqueles que não conhecem Cristo, e a evangelização em sentido largo para os cristãos que não estão mais na Igreja «a evangelização tem lugar também nos países onde vivem cristãos não católicos, sobretudp nos países de velha tradição e de antiga cultura cristã. Aqui se requer um verdadeiro respeito por suas tradições e para suas riquezas espirituais, e um sincero espírito de cooperação ».
Será isso mesmo a evangelização ? Não se trata mais de conversão! No quadro da missio ad gentes, é preciso tentar converter os pagãos, mas com os demais, coopera-se. E se houver conversão ao catolicismo por parte desses cristãos, isso será feito em nome da liberdade religiosa !
Não estou inventando nada: «Convém notar que se um cristão não católico, por razões de consciência e estando convicto da verdade católica, pede para entrar na plena comunhão da Igreja Católica, será preciso respeitar seu pedido como como obra do Espírito Santo e como expressão da liberdade de consciência e de religião».