segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Santo Afonso Maria de Ligório, Nascimento e Infância de Jesus Cristo.

 

Ó AMOR INFINITO...

 


Dedi te in lucem gentium, ut sis

salus mea usque ad extremum terrae.

Eu te estabeleci para luz das gentes,

a fim de seres a salvação que eu envio

até a última extremidade da terra (Is 49,6).

Considera o Pai celeste dizendo estas palavras a Jesus Menino no momento de sua conceição: Meu Filho, eu te estabeleci para luz das gentes e a vida das nações, a fim de que lhes procureis a salvação, que desejo tanto como se fosse a minha própria. É pois necessário que vos dediqueis inteiramente ao bem do gênero humano: “Dado sem reserva ao homem deveis dedicar-vos inteiramente em benefício dele”. É necessário que sofrais uma pobreza extrema desde o vosso nascimento a fim de que o homem se torne rico: Ut tua inopia dites. É necessário que sejais vendido como um escravo para pagardes a liberdade do homem, e que, como escravo, sejais flagelado e crucificado a fim de satisfazer à minha justiça pelas penas devidas aos homens. É necessário que deis vosso sangue e vossa vida para livrar o homem da morte eterna. Numa palavra, sabei que não sois mais vosso mas do homem, segundo a palavra de Isaías: Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um filho. Assim, meu caro Filho, o homem se sentirá constrangido a amar-me e a dar-se a mim, ao ver que vos dou todo a ele, vós meu único Filho, e que me não resta mais nada a dar-lhe. Eis até onde chegou o amor de Deus aos homens! Ó amor infinito, digno somente dum Deus infinito! Jesus mesmo disse: Deus amou de tal modo o mundo que deu por ele seu unigênito Filho.

A essa proposta Jesus Menino não se entristece, antes se alegra, aceita-a com amor e exulta: Dá saltos como gigante para percorrer o seu caminho. Desde o primeiro instante de sua encarnação, Ele se dá todo ao homem e abraça com alegria todas as dores e humilhações que deve sofrer no mundo por amor dos homens. Essas foram, diz S. Bernardo, as montanhas e as colinas escarpadas que Jesus Cristo teve de escalar para salvar os homens: Ei-lo aí vem saltando sobre os montes, atravessando os outeiros.

Notemos bem: enviando-nos seu Filho como Redentor e Mediador de paz entre Ele e os homens, Deus Padre obrigou-se de certo modo a perdoar-nos e a amar-nos; entre o Pai e o Filho interveio um pacto em virtude do qual o Pai devia receber-nos em sua graça, contanto que o Filho satisfaça por nós à divina justiça, de seu lado, o Verbo, digo, também se obrigou a amar-nos, não por causa do nosso mérito, mas para cumprir a misericordiosa vontade de seu Pai.

Afetos e Súplicas.

Meu caro Jesus, se é verdade, como a lei o declara, que se adquire o domínio pela doação, vós me pertenceis porque o vosso Pai vos deu a mim: é por mim que nascestes, a mim fostes dado: Nasceu-nos um Menino, foi-nos dado um Filho. Posso pois dizer: Meu Jesus e meu tudo. Já que sois meu, todos os bens me pertencem. O vosso apóstolo me assegura: Como não nos dará também com ele todas as coisas? Por isso, meu é o vosso sangue, meus os vossos méritos, minha a vossa graça, meu o vosso paraíso. E se sois meu, quem poderá jamais arrancar-vos de mim? Ninguém poderá tirar-me o meu Deus. Assim dizia com júbilo S. Antão Abade; assim também quero dizer no futuro. É verdade que vos posso perder ainda e afastar-me de vós pelo pecado; mas, ó meu Jesus, se no passado vos abandonei e perdi, arrependo-me agora de toda a minha alma, e estou resolvido a perder tudo, a própria vida, antes que tornar a perder-vos, ó Bem infinito e único amor de minha alma. — Agradeço-vos, Pai eterno, por me terdes dado vosso Filho; e já que mo destes todo, eu miserável dou-me todo a vós. Pelo amor desse Filho adorável, aceitai-me e prendei-me com cadeias de amor a meu Redentor, mas prendei-me tão estreitamente que possa dizer com o apóstolo: Quem me poderá ainda separar de meu Jesus? — E vós, meu Salvador, se sois todo meu, sabei que sou todo vosso. Disponde de mim, e de tudo o que me pertence como vos aprouver. E como poderia eu recusar alguma coisa a um Deus que me não recusou o seu sangue e a sua vida?

