domingo, 28 de junho de 2015

BENTO XVI: A Igreja e nela Cristo sofre hoje também. Nela Cristo é sempre escarnecido de novo e atingido; sempre de novo se procura pô-lo fora do mundo. Sempre de novo a pequena barca da Igreja é abalada pelo vento das ideologias, que com as suas águas penetram nela e parecem condená-la a afundar.


CONCELEBRAÇÃO EUCARÍSTICA
PARA A BÊNÇÃO E IMPOSIÇÃO DOS PÁLIOS
NA SOLENIDADE DOS SANTOS PEDRO E PAULO
HOMILIA DO PAPA BENTO XVI
Quinta-feira, 29 de Junho de 2006

"Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16, 18). O que diz exactamente o Senhor a Pedro com estas palavras? Que promessa lhe faz com elas e que cargo lhe confia? E que diz a nós ao Bispo de Roma, que está na Cátedra de Pedro, e à Igreja de hoje?
Se quisermos compreender o significado das palavras de Jesus, é útil recordar-se de que os Evangelhos nos narram três situações diversas nas quais o Senhor, sempre de maneira diversa, transmite a Pedro a tarefa que lhe competirá. Trata-se sempre da mesma tarefa, mas torna-se mais claro para nós, pela diversidade das situações e das imagens usadas o que nele interessava e interessa o Senhor.
No Evangelho de São Mateus que ouvimos há pouco, Pedro faz sua a confissão a Jesus reconhecendo-o como Messias e Filho de Deus. Com base nisto é-lhe conferida a sua tarefa particular mediante três imagens: a da rocha que se torna pedra de fundamento ou pedra angular, a das chaves e a de ligar e desligar.
Neste momento não pretendo interpretar mais uma vez estas três imagens que a Igreja, ao longo dos séculos, explicou sempre de novo: desejaria ao contrário chamar a atenção para o lugar geográfico e para o contexto cronológico destas palavras. A promessa é feita perto das fontes do Jordão, na fronteira com a terra judaica, no confim com o mundo pagão.
O momento da promessa marca uma viragem decisiva no caminho de Jesus: agora o Senhor encaminha-se para Jerusalém e, pela primeira vez, diz aos discípulos que este caminho para a Cidade Santa é o caminho da Cruz: "A partir desse momento, Jesus Cristo começou a fazer ver aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar" (Mt 16, 21).
Os dois aspectos caminham juntos e determinam o lugar interior da Primazia, antes da Igreja em geral: continuamente o Senhor está a caminho da Cruz, da humilhação do servo de Deus sofredor e morto, mas ao mesmo tempo está também sempre a caminho da vastidão do mundo, na qual Ele nos precede como Ressuscitado, para que resplandeça no mundo a luz da sua palavra e a presença do seu amor; está a caminho porque através d'Ele, de Cristo crucificado e ressuscitado, o próprio Deus chegue ao mundo. Neste sentido Pedro, na sua Primeira Carta, qualifica-se como "testemunha dos sofrimentos de Cristo e partícipe da glória que deve manifestar-se" (5, 1).
Para a Igreja a Sexta-Feira Santa e a Páscoa existem sempre juntas; ela é sempre tanto o grão de mostarda como a árvore entre cujos ramos os pássaros do céu fazem o ninho. A Igreja e nela Cristo sofre hoje também. Nela Cristo é sempre escarnecido de novo e atingido; sempre de novo se procura pô-lo fora do mundo. Sempre de novo a pequena barca da Igreja é abalada pelo vento das ideologias, que com as suas águas penetram nela e parecem condená-la a afundar.
E contudo, precisamente na Igreja sofredora Cristo é vitorioso. Apesar de tudo, a fé n'Ele retoma força sempre de novo. Também hoje o Senhor ordena às águas e demonstra-se o Senhor dos elementos. Ele permanece na sua barca, na barca da Igreja. Assim também no ministério de Pedro se revela, por um lado, a debilidade do que é próprio do homem, mas ao mesmo tempo também a força de Deus: precisamente na debilidade dos homens o Senhor manifesta a sua força; demonstra que é Ele mesmo quem constrói, através de homens débeis, a sua Igreja.
