segunda-feira, 25 de maio de 2009
D. Fernando Arêas Rifan: ORIENTAÇÃO PASTORAL - O MAGISTÉRIO VIVO DA IGREJA
PRIMEIRA CONSEQUÊNCIA
APLICAÇÃO DESSES PRINCÍPIOS TEOLÓGICOS: A QUESTÃO DA MISSA
§1. A UNIDADE DE CULTO, A VARIEDADE DOS RITOS E O PODER DA IGREJA:
A unidade da Igreja Católica é uma das suas notas características essenciais, junto com a santidade, a catolicidade e a apostolicidade. A Igreja, portanto, nunca pode perder sua unidade[1], sob pena de deixar de existir. E a unidade da Igreja é tríplice: unidade de governo – um só governo, o do Romano Pontífice e dos Bispos em comunhão com ele -, unidade de fé – uma só doutrina – e unidade de culto prestado a Deus, sobretudo através dos Sacramentos, especialmente a Santíssima Eucaristia.
O Código de Direito Canônico atual assim define a santíssima Eucaristia, como sacramento e como sacrificio: “Augustíssimo sacramento é a santíssima Eucaristia, na qual se contém, se oferece e se recebe o próprio Cristo Senhor e pela qual continuamente vive e cresce a Igreja. O Sacrifício Eucarístico, memorial da morte e ressurreição do Senhor, em que se perpetua pelos séculos o Sacrifício da cruz, é o ápice e a fonte de todo o culto e da vida cristã, por ele é significada e se realiza a unidade do povo de Deus, e se completa a construção do Corpo de Cristo. Os outros sacramentos e todas as obras de apostolado da Igreja se relacionam intimamente com a Santíssima Eucaristia e a ela se ordenam” (cf. C.D.C. cânon 897). A Eucaristia é, por assim dizer, o centro, a característica e a identidade da Igreja católica. Mas a sua celebração tem diversas formas ou ritos.
“As diversas tradições litúrgicas (ou ritos), legitimamente reconhecidas por significarem e comunicarem o mesmo mistério de Cristo, manifestam a catolicidade da Igreja”[2]. A diversidade litúrgica, quando legítima, é fonte de enriquecimento e não prejudica a unidade da Igreja[3]. E a Igreja Católica conta com dezenas de diversos ritos, orientais e latinos, todos eles sendo expressões diferentes do mesmo culto católico prestado a Deus.
A Igreja tem poder de criar e modificar os seus ritos. Assim, sobre “o poder da Igreja sobre a administração do sacramento da Eucaristia”, o Concílio de Trento declara expressamente que “a Igreja sempre teve o poder de, na administração dos sacramentos, salva a substância deles, determinar e mudar aquelas coisas que julgar conveniente à utilidade dos que os recebem ou à veneração dos mesmos sacramentos, segundo a variedade das coisas, tempos e lugares”.[4]
O Papa Pio XII nos ensina, na sua célebre encíclica sobre a Sagrada Liturgia: “A hierarquia eclesiástica tem usado sempre desse seu direito em matéria litúrgica, preparando e ordenando o culto divino e enriquecendo-o sempre de novo esplendor e decoro para a glória de Deus e vantagem dos fiéis. Não duvidou, além disto – salva a substância do sacrifício eucarístico e dos sacramentos – em mudar aquilo que não julgava adaptado, em acrescentar o que parecia contribuir melhor para a glória de Jesus Cristo e da augusta Trindade, para instrução e estímulo salutar do povo cristão. A sagrada liturgia, com efeito, consta de elementos humanos e de elementos divinos. Esses, tendo sido instituídos pelo divino Redentor, não podem, evidentemente, ser mudados pelos homens; aqueles, ao contrário, podem sofrer várias modificações, aprovadas pela hierarquia sagrada, assistida pelo Espírito Santo, segundo as exigências dos tempos, das coisas e das almas. Disso se origina a estupenda variedade dos ritos orientais e ocidentais...”.[5]
E só a autoridade da Igreja pode declarar o que é legítimo ou não na celebração dos sacramentos, especialmente da Santíssima Eucaristia.
O Direito Canônico nos ensina que pertence à autoridade da Igreja determinar o que é válido e lícito na celebração, administração e recepção dos Sacramentos, pois eles são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino (Cf. C.D.C. cânon 841[6]).
Quanto à Liturgia Romana tradicional, dita de São Pio V, estabelecida pela sua Bula Quo Primum Tempore, que alguns pensam nunca poder ser modificada nem por um Papa posterior, há uma resposta oficial da Congregação do Culto Divino, de 11 de junho de 1999, que citamos: “Pode um Papa fixar um rito para sempre? Resp.: Não. Sobre ‘Ecclesiae potestas circa dispensationem sacramenti Eucharistiae’, o Concílio de Trento declara expressamente: ‘Existe perpetuamente na Igreja este poder para, na dispensação (ministério) dos sacramentos, salva a substância deles, estatuir e mudar aquelas coisas que julgar melhor para a utilidade dos que os recebem ou veneração dos próprios sacramentos, segundo a variedade das coisas, tempos e lugares” (DS 1728). Do ponto de vista canônico, deve-se dizer que quando um Papa escreve ‘perpetuo concedimus’, deve-se sempre subentender ‘até que seja ordenado de outro modo’. É próprio da autoridade soberana do Romano Pontífice não ser limitado nas leis meramente eclesiásticas, muito menos pelas disposições dos seus Predecessores. Ele é ligado somente à imutabilidade das leis divina e natural, além da própria constituição da Igreja”.[7]
As expressões de perpetuidade e proibição de modificação usadas por São Pio V na Bula Quo primum tempore, pela qual publicou o Missal, são idênticas às que ele mesmo usou na bula Quod a nobis, pela qual publicou o Breviário Romano. No entanto, São Pio X modificou esse breviário pela Bula Divino afflatu, usando por sua vez as mesmas expressões solenes consagradas de perpetuidade e de proibição de modificação, proibição que não atingiu evidentemente o Papa Pio XII que o modificou pela Carta Apostólica In cotidianis precibus, bem como o Papa Beato João XXIII, cujas rubricas ele alterou, ao mesmo tempo que as do Missal, pela Carta Apostólica Rubricarum instructum, modificações essas adotadas por todo o mundo tradicionalista.
§ 2. A REFORMA LITÚRGICA APÓS O CONCÍLIO VATICANO II:
O Papa atual, quando cardeal prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, declarou que “a crise eclesial, na qual nos encontramos hoje, depende em grande parte do desmoronamento da Liturgia”[8]. O Papa constata, portanto, a existência de um desmoronamento daquilo que a Igreja tem como seu ápice, com influências deletérias em toda a vida católica.
Assim como o Concílio Vaticano II, a Reforma Litúrgica dele provinda, ocorreu num período conturbado de grande crise na Igreja e serviu de ocasião e pretexto para grandes abusos e erros, cometidos e propagados em seu nome.
Pessoas autorizadas, entre os quais vários teólogos e liturgistas, por exemplo o Cardeal Ratzinger[9], nosso atual Papa, o Cardeal Ferdinando Antonelli, que foi secretário da Comissão Conciliar da Liturgia[10], e o Cardeal Eduardo Gagnon, presidente do Comitê Pontifício para os Congressos Eucarísticos Internacionais[11], tiveram reservas e críticas quanto ao modo como foi feita a reforma litúrgica pós-Vaticano II, especialmente na sua aplicação prática.
Foi nessa mesma linha que o Santo Padre o Papa João Paulo II escreveu: “Quero pedir perdão – em meu nome e no de todos vós, veneráveis e queridos irmãos no episcopado – por tudo o que, por qualquer motivo que seja e por qualquer fraqueza humana, impaciência, negligência, em virtude também da aplicação às vezes parcial, unilateral, errônea das prescrições do concílio Vaticano II, possa ter suscitado escândalo e mal-estar acerca da interpretação da doutrina e da veneração devida a este grande Sacramento. E peço ao Senhor Jesus para que no futuro seja evitado, em nosso modo de tratar este sagrado Mistério, o que possa, de alguma maneira, debilitar ou desorientar o sentido de reverência e de amor dos nossos fiéis” (Carta Dominicae Cenae, 24/2/1980, n.º 12).