Maria, minha Mãe, guardai-me sob vossa proteção. Já não quero ser meu, quero ser todo do meu Senhor. A vós compete tornar-me fiel, confio em vós.

 

Santo Afonso Maria de Ligório: Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo

MEDITAÇÃO V PARA OS DIAS DO ADVENTO - POR SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO

 


Formam servi accipiens.

Ele tomou a forma e a natureza de servo (Fl 2,7).

 

O Verbo eterno desce à terra para salvar o homem. Donde desce Ele? A sua saída é do mais alto dos céus, diz o Salmista. Desde do seio de Deus seu Pai, onde foi gerado desde a eternidade entre os esplendores dos Santos. — E aonde desce? desde ao seio duma Virgem, filha de Adão, isto é, a um lugar que, comparado ao seio de Deus, não é senão um horror; daí o cântico da Igreja: “Não tivestes horror do seio da Virgem”. Sim, porque o Verbo, estando no seio do Pai, é Deus como Pai, é imenso, onipotente, infinitamente feliz, soberano Senhor do universo, em tudo igual a Seu Pai; mas no seio de Maria, ele é criatura, é pequeno, fraco, padecente, servo, inferior a seu Pai: Ele tomou, diz S. Paulo, a forma de servo.

Contam de S. Aleixo, como grande prodígio de humildade, que sendo filho dum senhor romano, quis viver como servo na casa de seu pai. Mas que é a humildade desse Santo em comparação da de Jesus Cristo? Entre filho e servo do pai de S. Aleixo havia alguma diferença de condição; mas entre Deus e servo de Deus há uma distância infinita. Ademais, fazendo-se o Filho de Deus servo de seu Pai, se fez também, para lhe obedecer, servo de suas criaturas, isto é, de Maria e de José; pois o Evangelho atesta que lhes estava sujeito. Ainda mais, obedeceu até a Pilatos que o condenou à morte, pois que se submeteu a essa injusta sentença, obedeceu aos carrascos quando o quiseram flagelar, coroar de espinhos e crucificar; submeteu-se humildemente a todos e entregou-se às mãos de seus inimigos.

Oh! Deus, recusaremos diante disso pôr-nos ao serviço desse amável Senhor que para salvar-nos se sujeitou a tantas servidões dolorosas e humilhantes? E para não sermos servos desse Senhor tão grande e amante, consentiremos em tornar-nos escravos do demônio, que, longe de amar os seus servos, os odeia e tiraniza, os torna infelizes nesta e na outra vida? Ah! se cometemos essa loucura no passado, por que não saímos imediatamente dessa miserável escravidão? Coragem pois! Já que pela graça de Jesus Cristo fomos libertados da escravidão do inferno, abracemos logo e apertemos com amor as doces cadeias que nos fazem servos e amigos do Filho de Deus, e que nos obterão uma coroa no reino eterno entre os bem- aventurados do paraíso.

Afetos e Súplicas.

