Queridos irmãos e irmãs:
Nas catequeses das semanas anteriores, apresentei alguns aspectos da teologia medieval. Mas a fé cristã, profundamente enraizada nos homens e nas mulheres daqueles séculos, não somente deu origem a obras-primas da literatura teológica, do pensamento e da fé. Inspirou também uma das criações artísticas mais elevadas da civilização universal: as catedrais, verdadeira glória da Idade Média cristã. De fato, durante quase 3 séculos, a partir do século XI, assistiu-se na Europa um fervor artístico extraordinário.
Um antigo cronista descreve assim o entusiasmo e a laboriosidade daquele tempo: “Aconteceu que, no mundo inteiro, mas especialmente na Itália e nas Gálias, começaram a reconstruir as igrejas, ainda que muitas delas, ao estarem em boas condições, não tiveram necessidade desta restauração. Era como uma competição entre um povoado e outro; parecia que o mundo, limpando-se dos velhos trapos, queria revestir-se por todas as partes da veste branca de novas igrejas. Em suma, quase todas as igrejas catedrais, um grande número de igrejas monásticas e inclusive capelas de povos, foram então restauradas pelos fiéis” (Rodolfo o Glabro, Historiarum 3,4).
Vários fatores contribuíram para este renascimento da arquitetura religiosa. Antes de mais nada, condições históricas mais favoráveis, como uma maior segurança política, acompanhada por um constante aumento da população e pelo progressivo desenvolvimento das cidades, dos intercâmbios e da riqueza. Além disso, os arquitetos encontravam soluções técnicas cada vez mais elaboradas para aumentar a dimensão dos edifícios, assegurando ao mesmo tempo sua firmeza e a majestosidade.
Contudo, foi principalmente graças ao ardor e ao zelo espiritual do monaquismo em plena expansão que se levantaram igrejas abaciais, em que a liturgia podia ser celebrada com dignidade e solenidade e os fiéis podiam permanecer em oração, atraídos pela veneração das relíquias dos santos, meta de incessantes peregrinações. Nasceram assim as igrejas e as catedrais românicas, caracterizadas pelo seu desenvolvimento longitudinal, ao longo das naves para acolher numerosos fiéis; igrejas muito sólidas, com muros espessos, abóbadas de pedra e linhas simples e essenciais.
Uma novidade é representada pela introdução de esculturas. Sendo as igrejas românicas o lugar da oração monástica e do culto dos fiéis, os escultores, mais que preocupar-se pela perfeição técnica, cuidaram sobretudo da finalidade educativa. Era necessário suscitar nas almas impressões fortes, sentimentos que pudessem incitar a fugir do vício, do mal e praticar a virtude, o bem. O tema recorrente era a representação de Cristo como juiz universal, rodeado dos personagens do Apocalipse. São em geral as portadas românicas que oferecem esta representação, para sublinhar que Cristo é a porta que conduz ao céu.
Os fiéis, atravessando o limiar do edifício sagrado, entram em um tempo e em um espaço diferentes dos da vida ordinária. Muito além do portal da igreja, os crentes em Cristo, soberano, justo e misericordioso, na intenção dos artistas, podiam provar uma antecipação da felicidade eterna na celebração da liturgia e nos atos de piedade levados a cabo dentro do edifício sacro.
Nos séculos XII e XIII, a partir do norte da França, difundiu-se outro tipo de arquitetura na construção dos edifícios sagrados, a gótica, com duas características novas com relação ao românico, e são o impulso vertical e a luminosidade. As catedrais góticas mostravam uma síntese de fé e de arte harmonicamente expressada através da linguagem universal e fascinante da beleza, que ainda hoje suscita estupor.
