2. Necessidade da graça para a santificação
Verdades consoladoras
27. Ninguém ignora, diletos filhos, que não é possível a qualquer cristão, e em especial aos sacerdotes, imitar os admiráveis exemplos do divino Mestre, sem o auxílio da graça e sem o uso daqueles instrumentos da graça que ele mesmo pôs à nossa disposição: uso tanto mais necessário quanto mais elevado o grau de perfeição que devemos alcançar e quanto mais graves as dificuldades que procedem da nossa natureza inclinada ao mal. Por esse motivo, julgamos oportuno passar à consideração de outras verdades tanto mais sublimes e consoladoras, das quais ainda mais claramente ressalta quão sublime deve ser a santidade sacerdotal e quão eficazes são os auxílios que nos dá o Senhor, para que possamos realizar em nossos desígnios da divina misericórdia.
Vida de sacrifício
28. Assim como toda a vida do Salvador foi ordenada para o sacrifício de si mesmo, também a vida do sacerdote, que deve reproduzir em si a imagem de Cristo, deve ser com ele, por ele, e nele um sacrifício aceitável.
A exemplo de Jesus sobre o Calvário
29. Em verdade, a oferta que o Senhor fez de si mesmo sobre o Calvário não foi somente a imolação do seu Corpo; ele ofereceu-se a si mesmo, hóstia de expiação, como cabeça da humanidade, e por isso "enquanto encomenda nas mãos do Pai o seu espírito, encomenda a si mesmo a Deus como homem, para encomendar a Deus todos os homens".(11)
Na santa missa
30. A mesma coisa sucede no sacrifício eucarístico, que é a renovação incruenta do sacrifício da cruz: Cristo oferece-se ao Pai pela sua glória e pela nossa salvação. E enquanto ele, sacerdote e vítima, procede como cabeça da Igreja, oferece e imola não somente a si mesmo, mas a todos os fiéis, e de certo modo todos os homens.(12)
Os tesouros do sacrifício eucarístico
31. Ora, se isso vale para todos os féis, por maior título vale para os sacerdotes, que são ministros de Cristo, principalmente para a celebração do sacrifício eucarístico. E precisamente no sacrifício eucarístico, quando "na pessoa de Cristo" consagra o pão e o vinho que se tornam corpo e sangue de Cristo, o sacerdote pode tirar da mesma fonte da vida sobrenatural os inexauríveis tesouros da salvação e todos os auxílios que lhe são necessários pessoalmente e à realização da sua missão.
Viver a santa missa
32. Enquanto está tão estreitamente em contato com os divinos mistérios, o sacerdote não pode deixar de sentir fome e sede de justiça (cf. Mt 5,6), ou deixar de sentir estímulo para adaptar a sua vida à sua excelsa dignidade e orientá-la para o sacrifício, devendo imolar-se a si mesmo com Cristo. Ele, portanto, não somente celebrará a santa missa, mas a viverá intimamente; somente assim poderá alcançar aquela força sobrenatural que o transformará e o tornará partícipe da vida de sacrifício do Redentor.
Transformação em vítimas com Jesus
33. S. Paulo estabelece o seguinte preceito como princípio fundamental da perfeição cristã: "Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo" (Rm 13,14). Esse preceito, se vale para todos os cristãos, vale de modo particular para os sacerdotes. Mas revestir-se de Cristo não é somente inspirar os próprios pensamentos na sua doutrina, mas também entrar em uma nova vida, a qual, para brilhar com os esplendores do Tabor, deve conformar-se com os sofrimentos de nosso Salvador no Calvário.
Isso comporta em longo e árduo trabalho, que transforme a alma no estado de vítima, para que participe intimamente do sacrifício de Cristo. Esse árduo e assíduo trabalho não se realiza com vãs veleidades, nem se consuma com desejos e promessas, mas deve ser um exercício indefesso e contínuo que leve ao renovamento do espírito; deve ser exercício de piedade, que tudo refira à glória de Deus; deve ser exercício de penitência, que refreie e governe os movimentos do espírito; deve ser ato de caridade, que inflame o ânimo de amor a Deus e ao próximo e estimule a praticar obras de misericórdia; deve, enfim, ser vontade operosa de luta e de fadiga para fazer todo o bem.
