O culto divino deve ser cercado de esplendor e magnificência ou, pelo contrário, deve ser pobre e despojado?
As igrejas e as catedrais devem dar mostras de grande elevação e sublimidade, ou ser simples, acanhadas e sem arte?
O espírito católico deve querer refletir-se em cerimônias de grande pompa e majestade, ou apenas recolher-se em si mesmo, sem manifestações exteriores?
Essas são perguntas de grande atualidade, no momento em que as consequências doutrinárias, litúrgicas e simbólicas do Concílio Vaticano II vão se desdobrando cada vez mais, a ponto de haver quem dê preeminência na Igreja ao chamado “Pacto das Catacumbas”.
“Apresentado em nossos dias como singular moda póstuma, o Pacto das Catacumbas foi um compromisso assinado por 40 Padres Conciliares na época do Concílio Vaticano II no qual, de acordo com Dom Pedro Casaldáliga, seus signatários preconizavam ‘o advento de uma outra ordem social, nova’”.(1) Ao longo dos anos foram aderindo a ele numerosos outros bispos, propugnadores da simplicidade no culto católico (Missa de costas para o Sacrário), na arquitetura religiosa (igrejas em forma de ameba), nos trajes eclesiásticos (adeus à batina) e nos costumes da Igreja em geral (vale tudo). Uma espécie de miserabilismo eclesiástico.Em artigo de Dominique Alibere intitulado Tout commence à Saint-Denis, a revista “L’Histoire” (nº 419, janeiro/2016), apresenta alguns traços característicos do pensamento e da personalidade do abade Suger.
Às perguntas que elencamos no início deste artigo, o Abade Suger responde com nove séculos de antecedência:
“Tudo o que é muito refinado e muito precioso deve ser utilizado principalmente para a administração da Santíssima Eucaristia. Se [na Antiga Lei] vasos de libação com ouro, galhetas de ouro, pequenos cálices foram usados em ouro, de acordo com a palavra de Deus ou a ordem do Profeta, para recolher o sangue de bodes, bezerros ou novilhos, o quanto mais vasos de ouro, pedras preciosas e tudo o que há de mais caro entre as coisas criadas devem servir para conter o sangue de Jesus Cristo […] Alguns críticos objetam, sem dúvida, que uma alma santa, um espírito puro, uma reta intenção devem ser suficientes para este ministério. Também nós afirmamos que tudo isto é particularmente importante. Mas é também pelos ornamentos externos dos vasos sagrados e por toda a nobreza exterior que nos convém proclamar que nada deve ser tão venerável quanto o serviço do Santo Sacrifício” (cf. F. Gasparri, Traité sur son administration abbatiale, Les Belles Lettres, 2001).”
Prossegue o sábio abade:
“Suspiraremos em nossos corações:
“Toda pedra preciosa, dizia-me eu, é para Vos revestir, ó Deus: calcedônia, topázio, jaspe, crisólita, ônix e berilo, safira, turquesa e esmeralda. […] Assim, quando no meu amor pelos ornamentos da casa de Deus, o esplendor multicolorido das gemas por vezes me distrai das minhas preocupações externas, e uma meditação elevada me leva a refletir sobre a diversidade das santas virtudes, transferindo-me das coisas materiais para as imateriais, eu tenho a impressão de estar em uma região longínqua da esfera terrestre, que não está inteiramente no limo da terra, nem inteiramente na pureza do céu, e assim poder ser transportado pela graça de Deus deste [mundo] interior para o [mundo] superior, conforme o modo anagógico.”(2)
É marcante a semelhança ― ou talvez se possa falar em identidade ― da concepção que tem o abade Suger dessa região longínqua que não está inteiramente no limo da terra nem inteiramente na pureza do Céu, com a concepção de transesfera de que nos fala Plinio Corrêa de Oliveira em muitas de suas palestras.(3)
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O abade Suger é considerado o primeiro “mestre-de-obras” da sublime arquitetura gótica, pelas inovações que promoveu na Basílica de Saint-Denis.
Em seu artigo citado, o historiador Dominique Alibere comenta que o abade Suger “quer, em Saint-Denis, prefigurar a Jerusalém celeste. E ele está plenamente consciente, neste contexto, dos desafios contidos na nova estética que deu origem ao gótico. Nas linhas que dedica a uma das capelas da abadia, aquela consagrada a São Romano, ele escreveu: ‘Como este lugar é secreto, como é apto ao recolhimento, propício à celebração dos ofícios divinos. Aqueles que nele servem a Deus o sabem, como se enquanto sacrificam na Terra, sua habitação já estivesse de alguma forma no céu.’”
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