O recém-nomeado secretário da Congregação para o Culto Divino e disciplina dos Sacramentos, Dom Albert Malcom Ranjith Dom, falou recentemente sobre os desvios na Liturgia da Igreja. Ao analisar o aggiornamento querido pelo Concílio Vaticano II, ele diz que “infelizmente, após o Concílio, certas mudanças pouco refletidas foram feitas, na rapidez, no entusiasmo, na rejeição de certos exageros do passado. Isso levou a uma situação oposta ao que se desejava”. E ele dá exemplos: “Vê-se que a liturgia tomou direções errôneas como o abandono do sagrado e da mística, a confusão entre o sacerdócio comum e o consagrado de modo especial, ou seja, a confusão dos papeis entre os leigos e os padres. Há também a visão do conceito de Eucaristia como um banquete comum, mais do que a acentuação sobre a memória do sacrifício de Cristo no Calvário e sobre a eficácia sacramental para a salvação, ou ainda certas mudanças como ter esvaziado as igrejas na linha protestante... Essa mudança de mentalidade enfraqueceu o papel da liturgia ao invés de reforça-lo... Isso causou outros resultados negativos para a vida da Igreja. Assim, para enfrentar o progresso do secularismo no mundo, não era preciso nos tornar secularizados, mas que nos aprofundássemos ainda mais, pois o mundo tem sempre mais necessidade do Espírito, da interioridade...Vê-se bem, nos jovens de hoje, e inclusive nos jovens padres, uma nostalgia do passado, uma nostalgia de certos aspectos perdidos. Há na Europa um despertar muito positivo”.[12]
Como a nós nos interessa o bem de toda a Igreja, apoiamos a idéia sustentada pelo Santo Padre atual de empreender a reforma da reforma litúrgica, corrigindo mais eficazmente os abusos e corrigindo tudo o que, nas normas litúrgicas, possa dar azo a eles. O mesmo secretário da Congregação para o Culto Divino e disciplina dos Sacramentos, Dom Albert Malcom Ranjith Dom afirma: « pode-se falar de uma correção necessária, de uma reforma na reforma ».[13]
§3. A CONSERVAÇÃO HOJE DA MISSA NA FORMA TRADICIONAL:
Levados pelo legítimo desejo de conservar a riqueza litúrgica do rito tradicional e chocados, com razão, em sua fé e piedade com os abusos, sacrilégios e profanações a que deu azo a reforma litúrgica (cf. tb. notas 42, 52, e 77), os católicos da linha tradicional, não querendo ver a “liturgia transformada em show” (cf. nota 42) nem querendo compartilhar com erros e profanações que viam, apegaram-se legitimamente às formas tradicionais da liturgia.
Por isso, merecem toda a nossa compreensão, nossos louvores e nosso apoio todos os que lutam pela preservação da Liturgia na sua forma tradicional.
Por isso também, tem todo o nosso aplauso o tão desejado Motu Próprio do Papa Bento XVI concedendo liberdade universal para a Missa no rito romano tradicional, o que será um benefício para toda a Igreja. O Cardeal George, Arcebispo de Chicago, afirma que a Missa de São Pio V é “uma fonte preciosa de compreensão litúrgica para todos os outros ritos... Esta liturgia pertence à Igreja inteira como um veículo do espírito que deve se irradiar também na celebração da terceira edição típica do missal romano atual...” (Cf. citação completa na nota 47, abaixo).
Por todos esses motivos, também em nossa Administração Apostólica, por faculdade a nós concedida pela Santa Sé, conservamos o rito da Missa na sua forma tradicional, isto é, a antiga forma do Rito Romano, como o fazem igualmente muitas congregações religiosas, grupos e milhares de fiéis em todo o mundo. Nós a amamos, preferimos e conservamos por ser, para nós, melhor expressão litúrgica dos dogmas eucarísticos e sólido alimento espiritual[14], pela sua riqueza, beleza, elevação, nobreza e solenidade das cerimônias[15], pelo seu senso de sacralidade[16] e reverência[17], pelo seu sentido de mistério[18], por sua maior precisão e rigor nas rubricas, apresentando assim mais segurança e proteção contra abusos, não dando espaço a “ambigüidades, liberdades, criatividades, adaptações, reduções e instrumentalizações”, como lamenta o Papa João Paulo II[19]. E a Santa Sé reconhece essa nossa adesão como perfeitamente legítima[20].
Assim, por ser uma das riquezas litúrgicas católicas, exprimimos através da Missa na sua forma tradicional o nosso amor pela Santa Igreja e nossa comunhão com ela.
Ademais, não arrefeceu e continua o nosso combate contra as heresias litúrgicas como a negação da presença real de Cristo na Eucaristia, a transformação da Missa numa simples ceia, a negação ou o encobrimento do caráter sacrifical e propiciatório da Santa Missa, a confusão entre o sacerdócio ministerial e o sacerdócio comum dos fiéis, a dessacralização da sagrada Liturgia, a falta de veneração, de adoração e de modéstia nos trajes no culto divino, a mundanização da Igreja, etc.
E a esses erros nós resistimos sempre, venham de onde vierem. A doutrina da resistência continua a mesma: "Se um anjo do Céu, ou nós mesmos, vos ensinar um Evangelho diferente daquele que vos pregamos, seja anátema" (São Paulo aos Gálatas 1,8). Esta nossa posição doutrinária foi e continua sendo a mesma que sempre sustentamos.
§4. CRITÉRIOS E LIMITES A SEREM OBSERVADOS:
Falamos acima sobre os verdadeiros e sadios motivos que levaram e levam grande número de católicos ao legítimo amor e preferência pela riqueza litúrgica do rito tradicional e, portanto, à sua conservação.
Mas, há que se reconhecer e lamentar que, às vezes, em sua adesão e resistência, fizeram-se críticas ilegítimas à reforma litúrgica[21] e se foi além dos limites permitidos pela doutrina católica[22].
Muitas vezes, na ânsia de defender coisas corretas e sob pressão dos ataques dos opositores, mesmo com reta intenção podem-se cometer erros e exageros que, após um período de maior reflexão, devem ser retificados e corrigidos. São Pio X comentava que no calor da batalha é difícil medir a precisão e o alcance dos golpes. Daí acontecerem faltas ou excessos, compreensíveis, mas incorretos. Erros podem ser compreendidos e explicados, mas não justificados. Santo Tomás de Aquino nos ensina: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção”[23].
Por essa razão, em carta ao Papa de 15/8/2001, os sacerdotes da antiga União Sacerdotal São João Maria Vianney, agora constituída pelo Papa em Administração Apostólica[24], escreveram: "E se, por acaso, no calor da batalha em defesa da verdade católica, cometemos algum erro ou causamos algum desgosto a Vossa Santidade, embora a nossa intenção tenha sido sempre a de servir à Santa Igreja, humildemente suplicamos o seu paternal perdão".
É preciso sempre ajustar a prática com os princípios que defendemos. Se reconhecemos as autoridades da Igreja é preciso respeitá-las como tais, sem jamais, ao atacar os erros, desprestigiá-las. Se houve algum erro ou exagero no passado quanto a isso, não há nada de mais em se corrigir o erro. Os princípios, a adesão às verdades da nossa Fé e a rejeição aos erros condenados pela Igreja continuam os mesmos. O que é preciso é evitar as generalizações, ampliações e atribuições indevidas e injustas. A justiça e a caridade, mesmo no combate, são imprescindíveis. Se houve alguma falha também nesse ponto, corrigir-se não é nenhum desdouro. Afinal, errar é humano, perdoar é divino, corrigir-se é cristão e perseverar no erro é diabólico.
O objetivo da presente Orientação Pastoral não é arrefecer a luta contra o modernismo ou outras heresias que procuram se infiltrar na Santa Igreja de Deus, muito menos compactuar com quaisquer erros que sejam, mas sim fazer com que o nosso ataque seja eficaz, baseado na verdade, na justiça e na honestidade. Caso contrário, seria inócuo, prejudicial e até ofensivo a Deus, Nosso Senhor, e à sua Igreja. Só assim estaremos contribuindo realmente com a hierarquia da Igreja nesse combate contra o mal.
Foi o que escrevemos ao Papa em nossa carta de 15 de agosto de 2001: “Queremos, oficialmente, colaborar com Vossa Santidade na propagação da Fé e da Doutrina Católica, no zelo pela honra da Santa Igreja – 'Signum levatum in nationes' - e no combate aos erros e heresias que tentam destruir a Barca de Pedro, inutilmente porque 'as portas do inferno não prevalecerão contra Ela’ ”.
E o Santo Padre, bondosamente, acolheu a nossa oferta: “Tomamos nota, com vivo regozijo pastoral, do vosso propósito de colaborar com a Sé de Pedro na propagação da Fé e da Doutrina Católica, no zelo pela honra da Santa Igreja - que se ergue como 'Signum in nationes' (Is 11,12) - e no combate aos que tentam destruir a Barca de Pedro, inutilmente porque 'as portas do inferno não prevalecerão contra Ela' (Mt 16,18)”.
Assim, jamais se pode usar a adesão à Liturgia tradicional em espírito de contestação à autoridade da Igreja ou de rompimento de comunhão. Há que se conservar a adesão à tradição litúrgica sem pecar contra a sã doutrina do Magistério e sem jamais ofender a comunhão eclesial. Como escrevi na minha primeira mensagem pastoral de 5 de janeiro de 2003: “Conservemos a Tradição e a Liturgia tradicional, em união com a Hierarquia e o Magistério vivo da Igreja, e não em contraposição a eles”.