Graças à introdução das abóbadas ogivais, que se apoiavam sobre robustos pilares, foi possível subir notavelmente sua altura. O impulso ao alto queria convidar à oração e era em si mesmo uma oração. A catedral gótica queria traduzir, assim, em suas linhas arquitetônicas, o desejo das almas por Deus. Além disso, com as novas soluções técnicas adotadas, os muros perimetrais podiam ser cobertos e embelecidos por vidreiras policromadas. Em outras palavras, as janelas se convertiam assim em grandes figuras luminosas, muito adaptadas para instruir o povo na fé. Nelas – cena a cena – se narrava a vida de um santo, uma parábola ou outros acontecimentos bíblicos. Das vidreiras pintadas se derramava uma cascata de luz sobre os fiéis para narrar-lhes a história da salvação e envolvê-los nesta história.
Outro mérito das catedrais góticas é o fato de que, em sua construção e decoração, de modo diferente, mas coordenado, participava toda a comunidade cristã e civil; participavam os humildes e os poderosos, os analfabetos e os doutos, porque nesta casa comum, todos os crentes eram instruídos na fé. A escultura gótica fez das catedrais uma “Bíblia de pedra”, representando os episódios do Evangelho e ilustrando os conteúdos do ano litúrgico, desde o Natal até a Glorificação do Senhor.
Naqueles séculos, além disso, difundia-se cada vez mais a percepção da humanidade do Senhor, e os sofrimentos da sua Paixão eram representados de forma realista: o Cristo sofredor (Christus patiens) se converteu em uma imagem amada por todos e capaz de inspirar piedade e arrependimento pelos pecados. Não faltavam os personagens do Antigo Testamento, cuja história se converteu em familiar para os fiéis de tal modo, que frequentavam as catedrais como parte da única e comum história da salvação. Com seus rostos repletos de beleza, de doçura, de inteligência, a escultura gótica do século XIII revela uma piedade feliz e serena, que se compraz em emanar uma devoção sentida e filial pela Mãe de Deus, vista às vezes como uma jovem mulher, sorridente e maternal, e principalmente representada como a soberana do céu e da terra, potente e misericordiosa. Os fiéis que lotavam as catedrais góticas queriam encontrar nelas também expressões artísticas que recordassem os santos, modelos de vida cristã e intercessores diante de Deus. E não faltavam as manifestações “leigas” da existência; daí que aparecessem, em um lugar ou outro, representações do trabalho nos campos, das ciências e das artes. Tudo estava orientado e oferecido a Deus no lugar em que se celebrava a liturgia.
Podemos compreender melhor o sentido que se atribuía a uma catedral gótica, considerando o texto da inscrição escrita sobre a porta principal de Saint-Denis, em Paris: “Transeunte, que queres louvar a beleza destas portas, não te deixes deslumbrar nem pelo ouro nem pela magnificência, mas pelo trabalho fatigoso. Aqui brilha uma obra famosa, mas queira o céu que esta obra famosa que brilha faça resplandecer os espíritos, para que, com as verdades luminosas, eles se encaminhem rumo à luz verdadeira, onde Cristo é a verdadeira porta”.
Queridos irmãos e irmãs, quero agora sublinhar dois elementos da arte românica e gótica úteis também para nós.
O primeiro: as obras de arte nascidas na Europa nos séculos passados são incompreensíveis quando não se leva em consideração a alma religiosa que as inspirou. Um artista, que sempre deu testemunho do encontro entre estética e fé, Marc Chagall, escreveu que “os pintores, durante séculos, tingiram seu pincel nesse alfabeto colorido que era a Bíblia”. Quando a fé, de modo particular celebrada na liturgia, encontra-se com a arte, cria-se uma sintonia profunda, porque ambas podem e querem falar de Deus, tornando visível o Invisível. Eu gostaria de compartilhar isso no encontro com os artistas no dia 21 de novembro, renovando-lhes essa proposta de amizade entre a espiritualidade cristã e a arte, augurada pelos meus venerados predecessores, em particular pelos servos de Deus Paulo VI e João Paulo II.