Meu amado Jesus, sois o Rei do céu e da terra; mas por amor de mim vos fizestes servo; obedecestes aos vossos próprios carrascos que vos despedaçaram as carnes, traspassaram a fronte e vos pregaram na cruz para morrerdes de dor. Adoro-vos como seu Senhor e meu Deus, e me acanho de aparecer diante de vós ao lembrar-me que por miseráveis satisfações rompi tantas vezes os vossos santos laços e vos disse em face que não queria mais servir-vos; sim, com justiça me lançais em rosto: Quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços, e disseste: Não servirei. Mas, ó meu Salvador, o que me faz esperar o perdão, são os vossos méritos e a vossa bondade, que não despreza um coração contrito e humilhado: Não, meu Deus, não desprezeis um coração que se arrepende e se humilha. Meu Jesus, confesso que fiz mal desgostando-vos; reconheço que mereço mil infernos pelas ofensas que vos fiz; castigai-me como quiserdes, mas não me priveis da vossa graça e do vosso amor. Arrependo-me sobretudo de vos haver desprezado. Amo-vos de toda a minha alma. Tomo a resolução de no futuro servir e amar só a vós. Ah! pelos vossos méritos ligai-me pelas cadeias de vosso santo amor, e não permitais que eu as torne a sacudir de mim. Amo-vos sobre todas as coisas, ó meu Libertador, prefiro ser vosso servo a ser senhor de todo o universo: de que serve o mundo inteiro a quem está privado da vossa graça? Dulcíssimo Jesus, não permitais que me separe de vós, não permitais que me separe de vós. Essa graça eu vo-la peço e quero pedi-la sempre; rogo-vos me concedais hoje a graça de repetir-vos em toda a minha vida esta súplica: Meu Jesus, não permitais que me separe mais de vós e do vosso amor.

Essa graça peço também a vós, ó Maria minha Mãe; ajudai-me com vossa intercessão a não mais me separar de meu Deus.

Santo Afonso Maria de Ligório: Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo

MEDITAÇÃO IV PARA OS DIAS DO ADVENTO - Por Santo Afonso Maria de Ligório

 


Ubi venit plenitudo temporis,

misit Deus Filium suum.

Quando se completaram os tempos,

Deus enviou o seu Filho (Gl 4,4).

 

Considera como Deus deixou passar quatro mil anos depois do pecado de Adão, antes de mandar à terra o seu Filho para resgatar o mundo. Que trevas e que males reinaram entretanto sobre a terra! O verdadeiro Deus não era conhecido nem adorado, a não ser num canto do mundo: em toda a parte reinava a idolatria; adoravam-se como deuses os demônios, os animais e as pedras. Mas admiremos aqui a sabedoria divina: difere a vinda do Redentor para torná-la mais apreciada dos homens; difere-a para melhor se conhecer a malícia do pecado, a necessidade do remédio e a graça do Salvador. Se Jesus Cristo tivesse vindo logo após o pecado de Adão, não se teria podido apreciar a grandeza desse benefício. Agradeçamos, pois, a bondade de Deus para conosco. Agradeçamos, pois, a bondade de Deus para conosco, fazendo-nos nascer depois de cumprida a grande obra da redenção.

Eis que é chegada essa época feliz chamada a plenitude dos tempos: Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho para resgatar os que estavam sob o jugo da lei. Essa expressão marca a plenitude da graça que o Filho de Deus veio comunicar aos homens pela redenção. O anjo é enviado como embaixador na cidade de Nazaré à Virgem Maria para lhe anunciar a vinda do Verbo, que quer encarnar-se em seu seio. O anjo a saúda chamando-a Cheia de graça e Bendita entre as mulheres. Ouvindo esses louvores a humilde Virgem, escolhida para ser a Mãe do Filho de Deus, perturba-se em sua profunda humildade; mas o anjo a anima e diz-lhe ter ela achado graça junto de Deus, isto é, aquela graça da qual resultaria a paz entre Deus e os homens, e a reparação das ruínas devidas ao pecado. Revela-lhe depois o nome de Jesus ou Salvador, que deve dar a seu Filho, e acrescenta que esse Filho é o próprio Filho de Deus, que deve resgatar o mundo e assim reinar sobre os corações dos homens. Enfim Maria consente em ser a Mãe de tão nobre filho: Faça-se em mim segundo a vossa palavra; e ao mesmo instante o Verbo eterno se faz carne e torna-se homem: E o Verbo se fez carne!

Rendamos graças a esse Filho e também a essa Mãe que, consentindo em ser a Mãe de tal Filho, consente em ser a Mãe de nossa salvação e por isso mesmo uma Mãe de dores: desde

então ela se resigna a ser mergulhada num abismo de dores, que lhe devia custar a sua qualidade de Mãe dum Filho vindo ao mundo para sofrer e morrer pelos homens.