“A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões recíprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum ... e à comunhão hierárquica”[25].
Todas as pessoas autorizadas, teólogos e liturgistas, citados acima, como o então Cardeal Ratzinger, nosso atual Papa, o Cardeal Ferdinando Antonelli, que foi secretário da Comissão Conciliar da Liturgia, e o Cardeal Eduardo Gagnon, que tiveram algumas reservas quanto ao modo como foi feita a reforma litúrgica pós-Vaticano II, especialmente na sua aplicação prática, permaneceram sempre dentro dos limites permitidos pela doutrina católica, dogmática e canônica, e no respeito ao Magistério da Igreja.
Esses limites, impostos pela teologia católica às reservas e críticas, nos impedem, por exemplo, de dizer que o Novus Ordo Missae, a Missa promulgada pelo Santo Padre Paulo VI, seja heterodoxa ou não católica. A sua promulgação[26] (forma, no sentido filosófico) é a garantia contra qualquer irregularidade doutrinal que pudesse ter havido na sua confecção (matéria), embora ela possa ser melhorada na sua expressão litúrgica. E é a sua promulgação oficial, e não o modo de sua confecção, que a torna um documento do Magistério da Igreja[27].
Não se pode negar o fato objetivo de que hoje o rito de Paulo VI é o Rito oficial da Igreja latina, celebrado pelo Papa e por todo o Episcopado Católico. Ninguém pode ser católico se mantendo numa atitude de recusa de comunhão com o Papa e com o Episcopado católico. De fato, a Igreja define como cismático aquele que recusa se submeter ao Romano Pontífice ou se manter em comunhão com os outros membros da Igreja a ele sujeitos (cânon 751). Ora, se recusar continua e explicitamente a participar de toda e qualquer Missa no rito celebrado pelo Papa e por todos os Bispos da Igreja, pela razão de julgar esse rito, em si mesmo, incompatível com a Fé ou pecaminoso, representa uma recusa formal de comunhão com o Papa e com o Episcopado católico.
O fato de termos, em nossa Administração Apostólica, o rito de São Pio V como rito próprio e exclusivo, conforme nos concedeu a Santa Sé, não significa que não se possa nunca participar da Missa na forma atual, considerando-a, na prática, como se fosse inválida ou ilícita, isto é, pecaminosa.
Porque quem, na teoria ou na prática, considerasse a Nova Missa, em si mesma, como inválida, sacrílega, heterodoxa ou não católica, pecaminosa e, portanto, ilegítima, deveria tirar as lógicas conseqüências teológicas dessa posição e aplica-la ao Papa e a todo o Episcopado residente no mundo, isto é, a toda a Igreja docente: ou seja, sustentar que a Igreja oficialmente tenha promulgado, conserve há décadas e ofereça todos os dias a Deus um culto ilegítimo e pecaminoso – proposição reprovada pelo Magistério (cf. notas 70 e 71) - e que, portanto, as portas do Inferno tenham prevalecido contra ela, o que seria uma heresia. Ou então estaria adotando o princípio sectário de que só ele e os que pensam como ele são a Igreja e que fora deles não há salvação, o que seria outra heresia. Essas posições não podem ser aceitas por um católico, nem na teoria nem na prática.
Fique, portanto, bem claro, por tudo quanto aqui estamos ensinando, que, embora tenhamos como rito próprio da nossa Administração Apostólica a Missa no rito romano tradicional, uma participação de algum fiel ou uma concelebração de algum dos nossos sacerdotes ou de seu Bispo, em uma Missa num rito promulgado oficialmente pela hierarquia da Igreja, por ela determinado como legítimo e por ela adotado, como é a Missa celebrada no Rito Romano atual, não pode ser considerada como sendo algo mau nem passível da menor crítica. Nem isso significa a perda da nossa identidade litúrgica, mas sim uma demonstração de comunhão com os outros Bispos, sacerdotes e fiéis, apesar da diferença de rito.
Ademais isso não vem significar absolutamente que estejamos aprovando abusos e profanações que ocorrem até com certa freqüência em Missas celebradas no novo rito. Estamos falando do rito em latim tal qual foi promulgado pelo Santo Padre Paulo VI e aprovado pelos seus sucessores. E uma eventual participação em missas do novo rito não significa aprovação de quaisquer abusos lamentados pelo Papa, que ali possam ocorrer.
Também não estamos simplesmente enviando os fiéis à nova Missa. Se lutamos tanto para termos a faculdade de possuirmos e conservarmos o rito tradicional, como nos concedeu o Santo Padre com a criação da Administração Apostólica, é exatamente para que os sacerdotes e fiéis tenham sempre acesso legítimo e tranqüilo a esse tesouro litúrgico da Igreja. Pode-se, ademais, pelos motivos legítimos que aqui indicamos, participar apenas da Missa tradicional e celebrá-la com exclusividade, como fazemos em nossa Administração Apostólica, por faculdade concedida pela Santa Sé.
Não foi o propósito específico dessa Orientação Pastoral analisar e questionar completamente todos os aspectos da atual reforma litúrgica. Estamos defendendo sim o Magistério e a indefectibilidade da Igreja, que continua perene, mesmo com o atuais desastres a que possa ter dado azo a reforma litúrgica.
O nosso propósito, sim, é combater aqui o equívoco doutrinário dos que consideram a nova Missa, como foi promulgada oficialmente pela hierarquia da Igreja, como sendo pecaminosa e, portanto, impossível de ser assistida sem se cometer pecado, atacando violentamente os que, em determinadas circunstâncias, dela participam, como se tivessem cometido uma ofensa a Deus.
Já referimos acima que, conforme legisla o Direito Canônico, pertence exclusivamente à autoridade da Igreja determinar o que é válido e lícito na celebração, administração e recepção dos Sacramentos, pois eles são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino (Cf. C.D.C. cânon 841[28]). Seria, portanto, usurpar o lugar da suprema autoridade da Igreja dizer que a Missa no rito romano atual é inválida ou ilícita ou, como alguns dizem, não serve para cumprir o preceito dominical.
Há infelizmente alguns que pensam que o único motivo para se celebrar ou assistir à Missa no rito tradicional é o fato de a Nova Missa ser inválida ou heterodoxa e, portanto, ilícita. Ora, os muitos sérios e graves motivos que demos acima são suficientes para a nossa adesão à Missa tradicional como nos concedeu a Santa Sé, sem necessitar recorrer a esse argumento que, aliás, seria falso e injusto. E só a verdade e a justiça devem ser a nossa norma nesta luta. Somente a verdade nos fará livres (Jo 8,32). Caso contrário estaríamos açoitando o ar (I Cor 9,26).
Bem acertadamente escreveu um escritor católico da atualidade, Dr. Michael Davies, grande defensor da Missa tradicional e de grande renome nos meios tradicionalistas: “Alegações têm sido feitas dentro do movimento tradicionalista de que a Nova Missa não foi apropriadamente promulgada conforme as normas do Direito Canônico, de que ela não é a Missa oficial da Igreja Católica, de que assistindo a ela não se cumpre o preceito dominical, de que ela é ruim, má, ou mesmo intrinsecamente má. Visto que o Papa Paulo VI era um verdadeiro papa, e que o Missal de 1970 constitui o que é conhecido como uma lei disciplinaria universal, tais alegações são completamente insustentáveis em vista da doutrina da indefectibilidade da Igreja. Nenhum papa verdadeiro poderia impor ou mesmo autorizar para o uso universal um rito litúrgico que fosse em si mesmo prejudicial aos fiéis. As alegações completamente insustentáveis a que me referi explicam uma atitude perturbadora que prevalece em certas secções do movimento tradicionalista nos quais atacar o Missal de 1970 (de Paulo VI) parece obter prioridade sobre a conservação do de 1570 (Missal de São Pio V). Não ha nenhuma esperança possível de um reconhecimento do Vaticano ser estendido a padres que sustentam essas hipóteses insustentáveis, fato que não parece perturba-los. Nem eles parecem se perturbar com o fato de que tais teorias não são endossadas por nenhum teólogo qualificado fora do movimento tradicionalista, ou que o consenso de opinião dentro do movimento as rejeita. Alguns desses padres não duvidam imaginar que alguém não pode ser um verdadeiro tradicionalista sem aceitar que a Nova Missa seja má. A documentação que segue (no seu livro) seria suficiente para provar que de fato aqueles que adotam esta posição é que não podem se considerar católicos tradicionais, pois defender que um rito sacramental aprovado pelo Romano Pontífice é mau é totalmente incompatível com o ensinamento tradicional da Igreja”[29].
§ 5 – UMA GRAVÍSSIMA ADVERTÊNCIA:
Faço aqui uma pequena pausa para uma séria e grave advertência.