O segundo elemento: as forças do estilo românico e o esplendor das catedrais góticas nos recordam que a via pulchritudinis, a via da beleza, é um percorrido privilegiado e fascinante para aproximar-se do Mistério de Deus. O que é a beleza, que escritores, poetas, músicos, artistas contemplam e traduzem em sua linguagem, senão o reflexo do esplendor do Verbo eterno feito carne?
Santo Agostinho afirma: “Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar amplo e difuso; interroga a beleza do céu, interroga a ordem das estrelas; interroga o sol, que com o seu esplendor ilumina o dia; interroga a lua, que com sua claridade modera as trevas da noite; interroga as feras que se movem na água, que caminham sobre a terra, que voam no ar: almas que se escondem, corpos que se mostram; visível que se deixa guiar, invisível que guia. Interroga-os! Todos te responderão: Vê-nos: somos belos! Sua própria beleza se dá a conhecer. Esta beleza imutável, quem a criou, senão a Beleza imutável?” (Sermão CCXLI, 2: PL 38, 1134).
Queridos irmãos e irmãs: que o Senhor nos ajude a redescobrir o caminho da beleza como um dos caminhos – talvez o mais atraente e fascinante – para chegar a encontrar e amar a Deus.
[No final da audiência, o Papa cumprimentou os peregrinos em vários idiomas. Em português, disse:]
Fruto de uma profunda harmonia entre a fé cristã e a cultura, a Idade Média viu nascer uma das maiores criações artísticas da civilização universal: as igrejas e catedrais românicas e góticas. A partir do século IX, surgem as sólidas construções românicas caracterizadas pelo aumento das dimensões longitudinais e pelas suas abóbadas em pedra com traços simples e essenciais. Nos séculos XII e XIII, chega-se às majestosas catedrais góticas, que se distinguem das românicas pela altura esguia das construções e a sua luminosidade. O objetivo era traduzir, através das suas linhas arquitetônicas, o desejo de Deus no coração do homem. Contemplando a força do estilo românico e o esplendor do gótico, adentramo-nos na senda da beleza, que é um caminho privilegiado e fascinante para nos aproximar do Mistério de Deus.
A minha saudação a todos peregrinos de língua portuguesa, com uma bênção particular para o grupo vindo do Brasil. Que Nossa Senhora vos acompanhe e ampare na caminhada da vida e no crescimento cristão, conservando a vós e a quantos vos são queridos na perene amizade de Deus.
A catedral: “Bíblia dos pobres” para o “santo povo de Deus”
Catedral de Chartres: o anjo (acima à esquerda) segura Abraão no momento que ia sacrificar Isaac (embaixo, direita)
O nome de Biblia Pauperum ‒ Bíblia dos pobres – que os impressores do século XV deram a um de seus primeiros livros pode ser bem atribuído às catedrais e igrejas.
Nelas, o simples, o ignorante, todos aqueles que pertenciam à chamada “sancta plebs Dei” ‒ a santa plebe de Deus ‒ aprendiam com seus olhos quase tudo o que sabiam sobre sua fé.
As grandes imagens de espiritualizada conceição apareciam como testemunhas eloqüentes da verdade do ensinamento da Igreja.
As inúmeras estátuas distribuídas segundo um plano escolástico eram o símbolo da maravilhosa ordem que, por meio do gênio de Santo Tomás de Aquino, reinava no mundo do pensamento.
Por meio da arte as mais altas conceições da teologia e da universidade penetravam, em alguma medida, nas mentes do povo mais humilde.
Nós devemos considerar a arte do século XIII como um todo vivo, como um sistema acabado, e nós devemos estudar o modo como ele refletia o pensamento da Idade Média.
Deste modo nós poderemos nos fazer uma certa idéia do alcance verdadeiramente enciclopédico da arte medieval. O século XIII é o foco de nosso estudo porque nele a arte com admirável esforço tentou abarcar todas as coisas.
Catedral de Chartres: Cristo reinante com os quatro evangelhos
A iconografia dos mais ricos trabalhos românicos é pobre demais se comparada com a plenitude do imaginário gótico.