Dirijamo-nos agora ao Evangelho de São Lucas que nos narra como o Senhor, durante a Última Ceia, confere de novo uma tarefa especial a Pedro (cf. Lc 22, 31-33). Esta vez as palavras de Jesus dirigidas a Simão encontram-se imediatamente depois da instituição da Santíssima Eucaristia. O Senhor acabou de se oferecer aos seus, sob as espécies do pão e do vinho. Podemos ver na instituição da Eucaristia o verdadeiro e próprio acto fundador da Igreja. Através da Eucaristia o Senhor doa aos seus não só a si mesmo, mas também a realidade de uma nova comunhão entre eles que se prolonga nos tempos "até à Sua vinda" (cf. 1 Cor11, 26).
Mediante a Eucaristia os discípulos tornam-se a sua casa viva que, ao longo da história, cresce como o templo de Deus novo e vivente neste mundo. E assim Jesus, logo após a instituição do Sacramento, fala do que significa ser discípulos, o "ministério" na nova comunidade: diz que ele é um compromisso de serviço, assim como Ele próprio se encontra no meio deles como Aquele que serve. E então dirige-se a Pedro. Diz que Satanás pediu para poder examinar os discípulos como o grão. Isto recorda o trecho doLivro de Job, no qual Satanás pede a Deus a faculdade de atingir Job. O diabo o caluniador de Deus e dos homens quer provar com isto que não existe uma verdadeira religiosidade, mas que no homem tudo tem sempre e unicamente por objectivo a utilidade.
No caso de Job, Deus concede a Satanás a liberdade exigida precisamente para poder com ela defender a sua criatura, o homem e a si mesmo. Acontece assim também com os discípulos de Jesus Deus dá uma certa liberdade a Satanás em todos os tempos. Com frequência parece-nos que Deus conceda demasiada liberdade a Satanás; que lhe conceda a faculdade de nos despertar de maneira demasiado terrível; e que isto supere as nossas forças e nos oprima demasiado.
Bradaremos sempre de novo a Deus: Ai de mim, olha para a miséria dos teus discípulos, protege-nos! De facto Jesus continua: "Mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desapareça" (Lc 22, 32). A oração de Jesus é o limite colocado ao poder do maligno. A oração de Jesus é a protecção da Igreja.
Podemos refugiar-nos sob esta protecção, apegar-nos a ela e ter a sua certeza. Mas como nos diz o Evangelho Jesus reza de modo especial por Pedro: "... para que a tua fé nunca desfaleça". Esta oração de Jesus é ao mesmo tempo promessa e tarefa. A Oração de Jesus tutela a fé de Pedro; aquela fé que ele lhe confessou em Cesareia de Filipe: "Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo"(Mt 16, 16).
Eis: nunca permitir que esta fé se torne muda, fortalecê-la sempre de novo, precisamente também perante a cruz e todas as contradições do mundo: é esta a tarefa de Pedro. Por isso o Senhor não reza só pela fé pessoal de Pedro, mas pela sua fé como serviço aos outros. É precisamente isto que Ele pretende dizer com as palavras: "E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos" (Lc 22, 32).
"E tu, uma vez convertido" estas palavras são ao mesmo tempo profecia e promessa. Elas profetizam a debilidade de Simão que, perante uma serva e um servo, negará que conhece Jesus.
Através desta queda de Pedro e com ele qualquer sucessor seu deve aprender que a própria força sozinha não é suficiente para edificar e guiar a Igreja do Senhor. Ninguém consegue sozinho. Por mais que Pedro pareça ser capaz e bom já no primeiro momento da prova falha. "E tu, uma vez convertido" o Senhor, que lhe prediz a queda, também lhe promete a conversão: "Voltando-se, o Senhor fixou os olhos em Pedro..." (Lc 22, 61).
