No dia 8 deste mês comemora-se o centenário da Encíclica Pascendi Dominici Gregis, “sobre as doutrinas dos modernistas”, promulgada por São Pio X em 1907. Documento monumental que marcou o século XX, sem dúvida marcará também nossa época e repercutirá na história dos séculos futuros. Cem anos após o modernismo — “síntese de todas as heresias” — ter sido fulminado pelo grande Papa, o movimento progressista, sucedâneo do modernismo e também infiltrado na Santa Igreja, inocula nos ambientes católicos veneno análogo –– essencialmente, os mesmos erros combatidos energicamente pelo Santo Pontífice. Trata-se de uma atuação interna, em tudo semelhante a uma conspiração, que visa adaptar a Igreja e o povo fiel aos erros e ao espírito do mundo e da vida moderna. A história se repete...
Por ocasião do cinqüentenário desse magistral documento pontifício, em 1957, Catolicismo publicou em suas edições de setembro, outubro e novembro, três amplas e importantes matérias de autoria de Plinio Corrêa de Oliveira. Nelas o autor mostra que, em nossa luta contra os adversários internos e externos da Igreja, devemos agir firmemente como São Pio X.
As três matérias encontram-se transcritas integralmente em nosso site — www.catolicismo.com.br — à disposição de todos. Nesta edição, oferecemos a nossos leitores alguns excertos, com pequenas adaptações e inserção de entretítulos. As frases citadas entre aspas são extraídas do texto da própria Encíclica (Pascendi Dominici Gregis, de 8 de setembro de 1907, publicada em francês no volume III dos Atos de Pio X, edição Bonne Presse, Paris).
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Um fato histórico tão importante quanto a vitória de Lepanto
“Rendemos ao imortal Pontífice Pio X nossa homenagem, cheia de gratidão, pelos benefícios que prestou à Santa Igreja, ferindo gravemente, com intrepidez angélica, este terrível inimigo da Religião Católica: o movimento modernista”
Plinio Corrêa de Oliveira
Papa São Pio X
Pareceu-nos que nenhum modo de comomorar o aniversário da Encíclica Pascendi seria melhor do que publicar um resumo da linha mestra do grande documento. [...]
Se São Pio X não tivesse fulminado a heresia modernista, o mundo teria entrado rapidamente em marcha para o panteísmo e o ateísmo. E toda a ação comunista sobre a face da Terra não teria encontrado diante de si os enormes obstáculos que encontrou.
A condenação do modernismo foi, pois, um fato histórico tão importante quanto a vitória de Lepanto. E o Papa Pio XII [elevando Pio X à honra dos altares, em maio de 1954] se tornou credor do reconhecimento eterno dos homens, por lhes haver apresentado por modelo e dado por protetor um tão grande santo. […]
Amar o próximo, e o combater quando necessário
“Odiai o erro, amai os que erram”, escreveu Santo Agostinho. Grande, sábia, admirável sentença. Entretanto, quantas aberrações, quantas traições, quantas capitulações vergonhosas se têm abusivamente cometido em nome dela!
Há pessoas cândidas — ou covardes — que imaginam as idéias como entes dotados de existência física própria e autônoma, os quais se incubariam misteriosamente nas pessoas. Segundo elas, pode-se mover guerra às idéias sem atacar as pessoas, mais ou menos como se pode combater a doença infecciosa sem atingir o doente, pois a guerra é tão somente contra o bacilo.
Este modo de ver, infelizmente muito generalizado em nossos dias, beneficia largamente nossos adversários, pois desarma toda a nossa reação.
A verdade e o erro não são algo de extrínseco ao espírito humano, como as fichas na gaveta de um fichário. A inteligência, pelo contrário, tende a assimilar este e aquela, por um processo que tem sido merecida e freqüentemente comparado à digestão. Se alguém come pão ou carne, a digestão incorpora ao organismo uma parcela da substância desses alimentos, que ficam fazendo parte da pessoa. Analogamente, se alguém aceita uma doutrina, esta de tal maneira pode chegar a marcar sua personalidade, que se diria figurativamente que tal homem personifica aquela idéia. Como pretender destruir o pão já digerido por uma pessoa, sem ferir esta última em sua carne? E como se pode atacar uma idéia sem atingir em certa medida quem a personifica, quem ipso facto lhe dá vida, atualidade e possibilidades de difusão?
