quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Card. Domenico Bartolucci : "Hoje, mais do que nunca, devemos assumir a responsabilidade de analisar criticamente o quanto foi feito e devemos ter a coragem de reafirmar a importância das nossas tradições de beleza que exaltam e dão glória a Deus e que são também eficazes meios de conversão. Recordo-me, por ocasião dos concertos da Capela Sistina, o entusiasmo do povo, mesmo de países como Turquia e Japão, onde foram registradas diversas conversões ao catolicismo. “Quem não ama a beleza, não ama a Deus!”, disse o Santo Padre em uma das suas homilias. "

“Quam bonum est et quam jucundum, habitare fratres in unum”

Cardeal Bartolucci: “Esta é a força sempre nova do cristão que, como São Paulo, transmite aquilo que recebeu da fonte da graça”.


Na manhã da festa da Imaculada Conceição, o Maestro Domenico Bartolucci, 93 anos, criado Cardeal no dia 20 de novembro passado pelo Papa Bento XVI, celebrou a Santa Missa segundo o rito antigo na Igreja Romana da Santissima Trinità dei Pellegrini.
Bartolucci é símbolo vivo daquela grande música sacra, fundamentada sobre o canto gregoriano e polifônico, que, por séculos, se fez uma só coisa com a liturgia católica latina.
Mas o seu episódio pessoal, quando sofreu, em 1997, a expulsão brutal do coro papal da Capela Sistina, do qual era maestro “perpétuo”, é também um símbolo do exílio ao qual foi condenada esta grande música litúrgica.
Eis como o Cardeal Bartolucci traçou as duas faces desse drama, na parte central de sua homilia da missa de 8 de dezembro:
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“Quem não ama a beleza, não ama a Deus”
de Domenico Bartolucci
Cardeal Domenico Bartolucci celebrando missa prelatícia em Roma, no último dia 8, por ocasião da festa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
Cardeal Bartolucci celebrando missa prelatícia em Roma, por ocasião da festa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora.
[...] No meu sacerdócio, eu não fui um pregador, um teólogo, nem um pastor de uma diocese e nunca pronunciei grandes discursos, todavia, tenho procurado frutificar os dons que o Senhor me deu e o fiz através da música sacra, uma nobre arte capaz de penetrar efetivamente a alma dos fiéis, convidando-os à conversão, à alegria, à oração.
Particularmente na civilização ocidental, a música é a arte que, mais do que qualquer outra, deve agradecer à Igreja. Nela, realmente, nasceu, cresceu e se desenvolveu. Como tive a oportunidade de dizer já na ocasião do concerto oferecido ao Papa na Capela Sistina, os coros representaram o berço da arte musical. A própria Igreja dos primeiros séculos, tão logo teve a oportunidade de dar glória ao Senhor publicamente, empenhou-se na criação das “scholae cantorum”, que, gradualmente, ao longo dos séculos, nos deixaram em herança o patrimônio do canto sacro, o canto gregoriano e a polifonia, instrumentos autênticos de pregação, que freqüentemente, por causa de sua intensidade, conseguem fazer perceber a mensagem contida na Palavra de Deus.
Este patrimônio que hoje devemos necessariamente recuperar e que, infelizmente, tem sido negligenciado, nunca teve a intenção de se estabelecer como um “ornamento” [ndt: no sentido de adorno, enfeite] da celebração litúrgica. O cantor, como ensinaram os nossos mestres do passado, é simplesmente um ministro que exprime e torna vivo, da melhor maneira possível, o texto sagrado e a palavra de Deus. Muito freqüentemente nós, músicos da Igreja, temos sido acusados de querer impedir a participação dos fiéis nos ritos sagrados e eu mesmo, como diretor da Capela Sistina, tive de enfrentar momentos difíceis nos quais a Sagrada Liturgia sofria banalizações e experimentações áridas. Hoje, mais do que nunca, devemos assumir a responsabilidade de analisar criticamente o quanto foi feito e devemos ter a coragem de reafirmar a importância das nossas tradições de beleza que exaltam e dão glória a Deus e que são também eficazes meios de conversão. Recordo-me, por ocasião dos concertos da Capela Sistina, o entusiasmo do povo, mesmo de países como Turquia e Japão, onde foram registradas diversas conversões ao catolicismo. “Quem não ama a beleza, não ama a Deus!”, disse o Santo Padre em uma das suas homilias. Precisamos, portanto, saber como nos reapropriarmos de nós mesmos e de quanto a tradição eclesial nos deu.
Como escreveu Bento XVI às vésperas da assembléia geral dos bispos italianos reunida em Assis, em novembro passado: “Todo verdadeiro reformador, na verdade, é um obediente à fé: não se move de forma arbitrária, nem arroga para si qualquer poder discricionário sobre o rito; não é o dono, mas o guardião do tesouro instituído pelo Senhor e a nós confiado”.
Desejando seguir essa descrição, podemos olhar precisamente para a figura de Maria: ela foi a primeira guardiã do Verbo Encarnado, a serva do Senhor que soube agir sempre de acordo com a sua vontade.
Como Maria, também nós somos chamados a ser obedientes na fé, sem nos mover de forma arbitrária, mas sabendo acolher o que nos foi entregue. Esta é a nossa força, esta é a força sempre nova do cristão que, como São Paulo, transmite aquilo que recebeu da fonte da graça que, para ele, assim como para nós, é o encontro com o Senhor.
Também por isso, encontrar-me aqui, na igreja da Trinità dei Pellegrini, onde é vivo o empenho em favor da difusão da liturgia tradicional, é para mim motivo de alegria e esperança que me faz tocar com a mão alguns frutos que se seguiram à publicação do motu proprio “Summorum Pontificum”.
Em um momento difícil, somos todos chamados em nosso serviço a nos unirmos ao sucessor de Pedro: como Pedro, também nós devemos nos converter ao Senhor crucificado e ressuscitado, não nos desanimando nunca diante da realidade da cruz e com a certeza de tomar parte um dia de sua própria ressurreição.
Esse, antes do nosso, foi o caminho de Maria, um caminho que a Igreja procurou propor como modelo e que mesmo os fiéis quiseram exaltar e exprimir na riquíssima devoção popular. Também eu, entre as músicas compostas desde quando era um jovem seminarista, tenho dedicado grande parte a Maria. A festa da Imaculada Conceição me faz pensar em tantas músicas escritas em honra a Nossa Senhora: missas, laudes, motetos, magnificat, Stabat Mater, mas me faz pensar especialmente nas numerosas antífonas marianas que o povo soube fazer suas e que cantava em honra à Mãe celeste, encontrando nela o ícone da fé. [...]
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Uma pequena nota. Quando Bartolucci, em sua homilia, disse que o canto gregoriano e a polifonia “nunca tiveram a intenção de se estabelecer como um ‘ornamento’ da celebração litúrgica”, ele inverte com destreza a imprudente tese de seu atual, desmerecedor, sucessor na direção Capela Sistina, Massimo Palombella , que, em um recente editorial na revista “Armonia di voci”, escreveu que apenas “com a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II a música não se põe mais como um elemento ‘ornamental’ do rito”.