Admoestação de s. Pedro Crisólogo
34. O sacerdote deve, portanto, esforçar-se por reproduzir na sua alma tudo quanto se produz sobre o altar. Como Jesus se imola a si mesmo, assim o seu ministro deve imolar-se com ele; como Jesus expia os pecados dos homens, assim ele, seguindo o árduo caminho da ascética cristã, deve alcançar a própria e a alheia purificação. Assim admoesta s. Pedro Crisólogo: "Sê sacrifício e sacerdote de Deus; não percas aquilo que te deu a divina autoridade. Reveste-te da estola da santidade; cinge-te com o cinto da castidade; seja Cristo o véu que te cubra a cabeça; a cruz esteja como baluarte sobre a tua fronte; coloca em teu peito o sacramento da divina ciência; queima sempre o incenso da oração; cinge a espada do Espírito; faz do teu coração como que um altar e assim seguro oferece teu corpo como vítima a Deus. Oferece a fé, de modo que seja punida a perfídia; imola o jejum, a fim de que cesse a voracidade; oferece em sacrifício a castidade, para que morra a sensualidade; coloca sobre o altar a piedade, para que seja deposta a impiedade; atrai a misericórdia, para que seja destruída a avareza; e para que desapareça a insensatez, convém imolar sempre a santidade: assim teu corpo será a tua hóstia, se não for ferido por alguma seta do pecado".(13)
A morte mística em Cristo
35. Desejamos repetir aqui de modo particular aos sacerdotes quanto já propusemos à meditação de todos os fiéis na EncíclicaMediator Dei: "É bem verdade que Jesus é sacerdote; não o é, porém, para si, mas para nós, apresentando ao eterno Pai os votos e sentimentos religiosos de toda a humanidade; assim mesmo, é vítima, mas para nós, substituindo-se ao homem pecador; ora, o dito do Apóstolo: 'Tende em vós mesmos os sentimentos de Jesus Cristo' (Fl 2,5) exige de todo cristão que reproduza em si, quanto está nas possibilidades humanas, o mesmo estado de alma que tinha o divino Redentor quando realizava o sacrifício de si mesmo: a humilde submissão do espírito e a adoração, honra, louvor e ação de graças à suprema Majestade de Deus; mais: que reproduza em si mesmo a condição de vítima, a abnegação segundo os preceitos do evangelho, o voluntário e espontâneo exercício da penitência, a dor e expiação dos próprios pecados; numa palavra, que todos espiritualmente morramos com Cristo na cruz, de modo a poder dizer com s. Paulo: 'Estou pregado na cruz com Cristo'" (Gl 2,19). (14)
Aproveitar as riquezas do sangue de Jesus
36. Sacerdotes e filhos diletos, temos em nossas mãos um grande tesouro, uma preciosíssima pérola: as inexauríveis riquezas do sangue de Jesus Cristo; utilizemo-nos copiosamente delas, para sermos, com o total sacrifício de nós mesmos oferecidos ao Pai com Jesus Cristo, os verdadeiros mediadores de justiça "nas coisas que tocam a Deus" (Hb 5,1), e para merecermos que as nossas orações sejam aceitas e alcancem superabundantes graças para toda a Igreja e todas as almas. Só depois que nos tornarmos uma só coisa com Cristo, mediante a sua e a nossa oblação, e houvermos elevado a nossa voz com os coros dos habitantes da celeste Jerusalém, "illi canentes iungimur almae Sionis aemuli",(15) e só então, fortalecidos pela virtude do Salvador, poderemos com segurança descer da montanha da santidade que houvermos galgado, para levar a todos os homens a vida e a luz de Deus pelo ministério sacerdotal. LER...