Não. A sentença de Santo Agostinho é de sentido óbvio. Ela preceitua que desejemos a humilhação e a derrota do erro, bem como a conversão e a salvação de quem erra. Ela recomenda que usemos, para com quem erra, de toda a suavidade possível. Ela não nos proíbe de utilizar, contra aquele que erra, uma justa severidade, quando isto se torna necessário para o bem da Igreja e a salvação das almas. Nesse sentido, não chega aquela sentença ao ponto de inutilizar no católico a capacidade de ação e de luta contra os autores do erro ou do mal. Muito pelo contrário, os santos souberam sempre conciliar as duas obrigações fundamentais e aparentemente contraditórias, de amar o próximo e de o combater, quando a isto impele o zelo pela glória de Deus e pela salvação das almas.
É disto que nos deu admirável exemplo o Papa São Pio X na Encíclica Pascendi, contra o modernismo, com o monumento de objetividade e lucidez que é aquele imortal ato pontifício.
Denúncia das táticas e da conspiração modernista
Enganar-se-ia quem supusesse que a Pascendi foi um mero documento doutrinário. São Pio X não combateu apenas no campo das idéias, mas, com admirável energia e perspicácia, desmascarou os próprios fautores do erro; e traçou o lamentável perfil moral do modernista, denunciou suas tácticas e pôs a nu a vastidão de sua conspiração. A Encíclica não menciona nomes, mas é riquíssima em dados sobre a personalidade do modernista. Em outros documentos, São Pio X chegou aos nomes. Por exemplo, nos importantes decretos em que foram nominal e pessoalmente atingidos os principais chefes do movimento.
É para que nossos leitores possam medir em toda a sua admirável extensão a severidade com que o Santo Pontífice se houve nesta emergência, que consagramos ao assunto este artigo.
Fazendo-o, chamamos a atenção para a oportunidade flagrante do exemplo que apontamos. São Pio X foi beatificado e mais tarde canonizado pelo Santo Padre Pio XII. Quis ele que seu antecessor servisse de modelo para os homens, e não para os mortos que jazem na sepultura ou para as crianças que ainda estão por nascer. Foi para isto que ele fez brilhar na honra dos altares esse grande luzeiro.
Agir como São Pio X, eis o que nos recomenda com sua suprema autoridade o imortal Pontífice Pio XII. [...]
Por orgulho repelem toda sujeição
Cena do Apocalipse numa tapeçaria do castelo de Angers, (França), século XIV. O orgulho é o pai de todas as heresias, e mormente o haveria de ser da heresia que contém em si o suco de todas as outras, isto é, o modernismo. Daí dizer São Pio X, dos modernistas, que “por orgulho repelem toda sujeição”. “Non serviam” — brado que o príncipe das trevas inspira a todos os seus sequazes. Mas que São Miguel Arcanjo cobre com o hino triunfal de sua eterna humildade: “Quis ut Deus?”.
Os modernistas representam o sumo da obstinação, e com eles são inúteis as medidas brandas: “Esperávamos que os modernistas algum dia se emendassem. Por isto, de início, usamos em relação a eles medidas suaves, como se faz com filhos, e depois medidas severas; por fim, e muito a contragosto, empregamos repreensões públicas. Não ignorais, Veneráveis Irmãos, a esterilidade de Nossos esforços: eles curvam por momentos a cabeça, para a levantar novamente com orgulho ainda maior”.
Uma das raízes mais importantes deste lamentável estado de espírito, com efeito, é o orgulho:
“O orgulho! ele está, na doutrina dos modernistas, como em sua própria casa; aí encontra ele por toda parte algum alimento, e se expande então em todos os seus aspectos. Orgulho, por certo, esta confiança em si mesmos, que os leva a se erigirem em regra universal. Orgulho, essa vanglória que os apresenta a seus próprios olhos como os únicos detentores da sabedoria; que os leva a dizer, arrogantes e repletos de si mesmos: não somos como os outros homens; e que, para realmente não serem como os outros, os impele às mais absurdas novidades. Orgulho, o que os faz repelir toda sujeição e os leva a uma conciliação da autoridade com a liberdade. Orgulho, essa pretensão de reformar o próximo, esquecendo-se de si mesmos; essa absoluta falta de consideração para com a autoridade, inclusive a autoridade suprema. Não, realmente, nenhum caminho há que conduza mais rápida e diretamente ao modernismo do que o orgulho. Que nos dêem um leigo, ou um sacerdote, que tenha perdido de vista o princípio fundamental da vida cristã — a saber, que devemos renunciar a nós mesmos, se queremos seguir Jesus Cristo — e que não tenha extirpado de seu coração o orgulho: esse leigo, esse sacerdote estará maduro para todos os erros do modernismo. Eis por que, Veneráveis Irmãos, vosso primeiro dever é resistir a esses homens soberbos, e empregá-los em funções ínfimas e obscuras: que sejam postos tanto mais baixo quanto mais alto pretendam subir, e que seu próprio rebaixamento lhes tire a ocasião de fazer mal”. [...]
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fonte:Catolicismo