Muitos católicos erradamente pensam, talvez com medo de caírem no liberalismo ou progressismo, que seja melhor assumir sempre a posição mais dura e radical, suspeitando de tudo e de todos. Nem sempre, porém, a posição mais dura e radical é a verdadeira, a melhor, a mais certa e a mais eficaz.
Fazendo uma comparação de linha filosófica, em Lógica se aprende que para combater uma proposição determinada deve-se lhe opor a proposição contraditória e não a contrária. Aparentemente a contrária nega mais, é mais radical. No entanto, ela pode ser tão falsa quanto a que ela quer combater, pois nega demais. Ao passo que a proposição contraditória, embora pareça que não seja tão contra, é a mais eficaz, pois nega apenas o que se deve negar e não mais do que é preciso.
O Padre Didier Bonneterre, da Fraternidade São Pio X, no prólogo do seu livro “O Movimento Litúrgico”[30], faz uma grave advertência: “Gostaríamos de pôr de sobreaviso os nossos leitores contra uma certa moda intelectual que se propaga como uma peste em nossos meios tidos como ‘tradicionalistas’: o espírito de disputa para ver quem assume a opinião mais extrema, que faz buscar, a qualquer preço, a posição mais ‘dura’, como se a verdade de uma proposição pudesse ser influenciada por um preconceito voluntarista de ser anti-qualquer coisa”.
Muitas vezes a posição radical que generaliza é até mais cômoda do que aquela que faz as devidas distinções. Mas nem por isso está mais de acordo com a verdade, a justiça e a honestidade, que devem pautar o nosso pensar, o nosso proceder e o nosso combate pelo bem, como dissemos acima.
Muitos dos que lutaram pela tradição litúrgica e doutrinal da Igreja, por não guardarem esses devidos limites, acabaram caindo no cisma e na heresia. Muitos que consideravam a Nova Missa, em si mesma, como inválida ou herética, sacrílega, heterodoxa, não católica, pecaminosa, e, portanto, ilegítima, acabaram realmente tirando as lógicas conseqüências teológicas dessa posição e a aplicaram ao Papa e a todo o Episcopado residente no mundo, isto é, a toda a Igreja docente: ou seja, tiveram que sustentar que a Igreja oficialmente promulgou, conservou há décadas e oferece todos os dias a Deus um culto ilegítimo e pecaminoso. Daí, logicamente, concluíram que a Igreja hierárquica como ela existe hoje não é mais a Igreja Católica, pois caiu oficialmente no erro e que ela apenas subsiste em um pequeno grupo, do qual evidentemente eles fazem parte. Dessa argumentação “ex absurdo”, ou seja, do absurdo a que levam essas idéias, deve-se concluir pelo oposto delas: a Igreja não pode (“a priori”) e não adotou (“a posteriori”) uma Missa inválida ou herética, sacrílega, heterodoxa, não católica, pecaminosa, e, portanto, ilegítima.
Há que se notar que a maioria das críticas radicais contra o Novus Ordo proveio de pessoas inclinadas ao sedevacantismo[31]. Muitos deles depois acabaram aderindo publicamente a essa posição, se não ao cisma formal.[32]
Eu mesmo conheci e conheço alguns dos que combatiam conosco que, por caírem nesse radicalismo, perderam completamente a fé na Igreja[33], outros participaram da eleição de falso papa e outros ainda apostataram completamente da fé católica[34], caíram no cisma formal e na heresia. Eles pensam guardar a tradição, mas fora da Igreja hierárquica[35].
É para eles a grave advertência do Santo Padre Pio XII: “Em erro perigoso estão, pois, aqueles que julgam poder unir-se a Cristo, cabeça da Igreja, sem aderirem fielmente ao seu Vigário na terra. Suprimida a cabeça visível e rompidos os vínculos visíveis da unidade, obscurecem e deformam de tal maneira o corpo místico do Redentor, que não pode ser visto nem encontrado por quem procura o porto da eterna salvação”.[36]
Nenhum herege ou cismático em tempo algum achou que estava enganado. Sempre pensavam que a Igreja é que estava errada e eles certos. E se vangloriavam de terem conservado a sã doutrina. Por isso, para que ninguém se iluda pensando estar certo por conservar coisas boas tradicionais, mas fora da comunhão com a Igreja hierárquica, lembramos as palavras de Santo Agostinho: “Ninguém pode encontrar salvação a não ser na Igreja Católica. Fora da Igreja, pode se ter tudo, menos a salvação. Pode-se ter honra, pode se ter sacramentos, pode-se cantar Alleluia, pode-se responder Amem, pode-se ter fé no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e pregar isso também, mas nunca se pode, exceto na Igreja Católica, encontrar salvação”[37].
É contra esse gravíssimo perigo e risco de heresia e cisma que quero alertar a todos os que lutam em prol da tradição católica.
O Magistério da Igreja nos lembra a necessidade da comunhão com a hierarquia para que haja legitimidade na celebração da Santa Missa. O Papa João Paulo II nos ensina isso na sua encíclica Ecclesia de Eucharistia: “Somente neste contexto, tem lugar a celebração legítima da Eucaristia e a autêntica participação nela”.[38] Santo Inácio de Antioquia diz: “Que se considere legítima só esta Eucaristia que se faz sob a presidência do Bispo ou daquele a quem este encarregou”.[39]
Cito novamente o eminente escritor católico tradicionalista Michael Davies: “Poderíamos parafrasear o Papa Paulo VI e lamentar o fato de que a fumaça de Satanás penetrou no movimento tradicionalista para estrangular sua defesa da ortodoxia. Quando nos recordamos de que estamos lidando com um inimigo sobrenatural de enorme astúcia e inteligência, devemos supor que ele faria tudo o que estivesse em seu poder para fragmentar e destruir aqueles grupos que têm sido mais eficazes na oposição à sua destruição da Igreja. Que meios mais eficazes poderia ele empregar do que tentar leva-los a cair no cisma? Fora da Igreja sua defesa da Tradição se tornaria ineficaz. Uma vez que tais pessoas tenham abandonado a Igreja, embora como todos os hereges e cismáticos eles proclamem que eles constituem a verdadeira Igreja, torna-se claro que só um milagre pode leva-los à compreensão de sua verdadeira situação. O orgulho que ocasionou a ruína de Satanás é evidente aqui. Há muita satisfação ligada a ser um membro do número dos eleitos, que, como o Padre van der Ploeg recorda no seu prefácio[40], ‘é sempre a mais evidente característica de uma seita’”[41]
Dom Antônio de Castro Mayer, falando de grupos tradicionalistas, também nos previne contra esse espírito sectário exclusivista: "A seita é exclusivista: seus membros foram os escolhidos, eles sabem que poucos são os escolhidos, e esses poucos são eles... Eles são os depositários da Verdade. Sem eles não há salvação" (Monitor Campista 13/4/1983 e 22/12/1985).
A respeito dos que criticam e atacam a posição da nossa Administração Apostólica e do seu Bispo, o mesmo Dr. Michael Davies me escreveu, em 2 de maio de 2004: “É muito triste que haja tantos que afirmam ser tradicionalistas que estão mais interessados em atacar outros membros do nosso movimento do que em lutar pela tradição. O único e corajoso apostolado de V. Exa. é uma inspiração para os católicos tradicionais em todo o mundo... Eu estou seguro de que todos aqueles que amam a tradição o honram e admiram, e apreciam a imensa contribuição que V. Exa. tem feito pela causa que amamos... Aqueles que espalham esses maldosos rumores são apenas uma insignificante e maliciosa minoria que necessita mais de nossas orações do que da nossa condenação”.
§ 6 – VOLTANDO À QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DA NOVA MISSA:
Assim sendo, uma vez que a nova Liturgia da Missa foi promulgada oficial e solenemente pela Sé de Pedro como uma lei litúrgica universal da Igreja e adotada pelo Episcopado mundial em comunhão com o Papa por quase quatro décadas[42], e isso é matéria ligada à Fé[43], é impossível que essa liturgia, em si mesma, seja herética, não católica, ilícita, pecaminosa ou mesmo prejudicial à Fé. Pode sê-lo por circunstâncias adjuntas, que infelizmente muitas vezes ocorrem[44], mas não em si mesma, tal qual foi promulgada.
Afirmar o contrário é incorrer em reprovação já promulgada pelo Magistério da Igreja, pois é proposição censurada por ele dizer que a Igreja, regida pelo Espírito de Deus, possa promulgar uma disciplina perigosa ou prejudicial às almas (Cf. Papa Pio VI[45], e Papa Gregório XVI[46]). Pelo contrário, as leis universais da Igreja são santíssimas (cf. Papa Pio XII[47]).