O século XIII é precisamente aquele em que as fachadas das grandes igrejas francesas foram concebidas e realizadas.
Nós não limitamos nosso estudo à arte francesa porque achamos que a arte dos países vizinhos obedeça a regras diferentes das nossas. Pelo contrário, o caráter da arte do século XIII era verdadeiramente universal como o ensinamento da Igreja.
Nós nos contentamos com os grandes temas desenvolvidos com admiração em Burgos, Toledo, Siena, Orvieto, Bamberg, Friburg, da mesma maneira que em Paris ou Reims.
Nós estamos certos que o pensamento cristão não se exprime em outras partes como na França. Em toda Europa não há um conjunto de obras de arte dogmática pelo menos comparável ao que encontramos na catedral de Chartres.
Foi na França que a doutrina da Idade Média atingiu sua forma artística perfeita. A França do século XIII foi a mais plena manifestação do pensamento cristão.
A Luz de Cristo que brilha suavemente nas catedrais traz uma saudade e um apelo
Assim como quando acabou o Dilúvio um arco-íris pousou sobre a terra, assim também, quando o aperfeiçoamento da Igreja e da obra de Nosso Senhor Jesus Cristo na terra chegou a um determinado grau, as almas humanas teriam recebido esse discernimento.
Era um enorme discernimento coletivo dos espíritos como se uma luz do Divino Espírito Santo se tornasse sensível à mente dos homens.
E eles discerniam belezas na Igreja Católica que eles traduziram por esses modos maravilhosos que o estilo gótico excogitou.
Esse discernimento manifestava-se não só na arte eclesiástica. Ele vivia palpitante em mil outros aspectos da vida real!
Na corporação de ofício, na aldeia de marzipã, na inocência dos camponeses que nos aparecem nas iluminuras ou nos vitrais, na paz com dos gizantes, com as mãos postas, numa tranqüilidade que é desconcertante para nós, homens de hoje.
Em tudo isso, o homem fazia transparecer mais e melhor a Deus Nosso Senhor que se fizera luz através da Igreja Católica.
Epifania! Nosso Senhor se mostra em Belém a todos os povos mostrando-se para esses três reis pagãos que eram os Reis Magos. Naquele momento o “Lumen Christi” ‒ a Luz de Cristo” ‒ brilhou para os pastores e os reis que viram o Menino Deus.
Em Belém teria começado uma ação cujo ápice histórico se teria conseguido no momento em que sobrenaturalmente sensível a todos os homens na época em que o “Evangelho penetrava todas as instituições, como S.S. Leão XIII qualificou a Idade Média.
Não se tratava de uma visão, mas de algo que participa ligeiramente de uma visão geral. Era uma Epifania de Nosso Senhor Jesus Cristo a todos os povos da Europa medieval amada, batizada e civilizada.
Veio depois o trabalho maldito da extirpação. Essa “Luz de Cristo” que resplandecia suavemente na idade Média foi sendo extirpado ponto por ponto, de fora para dentro.
Primeiro veio a Renascença, depois o Protestantismo, a Revolução Francesa e a comunista. De início propôs aos homens as belezas do apenas clássico, do barroco, depois do romântico, com estados de espíritos e modos de ser culturais e morais, cada vez mais vazios daquela Luz de Belém.
E os homens foram aos poucos, aceitando. Afinal aparece a luz sinistra do socialismo e do comunismo bradando “morra a beleza, morra Deus”.
Mas ainda fica ‒ em uns mais, em outros menos ‒ uma coluna de fogo dentro da alma que os torna sensíveis a esse “Lumen Christi” que resplandece nas catedrais medievais.
Então, nós vemos almas indiferentes ao gótico e simpáticas ao socialismo.
Porém, encontramos outras que conservam alguma grandeza e se voltam para a Luz de Cristo que emana daquelas catedrais, admiram-no, amam-no, tem saudade dele.
