22. Não têm, pois, noção exacta da sagrada liturgia aqueles que a consideram como parte somente externa e sensível do culto divino ou como cerimonial decorativo; nem se enganam menos aqueles que a consideram como mero conjunto de leis e preceitos com que a hierarquia eclesiástica ordena a realização dos ritos.
23. Deve, portanto, ser bem conhecido de todos que não se pode honrar dignamente a Deus, se a alma não cuida de conseguir a perfeição da vida, e que o culto rendido a Deus pela Igreja em união com a sua Cabeça divina tem a eficácia suprema de santificação.
24. Essa eficácia, se se trata do sacrifício eucarístico e dos sacramentos, provém antes de tudo do valor da acção em si mesma (ex opere operato); se se considera ainda a actividade própria da imaculada esposa de Jesus Cristo com a qual orna de orações e de sacras cerimónias o sacrifício eucarístico e os sacramentos, ou, se se trata dos sacramentais e de outros ritos instituídos pela hierarquia eclesiástica, então a eficácia deriva principalmente da acção da Igreja (ex opere operantis Ecclesiae), enquanto esta é santa e opera sempre em íntima união com a sua Cabeça.
25. A esse propósito, veneráveis irmãos, desejamos que volvais a vossa atenção às novas teorias sobre "piedade objectiva" segundo as quais, esforçando-se para pôr em evidência o mistério do corpo místico, a realidade efectiva da graça santificante e a acção divina dos sacramentos e do sacrifício eucarístico, se pretenderia descuidar ou diminuir a "piedade subjectiva" ou pessoal.
26. Nas celebrações litúrgicas e, em particular, no augusto sacrifício do altar, continua-se, sem dúvida, a obra da nossa redenção, cujos frutos nos são aplicados. Cristo realiza a nossa salvação cada dia nos sacramentos e no seu sacrifício e, por meio deles, purifica continuamente e consagra a Deus o género humano. Têm, portanto, uma virtude objectiva, com a qual, de fato, fazem nossas almas participantes da vida divina de Jesus Cristo. Eles, pois, têm não por nossa, mas por divina virtude, a eficácia de reunir a piedade dos membros com a piedade da Cabeça e torná-la, de certo modo, uma acção de toda a comunidade. Desses profundos argumentos alguns concluem que toda a piedade cristã deve concentrar-se no mistério do corpo místico de Cristo, sem nenhuma consideração pessoal e subjectiva, e por isso acreditam que se deva descuidar das outras práticas religiosas não estritamente litúrgicas e realizadas fora do culto público.