A unanimidade dos teólogos (ver abaixo § 7) nos ensina a infalibilidade ou inerrância da Igreja nas suas leis universais, entre as quais se situam as leis litúrgicas universais. Não quer dizer que não possam ser modificadas ou melhoradas. Significa que não podem conter erros contra a Fé ou Moral, ou serem prejudiciais às almas. O Concílio de Trento, por exemplo, proclamou a inerrância da Vulgata, tradução feita por São Jerônimo. Não quer dizer que ela fosse perfeita nem que não pudesse ser corrigida ou melhorada, como de fato o foi em diversas passagens pela autoridade da Igreja. A declaração infalível do Concílio de Trento significa que ela não continha erros doutrinários.
Interpretações dadas por modernistas e declarações feitas por protestantes logo no princípio da reforma litúrgica impressionaram o mundo católico e muitos pensaram ser esta a interpretação a ser dada ao novo ritual da Missa. Mas, pelo contrário, o sentido das ações e expressões litúrgicas é dado pelo Magistério da Igreja[48]. E, graças a Deus, diversas intervenções posteriores do Magistério corrigiram qualquer ambigüidade que pudesse existir e deram aos textos e rituais o verdadeiro sentido, o católico, e não o modernista ou protestante[49].
Alguém poderia objetar que, mesmo havendo muitas elucidações posteriores do Magistério, o texto do Novus Ordo continuou o mesmo. Mas, exatamente, são as elucidações que precisam o sentido. Como ocorre com as Sagradas Escrituras, cujo texto muitas vezes se presta a interpretações heréticas, mas que tem o sentido correto dado pelo Magistério, que o faz sem modificar o texto. Aliás, essa é exatamente a diferença entre a Bíblia católica e a protestante, nos textos coincidentes: as notas explicativas com o sentido dado pelo Magistério[50].
§ 7. ABALIZADOS TEÓLOGOS TRADICIONAIS O CONFIRMAM.
A doutrina sobre a infalibilidade da disciplina litúrgica da Igreja é ensinada unanimemente pelos teólogos católicos mais abalizados, sem exceção de um só sequer.
E é bom ressaltar que o consenso moralmente unânime dos teólogos em um ponto específico de doutrina representa uma opinião certa (theologice certum) e é um sinal certo da Divina Tradição.[51] Citamos apenas alguns:
Hervé: A Igreja “deixaria de ser santa”, e portanto “deixaria de ser a verdadeira Igreja de Cristo”, caso “preceituasse a todos os fiéis, através da sua suprema autoridade, algo contra a fé e os bons costumes.”[52]
Haegy: “Os atos da liturgia tem um valor dogmático; são as expressões do culto de Deus na Igreja. Ora, a manifestação exterior do culto tem uma relação intima com a fé. Para ser razoável, o culto não pode deixar de ser conforme à fé.”[53]
Wernz e Vidal: “Os Romanos Pontífices são infalíveis ao fazer leis universais sobre a disciplina eclesiástica, de modo que jamais estabeleçam qualquer coisa contra a fé e os bons costumes, embora não atinjam o supremo grau de prudência.”[54]
Tanquerey: “Esta infalibilidade consiste em que a Igreja num juízo doutrinal nunca possa estabelecer uma lei universal, que seja contrária à fé, aos bons costumes e à salvação das almas...(no entanto) em lugar algum foi prometido à Igreja um sumo grau de prudência para promulgar as melhores leis para todos os tempos, lugares e circunstâncias”.[55]
Hermann: “A Igreja é infalível na sua disciplina geral. Pelo termo disciplina geral entendem-se as leis e as práticas que pertencem à ordenação externa de toda a Igreja. Isto diz respeito a elementos tais como o culto externo, como a liturgia e as rubricas ou a administração dos sacramentos (...) Se ela fosse capaz de prescrever ou de ordenar ou de tolerar em sua disciplina alguma coisa contrária à fé e aos costumes, ou alguma coisa prejudicial à Igreja ou nociva aos fiéis, ela falharia na sua missão divina, o que seria impossível”.[56]
Van der Ploeg, O. P.: “A doutrina da indefectibilidade da Igreja é uma conseqüência da promessa de Nosso Senhor a São Pedro ‘sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela’ (Mt. 16,18)... Alguns católicos, durante as atuais tribulações, ... dizem que a Missa e os sacramentos foram destruídos pelos mais recentes ‘ocupantes’ da Sé de Pedro. Se essas pessoas estão corretas significa que Nosso Senhor Jesus Cristo abandonou a Sua Igreja... Mas isto é algo que nunca pode acontecer, pois contradiria a solene promessa de Nosso Senhor acima citada... É também impossível que Nosso Senhor pudesse abandonar Sua Igreja pois isso frustraria o verdadeiro fim para o qual a Igreja foi fundada, para ser o instrumento de Deus para a salvação de nossas almas. Se Nosso Senhor abandonasse Sua Igreja, as palavras “quem vos ouve a mim ouve” seriam verdadeiras apenas para um excepcional pequeno grupo que se considera a si mesmo como o eleito, o que é sempre a mais evidente característica de uma seita. Nosso Senhor não fundou uma seita, mas a Igreja que é universal, isto é, Católica”.[57]
§ 8. A OPINIÃO FINAL DOS CARDEAIS OTTAVIANI E ANTONELLI.
O Cardeal Ottaviani, mesmo tendo apresentado ao Papa suas restrições ao Novus Ordo Missae, celebrava a Missa no rito novo, e isso até à sua morte. Igualmente os Cardeais Ratzinger, Antonelli e Gagnon, acima citados.
Quanto à intervenção do Cardeal Ottaviani, muito citada, há que se notar que sua crítica (carta de 5 de outubro de 1969) foi feita antes da versão final corrigida da Missa no rito novo. Em atenção e resposta à carta do Cardeal Ottaviani, o Papa Paulo VI concedeu duas audiências gerais sobre o novo rito da Missa.
Depois delas, o Cardeal Ottaviani escreveu: “... Eu me alegrei profundamente com a leitura dos Discursos do Santo Padre sobre as questões do novo Ordo Missae, e sobretudo com suas precisões doutrinais contidas nos Discursos às Audiências Públicas de 19 e 26 de novembro: depois do que, eu creio, ninguém pode mais sinceramente se escandalizar. Para o mais, será necessário fazer uma obra prudente e inteligente de catequese, a fim de tirar algumas perplexidades legítimas que o texto pode suscitar.” E nessa carta ele lamenta: “... De minha parte, eu lamento somente que se tenha abusado de meu nome em um sentido que eu não desejaria, pela publicação de uma carta que eu tinha dirigido ao Santo Padre sem autorizar ninguém a publicá-la.”[58]
Posteriormente, o Cardeal Ottaviani publicou também outra declaração interessante: “A beleza da Igreja é igualmente resplandecente na variedade dos ritos litúrgicos que enriquecem seu culto divino quando eles são legítimos e se conformam com a fé. Precisamente a legitimidade de sua origem os protege e guarda contra a infiltração de erros... A pureza e a unidade da Fé estão dessa maneira também sustentadas pelo Magistério supremo do Papa e pelas leis litúrgicas.”[59]
O Cardeal Antonelli, cujas críticas ao modo como se fazia a Reforma Litúrgica acima publicamos (cf. nota 43), no mesmo livro escreve: “As minhas impressões sobre a reforma litúrgica são substancialmente boas. O novo Ordo Missae, entrado em vigor em 30 de novembro de 1969, tem muitos elementos positivos. Poderia ser mais perfeito, como todas as coisas, mas a substância é boa. A Institutio Generalis Missalis Romani é mais imperfeita. Mas a substância é boa. Com o tempo se poderão reequilibrar algumas colocações.”[60]
§ 9. ATITUDE E EXEMPLO DE D. ANTÔNIO DE CASTRO MAYER.
Após o Concílio, de 1965 a 1967, foram introduzidas algumas alterações na Liturgia da Missa, que Dom Antônio aceitou docilmente e adotou na Diocese, inclusive a concelebração com os padres na Missa Crismal de Quinta-Feira Santa.
Em 1969, concedendo um período de vacância para a vigência da lei, o Papa Paulo VI promulgou o Novus Ordo Missae, que não deixou de causar perplexidades em muitos católicos, inclusive em personalidades importantes, como alguns cardeais da Cúria Romana, que citamos acima, especialmente por causa dos abusos que vinham sendo cometidos no campo litúrgico.
Com semelhantes perplexidades, Dom Antônio, antes do Novus Ordo entrar em vigor, escreveu ao Papa Paulo VI, “suplicando, humilde e respeitosamente, a Vossa Santidade, se digne...autorizar-nos a continuar no uso do 'Ordo Missae' de São Pio V”[61].
Mas, ao apresentar ao Sumo Pontífice o seu pensamento a respeito do Novo Rito da Missa, sua fidelidade e respeito pela pessoa do Santo Padre o Papa e pelo Magistério da Igreja, características da sua vida, fizeram Dom Antônio ajuntar: “Supérfluo será acrescentar, que neste passo, como já em outros de minha vida, darei cumprimento, em toda a medida preceituada pelas leis da Igreja, ao sagrado dever da obediência. E, neste espírito, com o coração de filho ardoroso e devotíssimo do Papa e da Santa Igreja, acolherei qualquer palavra de Vossa Santidade sobre este material”[62].