 

Afetos e Súplicas.

Ó Verbo divino feito homem por mim, embora vos veja tão humilhado e feito criança no seio de Maria, confesso-vos e reconheço-vos por meu Senhor e Rei, mas Rei de amor. Meu caro Salvador, já que viestes a este mundo revestir-vos da nossa miserável carne para reinar sobre os nossos corações, ah! vinde estabelecer o vosso reino também no meu coração sujeito outrora ao domínio dos vossos inimigos, mas que agora é vosso, como espero; quero que seja ele sempre vosso e que vós sejais de hoje em diante o seu único Senhor: Reinai no meio de vossos inimigos. Os outros reis reinam pela força das armas; vós ao contrários vindes reinar pela força do amor, por isso não vindes com pompas reais, não vindes revestido de púrpura e ouro, ornado de cetro e coroa nem rodeado de exércitos de soldados. Nasceis num estábulo, pobre, abandonado e sereis colocado num presépio sobre um pouco de palha, porque assim quereis começar a reinar sobre os corações. Ah! meu Rei Infante, como pude revoltar-me tantas vezes contra vós, e viver tanto tempo na vossa inimizade, na privação da vossa graça, quando vós para obrigar-me a amar-vos depusestes a vossa majestade divina e vos humilhastes tanto que tomastes a forma duma criança numa gruta, depois a dum operário numa oficina, e, enfim, a dum condenado na cruz? Oh! Feliz de mim se agora que saí, como espero, da escravidão de Lúcifer, me deixar dominar sempre por vós e por vosso amor! Ó Jesus, meu Rei, que sois tão amável e que amais tanto as almas, tomai posse de toda a minha alma, eu vo-la dou sem reserva. Aceitai que ela vos sirva sempre e que vos sirva por amor: a vossa majestade merece ser temida, mas a vossa bondade merece ainda mais ser amada. Ó meu Rei, vós sois e se- reis para sempre o meu único amor; e o único temor que terei será o de desgostar-vos. Assim o espero. Ajudai-me com a vossa graça.

Minha amada Soberana, Maria, vós haveis de obter-me a graça de ser fiel a esse Rei querido de minha alma.

 

Santo Afonso Maria de Ligório: Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo

MEDITAÇÃO III PARA OS DIAS DO ADVENTO - Por Santo Afonso Maria de Ligório


MEDITAÇÃO III.
Sic Deus dilexit mundum,
ut Filium suum unigenitum daret.

Deus amou de tal o modo o mundo,
que lhe deu seu Filho unigênito (Jo 3,16).


Considera como o Padre eterno, dando-nos o Filho por Redentor, por vítima e preço do nosso resgate, não podia dar-nos motivos mais fortes de esperança e amor, para inspirar-nos confiança e obrigar-nos a amá-lo. Dando-nos o seu Filho, diz S. Agostinho, não sabe e não tem mais que dar-nos. Quer que nos aproveitemos desse dom de valor infinito, para obtermos a salvação eterna de todas as graças de que precisamos; pois achamos em Jesus Cristo tudo o que podemos desejar: achamos a luz, a força, a paz, a confiança, o amor e a glória eterna, sendo Jesus Cristo um dom que encerra todos os dons que possamos pedir e desejar.


De fato diz-nos o apóstolo: Como não nos dará também com ele todas as coisas? Tendo-nos Deus dado seu Filho dileto, seu unigênito Filho, a fonte e o tesouro de todos os bens, podemos ainda temer uma recusa de sua parte, seja qual for a graça que lhe pedirmos? Pela vontade de Deus, ele foi feito sabedoria para nós, e justiça, e santificação, e redenção. Deus no-lo deu, a nós ignorantes e cegos, para ser nossa sabedoria e nossa luz, e nos dirigir na via da salvação; a nós, dignos do inferno, para ser nossa justiça, e nos permitir aspirar ao paraíso; a nós, pecadores, para ser nossa santificação, e nos conduzir à santidade; a nós, enfim, escravos do demônio, para ser nossa redenção, e nos restituir a liberdade dos filhos de Deus. Numa palavra, em Jesus Cristo fomos enriquecidos de todos os bens e de todas as graças; basta que as peçamos por seus méritos. Em todas as coisas fostes enriquecidos nele... de maneira que nada falta em graça alguma a vós.


