quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
DON FELLAY DÁ SEGUNDA INTREVISTA APÓS O DECRETO DO PERDÃO DA EXCOMUNHÃO
DON FELLAY EM ORDENAÇÕES NA ARGENTINA
Monsenhor, no dia 30 de Junho de 1988, o senhor era consagrado Bispo por Monsenhor Marcel Lefebvre, junto com outros três sacerdotes da Fraternidade São Pío X. Esse acto fez de V. Excias e do Bispo brasileiro Dom Antônio de Castro Mayer os primeiros excomungados depois do Concílio Vaticano II. Hoje V. Excia é o Superior Geral da Fraternidade, o que no apressado linguajar jornalístico é definido como “o chefe dos lefevrianos”. Estamos em Menzingen, Suíça, na Casa Geral. Temos sobre a mesa o decreto da Santa Sé que levanta aquelas excomunhões. Que sente, V. Excia?
Dom Fellay: “Alegria, satisfação. Não são os sentimentos de uma pessoa que pensa ter vencido. O que a Fraternidade Sacerdotal de São Pío X fez desde sua fundação até hoje, e que continuará fazendo sempre, o fez e o fará só pelo bem da Igreja. Também as consagrações episcopais de 1988 foram realizadas com esse fim. Pelo bem da Igreja e por nossa sobrevivência. Monsenhor Lefebvre devia – repito: devia - assegurar a continuidade. Não somos mais que um pequeno bote de salvação em um mar tempestuoso. Nós sempre estivemos a serviço da Igreja e sempre o estaremos. O levantamento das excomunhões, junto ao Motu Proprio do Papa Bento XVI sobre a Missa antiga, é um sinal importante, realmente importante, para nosso pequeno bote. É por isso que falo de alegria e satisfação”.
Onde e quando V.Excia soube do decreto?
Dom Fellay: “Soube dele poucos dias atrás em Roma, no escritório de um Cardeal, o Cardeal Castrillón Hoyos, presidente da Comissão Ecclesia Dei. Nós nos abraçamos. Em seguida, em primeiro lugar, dei graças à Virgem Maria, porque este é um presente dEla. Foi para obter sua intercessão que reunimos mais de um milhão e setecentos mil terços, rezados pelos fiéis que desejavam o levantamento das excomunhões”.
Quem trabalhou mais no Vaticano para chegar a essa solução?
Dom Fellay: “Seguramente o Cardeal Hoyos, que é o presidente de a Comissão encarregada das relações entre a Santa Sé e a Fraternidade de São Pío X. Porém, sobretudo, o Papa Bento XVI. Eu o compreendi desde a primeira audiência em que me encontrei com ele, pouco depois de sua eleição. Ainda quando nos repreendia, o Santo Padre tinha um tom doce, verdadeiramente paternal”.
No decreto se diz que o Santo Padre confia em vosso compromisso “de não poupar esforços para aprofundar as necessárias discussões com a Autoridade da Santa Sé nos assuntos que permanecem abertos”. Que quer dizer isso?
Dom Fellay: “Quer dizer que, como todos os filhos da Igreja, somos chamados a discutir aquelas questões que consideramos fundamentais para a fé e para a vida da própria Igreja. Creio que isso reconhece, ao menos, a seriedade de nossa posição crítica sobre estes últimos quarenta anos. Nós não pedimos mais que clareza. O facto de que a vontade do Santo Padre vá nessa direcção é realmente de grande consolo. O importante é que se entenda que, inclusive nos momentos em que fazemos críticas severas, nós não estamos nunca contra a Igreja ou contra o papado. E como poderíamos estar contra o Papado? Amiúde nos acusaram de ser “lefevrianoss”, porém nós não somos “lefevranos”, ainda que esse nome continue sendo para nós um título de honra: nós somos católicos. O primeiro a não ser lefevriano foi nosso fundador, Monsenhor Lefebvre. Quando isso fique claro, se comprenderá melhor nossas posições. Levará algum tempo porém creio que, pouco a pouco, ficará claro que tudo o que fazemos é obra de Igreja”.
O levantamento das excomunhões é fruto de uma tratativa e de um acordo ou é um acto unilateral da Santa Sé?
Dom Fellay: “Nós pedimos em várias ocasiões a liberdade para a celebração da Missa antiga e o levantamento das excomunhões. Porém, o que aconteceu agora não é fruto de uma tratativa ou de um acordo. Foi um acto gratuito e unilateral que demonstra que Roma realmente nos quer bem. Um verdadeiro bem. Por muito tempo tivemos a impressão de que Roma não queria entrar no assunto. Logo depois tudo mudou e isso nós o devemos ao Papa”.
Por que Bento XVI quis tanto esse acto? Deu-se conta ele da complicação em que ele se colocou com o levantamento das excomunhões?
Dom Fellay: “Ah sim, creio que ele está bem consciente das reacções mais diversas e mais desordenadas. Ademais, em várias ocasiões, antes e depois de sua eleição papal, ele falou da crise da Igreja em termos nada ambíguos. Quando mencionei sua doçura paternal eu me referia ao fato de que nele se manifestam, juntos, a consciência dos tempos em que vivemos, a firmeza para dar-lhes remédio e a atenção para com todos seus filhos. Isto faz que as reacções mais ou menos inadequadas ante seus actos podem fazê-lo sofrer porém certamente não fazem com que ele mude de parecer. E aqui está também o motivo dessa decisão”.
Neste contexto, poder-se-ia sintetizar essa notícia dizendo que a Tradição já não está excomungada?
Dom Fellay: “Sim, ainda que se necessitará tempo antes de que isso se converta em moeda corrente dentro do mundo católico. Até hoje, em muitos ambientes temos sido considerados e tratados pior que o diabo. Tudo o que fazíamos e dizíamos era necessariamente algo mau. Não creio que a situação possa mudar repentinamente. Porém, hoje existe um cato da Santa Sé que nos permite dizer que a Tradição não está excomungada”.
E que se sente viver como excomungado?
Dom Fellay: “Sente-se dor pelo uso malicioso e instrumentalizado de uma marca de infâmia. A respeito de nossa situação, em troca, devo dizer que nunca nos sentimos excomungados, nunca nos sentimos cismáticos. Sempre nos sentimos como parte da Igreja e a notícia da qual estamos falando demonstra que tínhamos razão”.
Chegados a este ponto nos perguntamos por que essa situação se prolongou tanto. E, sobretudo, de que natureza são as questões que o documento da Santa Sé e V. Excias mesmo dizem que devem ser ainda discutidas?
Dom Fellay:”Eu o resumo brevemente. Num momento, dentro da Igreja vimos que se tomava um caminho novo, segundo nós um caminho que levaria a grandes problemas. Nós não fizemos mais do que pensar, ensinar e praticar o que a Igreja havia feito sempre até aquele momento: nada mais e nada menos. Não inventamos nada. Seguimos, de fato, a Tradição. E hoje a Tradição já não está excomungada.
Fonte:Jornal Libero - "Segunda entrevista de D Fellay após o decreto"
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