O verdadeiro espírito e pensamento de Dom Antônio não pode ser conhecido por uma fase da sua vida, por uma frase sua, carta ou artigo seu tomados isoladamente, mas por todo o conjunto da sua vida, seus escritos, suas palavras e suas atitudes. Senão corremos o risco de falseá-lo ou interpretá-lo inadequadamente.
Assim, mesmo tendo enviado ao Papa suas restrições e críticas ao Novus Ordo de 1969, Dom Antônio, no seu modo de agir, não considerava a Nova Liturgia da Missa, em si mesma, como heterodoxa ou pecaminosa, pois ele, até 1981, como Bispo diocesano, conservou nas paróquias os párocos que passaram a celebra-la, nomeou párocos sacerdotes que a celebravam, visitava cordialmente esses padres em suas paróquias e lá até celebrou a Missa versus populum, assistia a ela em muitas ocasiões, nunca advertiu esses padres pelo fato de a celebrarem, corrigia os que diziam que ela não era uma missa católica e instituiu ministros extraordinários da comunhão para nela atuarem.
Após a promulgação da nova missa (3/4/1969) , Dom Antônio escreveu uma Carta Pastoral sobre o Sacrifício da Missa (12/9/1969), sem tocar no assunto da nova missa; proibiu de a criticar publicamente e de tratar desse assunto em público e não quis que se publicassem suas cartas ao Papa sobre a Nova Missa. Dom Antônio preferia o combate positivo, a conservação da Missa tradicional e a exaltação dos seus valores, aos ataques à nova Missa, que poderiam atingir à autoridade suprema da Igreja.
De espírito reto e consciência timorata, Dom Antônio não teria feito ou permitido tudo isso, se considerasse a Nova Liturgia da Missa, em si mesma, ofensiva a Deus e que não pudesse, em hipótese alguma, ser assistida ou celebrada.[63]
[1] C.I.C. nº 820.
[2] C.I.C. nº 1208.
[3] Cf. C.I.C. nº 1206.
[4] Concílio de Trento, sessão XXI, cap. 2 (Denz-Sho 1728)
[5] Pio XII, Encíclica Mediator Dei, n. 44 e 45.
[6] Cânon 841: “Já que os sacramentos são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino, compete unicamente à suprema autoridade da Igreja aprovar ou definir os requisitos para sua validade, e cabe a ela ou a outra autoridade competente, de acordo com o cân. 838, §§ 3 e 4, determinar o que se refere à sua celebração, administração e recepção lícita, e à ordem a ser observada em sua celebração”.
[7] Dom Antônio de Castro Mayer era contra o argumento supostamente tirado da imutabilidade da Bula Quo Primum Tempore de São Pio V para se continuar com a Missa Tradicional. Ele usava a mesma argumentação que depois deu a Congregação para o Culto Divino nessa resposta acima citada.
[8] Card. Ratzinger – La mia vita, pág. 113
[9] Falando sobre a liturgia como fruto de um desenvolvimento, o Card. Joseph Ratzinger escreve: "O que se passou depois do Concílio significa uma coisa bem diferente: no lugar de uma liturgia fruto de um desenvolvimento contínuo, colocou-se uma liturgia fabricada. Saiu-se de um processo vivo de crescimento e progresso para entrar na fabricação”. E, falando dos abusos conseqüentes, ele lamenta: a “Liturgia se degenera em 'show', onde se tenta tornar a religião interessante com a ajuda de asneiras em moda... com sucessos momentâneos no grupo dos fabricantes litúrgicos" (Introdução ao livro La Réforme Liturgique, de Mgr. Klaus Gamber, pag. 6 e 8).
[10] Sobre o “Consilium”, ele escreve: “Não sou entusiasta dos trabalhos. Desagrada-me como foi mudada a Comissão: um agrupamento de pessoas, muito incompetentes, mais ainda avançados na linha das novidades”. E mais: “Tenho a impressão que se tenha concedido muito, sobretudo em matéria dos sacramentos, à mentalidade protestante... (O Pe. Annibale Bugnini) introduziu no trabalho gente hábil mas de coloração teológica progressista” (Nicola Giampietro, O F. M. Cap., Il Card. Ferdinando Antonelli e gli sviluppi della riforma litúrgica dal 1948 al 1970, Studia Anselmiana, Roma, pag. 228 e 264).
[11] "Não se pode entretanto ignorar que a reforma (litúrgica) deu origem a muitos abusos e conduziu em certa medida ao desaparecimento do respeito devido ao sagrado. Esse fato deve ser infelizmente admitido e desculpa bom número dessas pessoas que se afastaram de nossa Igreja ou de sua antiga comunidade paroquial" (...) Cardeal Eduardo Gagnon ( "Integrismo e conservatismo" - Entrevista com o Cardeal Gagnon, "Offerten Zitung - Römisches", nov.dez. 1993, p.35).
[12] Entrevistas à agência I.Media, em 22 de junho de 2006, e ao jornal La Croix, em 25 de junho de 2006 (cf. tb. Artigo “Desvios na Liturgia”, de Dom Fernando Rifan, Folha da Manhã de 12/7/2006).
[13] Ibidem.
[14] “Não se pode considerar que o rito chamado de São Pio V esteja extinto, e a autoridade do Santo Padre exprimiu seu acolhimento benevolente para com os fiéis que, mesmo reconhecendo a legitimidade do rito romano renovado segundo as indicações do concílio Vaticano II, permanecem ligados ao rito precedente e nele encontram um alimento espiritual sólido no seu caminho de santificação...O antigo rito romano conserva pois na Igreja seu direito de cidadania no seio da multiformidade dos ritos católicos tanto latinos quanto orientais...” (Cardeal Dario Castrillon Hoyos, prefeito da Congregação para o Clero, na homilia pronunciada na Missa celebrada no rito de São Pio V, na Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, no dia 24 de maio de 2003, em ação de graças pelo 25o aniversário do pontificado do Papa João Paulo II, na presença de cinco cardeais e milhares de sacerdotes e fiéis. Esta Missa começou com a leitura de uma Mensagem do Papa, que agradecia e se unia a todos os presentes).
[15] “...O Santo Padre mesmo, há algum tempo, chamou nossa atenção para a beleza e a profundidade do missal de São Pio V... a liturgia de 1962 é um rito autorizado da Igreja Católica e uma fonte preciosa de compreensão litúrgica para todos os outros ritos... Esta liturgia pertence à Igreja inteira como um veículo do espírito que deve se irradiar também na celebração da terceira edição típica do missal romano atual...” (Cardeal Francis George, Arcebispo de Chicago, Estados Unidos, no prefácio às Atas do Colóquio 2002, intituladas A Liturgia e o Sagrado, do CIEL, Centro Internacional de Estudos Litúrgicos”).
[16] “Se bem que haja numerosos motivos que possam ter levado um grande número de fiéis a encontrar refúgio na liturgia tradicional, o mais importante dentre eles é que eles aí encontram preservada a dignidade do sagrado” (Cardeal Joseph Ratzinger, nosso atual Papa, conferência aos Bispos chilenos, Santiago, 13/7/1988.
[17] “No Missal Romano, dito de São Pio V, ... nós encontramos belíssimas orações com as quais o padre exprime o mais profundo senso de humildade e de reverência diante dos santos mistérios: elas revelam a substância mesma de toda a Liturgia” (Papa João Paulo II, Mensagem à Assembléia Plenária da S. Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, sobre o tema "Aprofundar a vida litúrgica entre o povo de Deus", em 21/9/2001).
[18] “O rito antigo da Missa serve precisamente a muitas pessoas para manter vivo este sentido do mistério. O rito sagrado, com o sentido do mistério, nos ajuda a penetrar com nossos sentidos no recinto do mistério de Deus. A nobreza de um rito que acompanha a Igreja durante tantos anos justifica bem o fato de que um grupo escolhido de fiéis mantenha a apreciação deste rito, e a Igreja, pela voz do Soberano Pontífice, o compreendeu assim, quando ela pede que haja portas abertas à sua celebração...” (Cardeal Dario Castrillon, prefeito da Congregação para o Clero, na homilia durante a Missa de São Pio V por ele celebrada em Chartres, em 4 de junho de 2001).
[19] Encíclica Ecclesia de Eucharistia: “Não há dúvida que a reforma litúrgica do Concílio trouxe grandes vantagens... A par destas luzes, não faltam sombras, infelizmente... Num contexto eclesial ou outro, existem abusos que contribuem para obscurecer a reta fé e a doutrina católica acerca deste admirável sacramento. Às vezes transparece uma compreensão muito redutiva do mistério eucarístico. Despojado do seu valor sacrifical, é vivido como se em nada ultrapassasse o sentido e valor de um encontro fraterno ao redor da mesa... A Eucaristia é um dom demasiado grande para suportar ambigüidades e reduções...” (n. 10). “Temos a lamentar, infelizmente, que sobretudo a partir dos anos da reforma litúrgica pós-conciliar, por um ambíguo sentido de criatividade e adaptação, não faltaram abusos, que foram motivo de sofrimento para muitos...” (n. 52). “O mistério eucarístico – sacrifício, presença, banquete – não permite reduções nem instrumentalizações...” (n. 61).