E esse dom que Deus nos fez de seu Filho, é um dom feito a cada um de nós, pois que ele o deu todo inteiro a cada um, como se tivesse dado a ele só; de sorte que cada um de nós pode dizer: Jesus Cristo é todo meu; o seu corpo e o seu sangue são meus; a sua vida, as suas dores, a sua morte, todos os seus méritos são meus. Eis por que S. Paulo dizia: Ele me amou e entregou-se por mim; e cada um de nós pode dizer o mesmo: O meu Redentor me amou e levou esse seu amor até se dar todo a mim.

Afetos e Súplicas.

Ó Deus eterno, quem nos poderia jamais ter feito esse dom de valor infinito, senão vós que sois um Deus de amor infinito? E que mais podereis fazer, ó meu Criador, para inspirar-nos confiança em vossa misericórdia, e obrigar-nos a amar-vos? Senhor, tenho-vos pago com ingratidão; mas dissestes, pelo Apóstolo, “que tudo contribui em benefício dos que vos amam”. Sejam pois quais forem o número e a enormidade de meus pecados, não quero que destruam a minha confiança em vossa bondade, mas quero que me sirvam para mais me humilhar quando receber alguma afronta ; ah! bem merece outras afrontas e outros desprezos quem teve o atrevimento de ofender-vos, Majestade infinita! Quero que me sirvam para suportar com mais paciência as cruzes que me enviardes, para vos servir e honrar com mais zelo, a fim de reparar as injúrias que vos tenho feito. Sim, meu Deus, quero lembrar-me sempre dos desgostos que vos dei, a fim de louvar tanto mais a vossa misericórdia, e de me abrasar sempre mais de amor por vós, que me procurastes quando vos fugia, e me tendes feito tanto bem depois de haver recebido de mim tantos ultrajes. Senhor, espero que já me tenhais perdoado; arrependo-me e quero arrepender-me sempre de minhas ofensas. Quero ser-vos grato, compensando com meu amor a ingratidão que tenho tido para convosco; mas vós haveis de ajudar-me; a vós peço a graça de executar essa resolução. Fazei-vos amar, ó meu Deus, para a vossa glória, fazei-vos amar muito por um pecador que muito vos ofendeu. Meu Deus, meu Deus, como poderia eu cessar ainda de amar-vos, e renunciar novamente ao vosso amor?


Ó Maria, minha Rainha, socorrei-me; conheceis minha fraqueza: fazei que a vós me recomende sempre que o demônio pretender separar-me de Deus. Minha mãe, minha esperança, socorrei-me.

 

Santo Afonso Maria de Ligório: Encarnação, Nascimento e Infância de Jesus Cristo

MEDITAÇÃO II PARA OS DIAS DE ADVENTO - POR SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO




MEDITAÇÃO II. 

Et Verbum caro factum est. 

E o Verbo se fez carne (Jo 1,14). 

O Senhor mandou S. Agostinho escrever no coração de S. Maria Madalena de Pazzi estas palavras: O Verbo se fez carne. 

Ah! peçamos também ao Senhor ilumine o nosso espírito e nos faça compreender por que excesso e prodígio de amor o Verbo eterno, o Filho de Deus, se fez homem por amor de nós! 

