Começando por declarar encontrar-se ali como sucessor de Pedro - levando consigo “toda a Igreja, mais ainda, toda a humanidade” - o Papa referiu-se ao Sudário como um “ícone do Sábado Santo”, “do mistério do Sábado Santo”.
Como diz uma antiga homilia, o Sábado Santo está envolvido num “grande silêncio, silêncio e solidão”. Como se Deus estivesse escondido. Deus morreu na carne e desceu ao “reino inferior”, “aos infernos”, “à mansão dos mortos”.
“No nosso tempo, especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira existencial, quase inconsciente, como um vazio do coração que se tem vindo a alargar cada vez mais”.
Como escrevia Nietzsche nos finais do século XIX (“Deus morreu, e fomos nós que o matamos), também nós, na Via Sacra, usamos palavras semelhantes, porventura sem nos darmos bem conta do que estamos a dizer...
“Após as duas guerras mundiais, depois dos lager e dos gulag, após Hiroshima e Nagasaki, a nossa época tornou-se em medida cada vez maior um Sábado Santo: a obscuridade daquele dia interpela todos os que se interrogam sobre a vida, e interpela de modo particular todos nós, crentes”.
“E contudo, a morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazareth, tem um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de consolação e de esperança”…
“O Sábado Santo é a terra de ninguém entre a morte e a ressurreição, mas nesta terra de ninguém entrou Alguém, o Único, que a atravessou com os sinais da sua Paixão pelo homem (“Passio Christi, passio hominis”. E o Sudário fala-nos exactamente desse momento, testemunha precisamente aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do universo, em que Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o nosso morrer, mas também o nosso permanecer na morte. A solidariedade mais radical”.
Neste “tempo para além do tempo”, Jesus Cristo desceu à mansão dos mortos”. Que significa esta expressão? – interrogou-se o Papa
“Quer dizer que Deus, feito homem, foi ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não chega nem um vislumbre de amor, onde reina o abandono total, sem qualquer palavra de conforto: os infernos.”
“Permanecendo na morte, Jesus Cristo ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar também a nós a a ultrapassarmos com Ele”. Foi isto o que sucedeu no Sábado Santo:
“No reino da morte ressoou a voz de Deus. Aconteceu o impensável: o Amor penetrou nos infernos: mesmo na escuridão mais cerrada da mais absoluta solidão humana, podemos escutar uma voz que nos chama e encontrar uma mão que nos agarra e nos traz para fora. O ser humano vive pelo facto de ser amado e poder amar. Se mesmo no espaço da morte penetrou o amor, quer dizer que também ali chegou a vida”.
“Na hora da extrema solidão, nunca estaremos sozinhos” – insistiu o Papa. “É este o mistério do Sábado Santo!” Olhando para este tecido sagrado com os olhos da fé, reflecte-se para nós algo desta luz: a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio”.
“É este o poder do Sudário (observou Bento XVI): do rosto deste homem das dores que leva consigo a paixão do homem de todos os tempos e lugares – incluindo as nossas paixões, sofrimentos, dificuldades e pecados – brota uma solene majestade, um domínio paradoxal… uma palavra que podemos escutar em silêncio”. O Sudário fala, fala com o sangue. É um ícone escrito com o sangue… mas um sangue que fala de vida.
“Cada marca deste sangue fala de amor e de vida. Especialmente aquela mancha abundante no lado, feita de sangue e água saído copiosamente de uma grande ferida provocada por um golpe de uma lança romana – aquele sangue e aquela água falam de vida. É como uma nascente que murmura em silêncio e nós podemos ouvi-la, podemos escutá-la, no silencio do Sábado Santo!”- fonte:radio vaticano