[20] “Todavia, é preciso que todos os Pastores e os demais fiéis tomem nova consciência, não só da legitimidade mas também da riqueza que representa para a Igreja a diversidade de carismas e de tradições de espiritualidade e de apostolado, o que constitui a beleza da unidade na variedade: daquela "sintonia" que, sob o impulso de Espírito Santo, a Igreja terrestre eleva ao céu... A todos estes fiéis católicos, que se sentem vinculados a algumas precedentes formas litúrgicas e disciplinares da tradição latina, desejo manifestar também a minha vontade - à qual peço que se associem a dos Bispos a de todos aqueles que desempenham na Igreja o ministério pastoral - de lhes facilitar a comunhão eclesial, mediante as medidas necessárias para garantir o respeito das suas justas aspirações... além disso, em toda a parte deverá ser respeitado o espírito de todos aqueles que se sentem ligados à tradição litúrgica latina, mediante uma ampla e generosa aplicação das diretrizes, já há tempos emanadas pela Sé Apostólica, para o uso do Missal Romano segundo a edição típica de 1962.” (Papa João Paulo II, Carta Apostólica – Motu próprio – Ecclesia Dei Adflicta, 2/7/1988)
[21] Por exemplo, a afirmação falsa de que seis teólogos protestantes teriam participado na elaboração dos novos textos litúrgicos, comprometendo assim a pureza da doutrina católica tradicional. A Sala de Imprensa da Santa Sé respondeu oficialmente, em 25 de fevereiro de 1976, que, como certos membros de comunidades protestantes haviam expresso em 1965 o desejo de acompanhar os trabalhos da Comissão Pontifícia para a aplicação da Constituição sobre a liturgia (Consilium - composto de 2 presidentes, 58 membros, 121 consultores e 73 conselheiros, todos católicos, é claro), em agosto de 1966, seis teólogos de diferentes denominações protestantes foram admitidos como simples observadores, (como também o Papa Beato Pio IX convidara, em 1868, todos os cristãos cismáticos e protestantes para assistirem o Concílio Vaticano I), mas que esses observadores protestantes não participaram na elaboração dos textos do novo Missal. Não seria honesto, portanto, continuar a usar tal argumento que não corresponde à verdade.
[22] Sobre as dificuldades que encontrou a reforma litúrgica, diz o Papa João Paulo II: “... alguns acolheram os novos livros com certa indiferença...; outros, o que é muito de se lamentar, se apegaram de maneira unilateral e exclusiva às formas litúrgicas anteriores, consideradas por alguns destes como a única garantia de segurança na Fé. Outros, finalmente, promoveram inovações fantasiosas, afastando-se das normas dadas pela autoridade da Sé Apostólica ou pelos Bispos, perturbando assim a unidade da Igreja e a piedade dos fiéis, em contraste, às vezes, com os dados da Fé”. (Carta Apostólica Vigesimus Quintus Annus, 4/12/1988, n. 11).
[23] Santo Tomás de Aquino, Decem praec. 6 (cf. C.I.C. 1759).
[24] “Neste tempo forte do vosso ministério episcopal, que é a visita ad limina, é para mim uma grande alegria acolher a vós que tendes o encargo pastoral da Igreja na Região Leste 1 do Brasil, da qual fazem parte as dioceses do estado do Rio de Janeiro e a ‘União São João Maria Vianney’, que eu quis constituir em Campos como Administração Apostólica Pessoal” – Discurso do S. Padre o Papa João Paulo II aos bispos do Regional Leste 1, na visita ad limina, 5 de setembro de 2002.
[25] João Paulo II, carta apostólica Vigesimus quintus annus, n. 16, 4/12/1988.
[26] “...Por fim, queremos dar força de lei a tudo que até aqui expusemos sobre o novo Missal Romano...O que prescrevemos por esta nossa Constituição entrará em vigor este ano, a partir do dia 30 de novembro, primeiro domingo do Advento. Tudo o que aqui estabelecemos e ordenamos queremos que seja válido e eficaz, agora e no futuro, não obstante a qualquer coisa em contrário nas Constituições e Ordenações Apostólicas dos nossos predecessores, e outros estatutos, embora dignos de menção e derrogação especiais” (“Constituição Apostólica Missale Romanum, do Papa Paulo VI, pela qual se promulga o Missal Romano, restaurado segundo o decreto do Concílio Ecumênico Vaticano II, para perpétua memória” – 3/4/1969)..
[27] Conforme falaremos adiante sobre o Concílio Vaticano II (citação do Pe. Júlio Meinvielle, cf. nota 103), o ato verdadeiramente do magistério, e que merece a assistência do Espírito Santo, é o texto em sua plena formulação objetiva, promulgado pelo Papa, não interessando a opinião particular que tenham podido sustentar Mons. Aníbal Bugnini ou os membros do Consilium. Casos semelhantes já ocorreram na história, quando o redator de uma encíclica papal emitiu opinião interpretativa da encíclica que discordava do texto formulado objetivamente e promulgado pelo Papa, único evidentemente válido como ato do magistério, não importando a idéia do redator.
[28] Cânon 841: “Já que os sacramentos são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino, compete unicamente à suprema autoridade da Igreja aprovar ou definir os requisitos para sua validade, e cabe a ela ou a outra autoridade competente, de acordo com o cân. 838, §§ 3 e 4, determinar o que se refere à sua celebração, administração e recepção lícita, e à ordem a ser observada em sua celebração”.
[29] Michael Davies, 31 de maio de 1997, Introdução à segunda edição do seu livro “I am with you always” (Eu estou convosco sempre), The Newman Press. Michael Davies (*1936- +2004) foi presidente internacional da UNA VOCE, movimento em defesa da Missa Tradicional, existente em mais de 40 países, sendo seu presidente efetivo de 1995 a 2003 e presidente de honra de 2003 a 2004. Ele é autor de dezenas de livros em defesa da Tradição, sobretudo da liturgia tradicional.
[30] Prefaciado por Dom Marcel Lefebvre.
[31] Dr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, na introdução ao seu livro “Considerações sobre o ‘Ordo Missae’ de Paulo VI”, para responder à objeção de que não se pode por em dúvida a ortodoxia de um tal ato papal, insinua a suposição do papa herético ou cismático e da perda do pontificado, objeto da metade do seu livro. Realmente, para muitos, o sedevacantismo acaba sendo uma equivocada tentativa de refúgio, devido ao impasse teológico sem saída de se sustentar a heterodoxia da nova Missa.
[32] Poderíamos, como exemplo apenas, citar o Pe. Guérard de Lauriers, conhecido como o autor principal do Breve exame crítico, apresentado a Paulo VI pelos Cardeais Ottaviani e Bacci. Ele proclamou vacante formalmente a Santa Sé e fez-se sagrar bispo cismático.
[33] Um deles, alguns anos antes de falecer, disse-me textualmente: “Para mim, a Igreja Católica, como instituição, desapareceu”!
[34] Quando tentei, por caridade, convencer alguns desses, responderam-me: “Essa missa é um teatro; e a igreja que sustenta essa missa é um teatro também, é falsa”. Depois me afirmaram não acreditar mais na Eucaristia nem em nenhum sacramento. Perderam a Fé. Caíram na heresia e no cisma.
[35] Acabo de receber de um desses nossos antigos amigos “tradicionalistas” um livro intitulado “Roma: sede do anticristo – Uma nova falsa Igreja Católica”! Na dedicatória, não reconhece o meu episcopado. No livro, ataca o Sr. G. Montini, o Sr. K. Wojtila e o Sr. J. Ratzinger (sic)!
[36] Encíclica Mystici Corporis, n. 40.
[37] Sermo ad Caesariensis Ecclesiae plebem
[38] Encíclica Ecclesia de Eucharistia, n. 35.
[39] Smyrn., 8,1. Cf. também todo o n. 1369 do Catecismo da Igreja Católica.
[40] Ver abaixo, § 7 do apêndice I dessa Orientação Pastoral, citação dos teólogos abalizados, entre os quais o Pe. John P. M. van der Ploeg, O.P..
[41] Michael Davies, introdução à primeira edição do seu livro citado acima “I am with you allways” – Eu estou convosco sempre”, 19/7/1986, pag. 13.