A Santa Igreja fica como que atônita ao contemplar esse grande mistério: Considerai as vossas obras, exclama ela com o profeta, e fiquei estupefata. Se Deus houvesse criado mil outros mundos, mil vezes maiores e mais belos que este, essa obra seria certamente infinitamente menor do que a Encarnação do Verbo. Ele manifestou o poder de seu braço. Na obra da Encarnação foi necessária a onipotência e a sabedoria infinita dum Deus, para fazer que a natureza humana se unisse a uma pessoa divina, e que uma pessoa divina se humilhasse até tomar a natureza humana. Assim, Deus fez-se homem, e o homem tornou-se Deus; e estando a divindade do Verbo unida à alma e ao corpo de Jesus Cristo, todas as ações desse Homem-Deus foram divinas; divinas foram suas preces, divinos os seus sofrimentos, divinos seus vagidos, divinas as suas lágrimas, divinos os seus passos, divinos os seus membros, divino o seu sangue, esse sangue do qual queria fazer um banho de salvação para nos purificar de todos os nossos pecados, e um sacrifício de valor infinito para aplacar a justiça do Pai irritado com os homens. 

E que são esses homens? Criaturas miseráveis, ingratas, rebeldes. E para salvar esses indignos, um Deus se faz homem, sujeita-se às misérias humanas! Ele sofre, morre! Humilhou-se, fazendo-se obediente até à morte, até a morte da cruz. 

Ó santa fé! Se a fé não no-lo garantisse, quem poderia jamais acreditar que um Deus de infinita majestade se humilhou ao ponto de tornar-se um verme da terra como nós, para nos salvar a custo de tantas penas e ignomínias, a custo duma morte tão cruel e vergonhosa? 

Ó graça! ó poder do amor! exclama S. Bernardo. Ó graça que homem algum jamais poderia imaginar, se Deus mesmo não pensasse em no-la fazer! Ó amor divino, que ninguém jamais poderia compreender! Ó misericórdia! ó caridade infinita, que só podem nascer duma bondade infinita!

Afetos e Súplicas. 

Ó alma, corpo e sangue de meu Jesus, eu vos adoro e agradeço; vós sois a minha esperança, vós sois o preço pago para resgatar-me do inferno que tantas vezes mereci. — Ah! e que vida infeliz e desesperada me esperaria na eternidade, se não tivésseis pensando em salvar-me com vossos sofrimentos e a vossa morte! Como pois almas remidas por vós com tanto amor, sabendo isso, podem viver sem amar-vos, e desprezar essa graça que lhes alcançastes a custo de tantas penas? E eu não sabia tudo isso? e pude ofender-vos, e ofender-vos tantas vezes? Mas, repito, o vosso sangue é a minha esperança. Reconheço, meu Salvador, a grandeza do mal que vos fiz. Oh! oxalá tivesse morrido antes mil vezes! Oxalá vos tivesse sempre amado! Agradeço o tempo que me dais ainda para o fazer. 

Espero empregar o resto da minha vida e toda a eternidade em louvar sem cessar as vossas misericórdias a meu respeito. Após os meus pecados, eu merecia mais trevas, e me destes mais luzes; merecia ser abandonado por vós, e correstes atrás de mim chamando-me com voz mais terna; merecia que meu coração ficasse mais endurecido, e vós o enternecestes e tocastes de compunção. Sim, por vossa graça sinto uma grande dor das ofensas que vos fiz, sinto em mim um vivo desejo de vos amar, e estou firmemente resolvido a antes perder tudo do que a vossa amizade, sinto por vós um amor que me faz detestar tudo o que vos desgosta; e essa dor, esse desejo, essa resolução, esse amor, quem mos dá? sois vós que mos dais por vossa misericórdia; é isso por um sinal, ó Jesus, de que me tendes perdoado, um sinal de que me amais e quereis a todo o custo a minha salvação. Quereis que me salve, e eu quero salvar-me, quero-o sobretudo para vos agradar. Vós me amais e eu também vos amo. Mas amo-vos pouco, dai-me mais amor: estou obrigado a amar-vos mais do que os outros, porque tenho recebido de vós graças mais especiais; aumentai pois em mim as chamas do vosso santo amor.

SS. Virgem Maria, fazei por vossa intercessão que o amor de Jesus consuma e destrua em mim todos os afetos estranhos a Deus. Atendeis a todos, atendei também a mim: obtende-me o amor e a perseverança.

Santo Afonso Maria de Ligório, Nascimento e Infância de Jesus Cristo.