O olhar de Jesus realiza a transformação e torna-se a salvação de Pedro: Ele, "saindo para fora, chorou amargamente" (22, 62). Queremos implorar sempre de novo este olhar salvador de Jesus: para todos os que, na Igreja, ocupam uma responsabilidade; para todos os que sofrem devido às confusões deste tempo; para os grandes e para os pequenos: Senhor, olha para nós sempre de novo e assim eleva-nos de todas as nossas quedas e toma-nos nas tuas mãos bondosas.
O Senhor confia a Pedro a tarefa pelos irmãos através da promessa da sua oração. O cargo de Pedro está ancorado na oração de Jesus. É isto que lhe dá a segurança da sua perseverança através de todas as misérias humanas. E o Senhor confia-lhe este cargo no contexto da Ceia, em simultâneo com o dom da Santíssima Eucaristia. A Igreja, fundada na instituição da Eucaristia, no seu íntimo é comunidade eucarística e desta forma comunhão com o Corpo do Senhor.
A tarefa de Pedro é presidir a esta comunhão universal; mantê-la presente no mundo como unidade também visível, encarnada. Ele, juntamente com toda a Igreja de Roma, deve como diz Santo Inácio de Antioquia presidir à caridade: presidir à comunidade daquele amor que provém de Cristo e, sempre de novo, ultrapassa os limites do privado para levar o amor de Cristo até aos confins da terra.
A terceira referência à Primazia encontra-se no Evangelho de São João (21, 15-19). O Senhor ressuscitou, e como Ressuscitado confia a Pedro o seu rebanho. Também aqui se compenetram reciprocamente a Cruz e a Ressurreição. Jesus prediz a Pedro que o seu caminho irá em direcção à cruz. Nesta Basílica erigida em cima do túmulo de Pedro um túmulo pobre vemos que o Senhor vence sempre precisamente assim, através da Cruz.
O seu poder não é um poder segundo as modalidades deste mundo. É o poder do bem da verdade e do amor, que é mais forte que a morte. Sim, a sua promessa é verdadeira: os poderes da morte, as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja que Ele edificou sobre Pedro (cf. Mt 16, 18) e que Ele, precisamente desta forma, continua a edificar pessoalmente.
Nesta solenidade dos santos Apóstolos Pedro e Paulo dirijo-me de modo especial a vós, queridos Metropolitanos, que viestes de numerosos Países do mundo para receber do Sucessor de Pedro o Pálio. Saúdo-vos cordialmente juntamente com quantos vos acompanharam. Saúdo também com alegria particular a Delegação do Patriarcado Ecuménico presidida por Sua Eminência Joannis Zizioulas, Metropolitano de Pérgamo, co-Presidente da Comissão Mista Internacional para o diálogo teológico entre católicos e ortodoxos. Estou grato ao Patriarca Bartolomeu I e ao Santo Sínodo por este sinal de fraternidade, que torna evidente o desejo e o compromisso de progredir mais rapidamente pelo caminho da unidade plena que Cristo invocou para todos os seus discípulos.
Nós sentimos que partilhamos o desejo ardente expresso um dia pelo Patriarca Atenágoras e pelo Papa Paulo VI: beber juntos do mesmo Cálice e comer juntos do mesmo pão que é o próprio Senhor. Imploramos de novo, nesta ocasião, que este dom nos seja concedido depressa. E agradecemos ao Senhor que nos encontremos unidos na confissão que Pedro fez em Cesareia de Filipe a todos os discípulos: "Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo". Queremos levar juntos esta confissão ao mundo de hoje. Ajude-nos o Senhor a sermos, precisamente nesta hora da nossa história, verdadeiras testemunhas dos seus sofrimentos e partícipes da glória que deve manifestar-se (1 Pd 5, 1). Amém.