[42] Essa aceitação da nova liturgia da Missa por quase 40 anos por toda a Igreja docente (Papa e todos os Bispos em comunhão com ele) é também um argumento em favor da sua legitimidade. Existe um paralelo: Santo Afonso de Ligori afirma que, se um Papa tiver sido eleito de modo ilegítimo ou por fraude, basta que ele em seguida seja aceito por toda a Igreja para se tornar verdadeiro pontífice (Verità della fede, in Opere..., vol. VIII, p. 720, n. 9).
[43] “A lei da oração estabeleça a lei da Fé”... “A lei da Fé deve estabelecer a lei da oração” (Pio XII, encíclica Mediator Dei, n. 43).
[44] “Exemplo disso foi uma missa verdadeiramente abominável, celebrada no dia 6 de abril de 2003, na Paróquia de N. Sra. do Carmo, em Belo Horizonte. Ela se insere na crise eclesial chamada “autodemolição da Igreja”, nas sombras da Reforma Litúrgica, como lamenta o Papa na sua última encíclica, “abusos que contribuem para obscurecer a reta fé e a doutrina católica”. Nessa Missa, a leitura do Evangelho já causa espanto: “Proclamação da Boa Nova segundo a narração da comunidade de João, 12,20-27!” Isso revela a heresia modernista, já condenada pelo Magistério da Igreja, heresia que nega a historicidade dos Evangelhos, atribuindo-os, não aos Evangelistas, mas à fé das primeiras comunidades cristãs. O Credo contém frases estranhas: “Creio na Vida, creio na História, na cidadania que afasta da rotina, o sonho é construir bem-estar com paz, Creio na Igreja, povo unido na solidariedade sem exclusões. Salvação para todos, em clima de festa”. Na Consagração, mudaram a fórmula, as palavras de Jesus, tornando esta missa, não só ilícita, mas inválida: “Tomai e comei, vós todos, este pão de partilha sou eu em meu corpo, convosco e doado por vós, para todos serei o amor do Pai”; “Tomai e bebei, este é o cálice da bênção, em meu sangue da nova e eterna aliança, derramado por vós e por todos. Senti-vos envolvidos na compaixão”. Criatividade?! Quantos sacrilégios se cometem em seu nome!” (Artigo de Dom Fernando Rifan no Jornal Folha da Manhã, de 11/6/2003).
[45] cf. Papa Pio VI, Const. Auctorem fidei, condenação dos erros do Sínodo de Pistóia, jansenista: “A prescrição do Sínodo... na qual, depois de advertir previamente como em qualquer artigo se deve distinguir o que diz respeito à fé e à essência da religião do que é próprio da disciplina, acrescenta que nesta mesma disciplina deve-se distinguir o que é necessário ou útil para manter os fiéis no espírito do que é inútil ou mais oneroso do que suporta a liberdade dos filhos da Nova Aliança, e mais ainda, do que é perigoso ou nocivo, porque induz à superstição ou ao materialismo, enquanto pela generalidade das palavras compreende e submete ao exame prescrito até a disciplina constituída e aprovada pela Igreja ¬– como se a Igreja que é governada pelo Espírito de Deus pudesse constituir uma disciplina não só inútil e mais onerosa do que o suporta a liberdade cristã, mas também perigosa, nociva e que induza à superstição e ao materialismo – é falsa, temerária, escandalosa, perniciosa, ofensiva aos ouvidos pios”, injuriosa à Igreja e ao Espírito de Deus pelo qual ela é governada, e pelo menos errônea” (Denz. 2678).
[46] “Seria verdadeiramente reprovável e muito alheio à veneração com que devem ser recebidas as leis da Igreja condenar por um afã caprichoso de opiniões quaisquer a disciplina por ela sancionada e que abrange a administração das coisas sagradas, a norma dos costumes e os direitos da Igreja e seus ministros, ou censura-la como oposta a determinados princípios do direito natural ou apresenta-la como defeituosa ou imperfeita, e submetida ao poder civil.” (Papa Gregório XVI, Encíclica Mirari Vos, 9 (1932).
[47] “Sem mancha alguma, brilha a Santa Madre Igreja nos sacramentos com que gera e sustenta os filhos; na fé que sempre conservou e conserva incontaminada; nas leis santíssimas que a todos impõe, nos conselhos evangélicos que dá; nos dons e graças celestes, pelos quais com inexaurível fecundidade produz legiões de mártires, virgens e confessores. Nem é sua culpa se alguns de seus membros sofrem de chagas ou doenças; por eles ora a Deus todos os dias: "Perdoai-nos as nossas dívidas" e incessantemente com fortaleza e ternura materna trabalha pela sua cura espiritual.” (Papa Pio XII, Encíclica Mystici Corporis, 65).
[48] Um rito ou cerimônia, em si mesmo, pode ser ambíguo, isto é, ter vários significados. Uma genuflexão, por exemplo, pode significar zombaria, como na coroação de espinhos de Jesus, ou um ato de verdadeira adoração. Assim, um só Confiteor ao invés de dois, poderia significar a confusão entre o sacerdócio ministerial e o dos fiéis ou uma mera simplificação do rito, com a explanação do magistério sobre a doutrina do sacerdócio ministerial distinto do comum. Também uma só genuflexão ao invés de duas na Consagração da Missa poderia significar a interpretação protestante ou a católica da consagração. O Catecismo da Igreja Católica ensina que a transubstanciação se realiza pela “força das palavras do sacerdote, pela ação de Cristo e pelo poder do Espírito Santo”, rejeitando a interpretação protestante de que seria pela fé dos fiéis, como disseram alguns que queriam forçar esta interpretação do Novus Ordo (Cf. Cat. Igr. Cat. N. 1353). Assim também, na missa de São Pio V, o sinal da cruz traçado sobre a hóstia consagrada poderia significar uma bênção, o que induziria à negação da presença real, ou um sinal mais solene de indicação. Mas quem dá o sentido dos ritos é o Magistério da Igreja e não os hereges ou a imaginação das pessoas.
[49] Por exemplo a Encíclica Ecclesia de Eucharistia (17/4/2003), onde o Santo Padre o Papa João Paulo II, além de ressaltar os dogmas da presença real e do sacerdócio ministerial distinto do sacerdócio dos fiéis, fala 48 vezes no caráter sacrifical da Santa Missa. O Catecismo da Igreja Católica (de 1997) ensina com clareza o caráter sacrifical da Missa (n. 1330, 1365-1367), enfatizando o seu aspecto propiciatório (n. 1367). Veja-se também a última precisão doutrinária a respeito da tradução do “pro multis”, feita pela Congregação para o Culto Divino em 17/10/2006. Cf. também a afirmação do Cardeal Otavianni, onde ele se mostra satisfeito com as precisões doutrinais posteriores à sua carta dadas pelo Papa Paulo VI (ver abaixo nota 85)
[50] Assim, após todas as explicações e precisões dadas pelo Magistério, não se pode dizer que a Missa do rito romano atual seja exatamente a mesma de 1969. Além do acatamento devido aos atos do Magistério, a elucidação precisando o sentido católico constituiu um progresso benéfico, que requer honestamente em contrapartida uma abordagem diferente da que se tenha tido em relação ao Novus Ordo de 1969.
[51] Cf. J. Salaverri, De Ecclesia Christi, XXI.
[52] “Man. Theol. Dogm.”, vol. I, p. 508 e 510.
[53] “Manuel...” t. I, p 2..
[54] “Ius Canonicum”, tom. II, p. 410; ver também tom. I, p. 278.
[55] Theol. Dogm. Fundamentalis, n. 932.
[56] Institutuiones Theol. Dogm. Roma, 4th ed., Roma: Della Pace, 1908, vol. 1, p. 258.
[57] John P.M. van der Ploeg, O P., doutor e mestre em Teologia, doutor em Sagrada Escritura, professor emérito da Universidade de Nimega, membro da Academia Real de Ciências da Holanda, no prefácio do Livro “I am with you allways” (Eu estou convosco sempre) de Michael Davies, escritor tradicional, presidente da Una Voce internacional.
[58] Cardeal Ottaviani, carta a Dom Lafondo, ordem dos cavaleiros de Notre-Dame – Notre Doctrinale sur lê Nouvel Ordo Missae – cf. La Croix, de 23 de março de 1970, confirmation; Documentation Catholique, 67, 1970, pág. 215-216 e 343.
[59] Cruzado Español, de 25 de maio de 1970
[60] F. Antonelli, obra citada, pá. 258
[61] Carta de 12 de setembro de 1969 (carta que Dom Antônio nunca quis publicar durante seu episcopado).
[62] Carta de 25 de janeiro de 1974 (carta que Dom Antônio nunca quis publicar durante seu episcopado).
[63] Conversando há pouco com Dr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, que compartilhou com Dom Antônio todo esse problema e foi o autor do livro sobre a Missa de Paulo VI, supervisionado por Dom Antônio, ele me assegurou que “Dom Antônio nunca foi da opinião de que não se pode assistir à Missa nova”.
fonte: veritatis splendor