Anotações
Marcelo Fedeli
"Quando eu releio os documentos relativos ao modernismo tal como foi definido por São Pio X, e os comparo aos documentos do Concílio Vaticano II, não posso deixar de ficar desconcertado. Porque aquilo que foi condenado como uma heresia em 1906 foi proclamado como sendo e devendo ser, de agora em diante, a doutrina e o método da Igreja. Dito de outra forma, os modernistas de 1906 me aparecem como precursores. Meus mestres dele faziam parte. Meus pais mo ensinaram. Como Pio X pôde repelir aqueles que hoje me aparecem como precursores?"
(Jean Guitton - 1992)
O Concílio Vaticano II é unanimemente reconhecido como o maior acontecimento da história da Igreja, quiçá do mundo, do século passado. Isso porque ele introduziu na Igreja, bem como no relacionamento da Igreja com o mundo, e com todas as religiões, uma nova mentalidade, nunca antes apregoada pelos Papas.
Muito se escreveu, se escreve e se discute, sobre essa nova mentalidade, quer a seu favor, quer contra. Isso é inegável.
A mais grave imputação ao Vaticano II é que, através dos seus documentos pastorais, ele adotou e implantou na Igreja, a doutrina e o método do Modernismo, condenados particularmente pelo Papa S. Pio X em 1907. Fundamentalmente, todas as discussões sobre este último Concílio, giram ao redor deste tema.
Tal grave imputação é verdadeira ou falsa?
Vimos, nestes artigos, que Jean Guitton, além de pretender dar diretrizes ao Papa João XXIII para o Concílio, também dele participou, do início ao seu encerramento.
Ora, sendo Guitton considerado o maior filósofo católico do século XX, amigo íntimo de Paulo VI, conselheiro de João XXIII, presente nas sessões do Vaticano II e, evidentemente, conhecedor da doutrina do Modernismo, nada mais justo que ouvir seu conceito sobre tão grave acusação.
E, graças a Deus, Guitton no-lo apresenta, em objetivo e claro resumo, e por escrito, em 1992, ou seja, 27 anos após o encerramento daquele Concílio, portanto com tempo razoável para maturar e melhor formular seu valioso conceito de filósofo-católico, sobre aquela importante questão.
E o que afirmou Jean Guitton sobre o Modernismo e o Concílio Vaticano II?
Em 1992, sobre tão grave tema, Guitton assim resumiu seu conceito:
«Mas hoje, o que chamamos de modernismo em história religiosa, tem um sentido muito particular. Com este nome designamos uma doutrina e um movimento que foram condenados pelo Papa Pio X, através da encíclica ‘Pascendi’. O Papa Pio X – que foi canonizado – designa o modernismo como uma heresia que tem duplo aspecto: o de ser uma síntese, uma soma de todas as heresias, e o de se esconder traiçoeiramente no interior da Igreja.
(...) E eu desejo me exprimir livre e claramente sobre este assunto.
Quando eu releio os documentos relativos ao modernismo tal como foi definido por São Pio X, e os comparo aos documentos do Concílio Vaticano II, não posso deixar de ficar desconcertado. Porque aquilo que foi condenado como uma heresia em 1906 foi proclamado como sendo e devendo ser, de agora em diante, a doutrina e o método da Igreja. Dito de outra forma, os modernistas de 1906 me aparecem como precursores. Meus mestres dele faziam parte. Meus pais mo ensinaram. Como Pio X pôde repelir aqueles que hoje me aparecem como precursores?»
(Cfr. Portrait du Père Lagrange, Jean Guitton, Éditions Robert Laffont, Paris, 1992, p. 55-56. A tradução é nossa. Vide texto original abaixo*)
Parecer mais claro, impossível!
Faríamos só uma observação quanto à última frase de Guitton — «Como Pio X pôde repelir aqueles que hoje me aparecem como precursores?» — cronologicamente invertida por Jean Guitton, e objetivamente, não bem precisa.
Assim, cronologicamente, e mais precisamente, usando os mesmos termos de Guitton, e sem alterar o seu sentido original, a pergunta seria melhor colocada da seguinte forma: Como o Concílio Vaticano II pode estabelecer o Modernismo, cujas doutrinas e precursores foram condenados pelo Papa S. Pio X?
De qualquer forma, o conceito de Jean Guitton sobre o Concílio Vaticano II e o Modernismo, por ele «clara e livremente expresso», como ele mesmo diz, é que «o que foi condenado como uma heresia em 1906 (o Modernismo) foi proclamado como sendo e devendo ser, de agora em diante (a partir do Concílio Vaticano II), a doutrina e o método da Igreja».
Portanto, para Jean Guitton, desde 1965 até 1992, pelo menos, a Igreja vem seguindo a doutrina e o método do Modernismo, condenados por S. Pio X.
Marcelo Fedeli
Setembro de 2002
* Texto original (em francês) de Guitton.
« Mais de nos jours, ce qu’on appelle modernisme en histoire religieuse a un sens très particulier. On appelle de ce nom une doctrine et un parti qui ont été condamnés par le pape Pie X dans l’encyclique Pascendi. Le pape Pie X — qui a été canonisé — désigne le modernisme comme une hérésie qui a un double caractère : celui d’être une synthèse, une somme de toutes les hérésies, et celui de se cacher à l’interieur de l’Église comme une trahison.
(...) Et je désire m’exprimer librement et nettement à ce sujet.
Lorsque je relis les documents concernant le modernisme tel qu’il a été défini par saint Pie X, et que je les compare aux documents du concile de Vatican II, je ne peuz manquer d’être déconcerté. Car ce qui a été condamné comme une hérésie en 1906 est proclamé comme étant et devant être désormais la doctrine et la méthode de l’Église. Autrement dit, les modernistes de 1906 m’apparaissent comme des précurseurs. Mes maîtres en faisaient partie. Mes parents me l’enseignaient. Comment Pie X a-t-il pu repousser ceux qui maintenant m’apparaissent comme des précurseurs ? »
(Cfr. Portrai du Père Lagrange, Jean Guitton, Éditions Robert Laffont, Paris, 1992, p. 55–56).
Para citar este texto:
Marcelo Fedeli - "Anotações"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=igreja&artigo=jeanguitton4〈=bra
Online, 15/07/2010 às 14:02h