No fundo é uma saudade de Deus. E de Deus glorificado nesta terra.
O órgão é a voz da catedral medieval, eco da voz da Igreja Católica e do próprio Deus
Procuremos lembrar-se da sensação quando ouvimos pela primeira vez um órgão tocar.
A primeira sensação que eu tive foi de surpresa. Como quem diz: eu não imaginava! A surpresa era seguida de um maravilhamento: que elevado!
Clique para ouvir Missa para os conventos: com registros plenos:
Como isso tende para cima! Que movimento para cima!
Como vai a uma altura que há uma verdadeira audácia que se quereria ter essa altura! Como isto perfura!
Que alma corajosa! E de quanta coisa esta alma discrepou e se descolou e com que entusiasmo ela sobe!
Quantas coisas há em mim que quereriam subir assim e que dão vontade de subir! O que é que há nesta altura? Para onde sobe isto e como é que é imaginável aquilo que vai encontrar?
O órgão tocando suscita a idéia de um Céu infinito, de uma santidade, de uma pureza, de uma harmonia, de uma afabilidade e uma intransigência absoluta! É para lá que a alma inteira ruma na primeira vez!
‒ Órgão! Isto é um instrumento, não é uma orquestra! Oh! Que coisa extraordinária! É assim que se deve ser!
Clique para ouvir Missa para os conventos: diálogo com registro de voz humana:
Estes são movimentos que entretanto, passam rapidamente em algumas almas.
Em outras, se a alma continua fiel, há uma espécie de identidade dela consigo mesma e esses movimentos fixam-se para todo o sempre.
A alma só é o ser que Deus criou na medida em que esse movimento habita nela a ela vive disso.
Na medida em que a alma não tem esse movimento e não vive para isso, ela não é a alma com a fisionomia que Deus quis para ela.
Clique para ouvir Missa para os conventos: música para a Elevação:
Para ser ela mesma é preciso ser a imagem e semelhança de Deus. Se ela não é idêntica com Deus, não tem identidade com consigo mesma.
O movimento de alma que estou descrevendo e que um órgão pode suscitar de algum modo a Igreja sempre teve, é inerente à Igreja.
Isto era o estado comum em que os homens viviam, rezavam, combatiam, descansavam, festejavam e morriam na ordem medieval. Tudo era feito nesta atmosfera.
O comum do homem era viver atrás dos vitrais, ao som dos órgãos, em contato com o granito e, por detrás de muralhas, tendo armas como ornamento das paredes! Tudo isso era o comum.
Por que? Porque essa tendência para o alto, o discernimento do mais alto dos mais altos, penetrou à fundo na alma do homem medieval.
Ele não concebia a possibilidade de fazer uma janela de quarto de empregado sem que fosse uma ogiva!
Era a forma natural de todas as janelas, de todas as portas, de todas as comunicações, dos adornos, dos enfeites, de tudo!
Essa atmosfera da vida se transmitiu por várias gerações e foi, dentro dos homens, uma coluna, um fogo, uma força que quatro ou cinco séculos de Revolução não conseguiram exterminar inteiramente e que resta em nós sob a forma de um precioso legado de tradição.
Notre Dame de Paris, catedral perfeita onde a face da Igreja Católica Apostólica e Romana se reflete com toda a sua santidade
As fotografias que eu via da catedral de Notre Dame quando eu era menininho determinavam um impulso da alma para ela, que era uma coisa indescritível.
Eu dizia: “Aquilo é, aquilo deve ser!
“Assim é a igreja das igrejas, a igreja perfeita.
“Onde a face da Igreja Católica Apostólica e Romana se reflete com toda a perfeição de sua santidade”.
Imaginemos que os homens, que são os reis da criação e, portanto, o teto da criação visível nessa terra — os anjos que são invisíveis e não são dessa terra —, se os homens atingissem toda a santidade para a qual eles são chamados.
E de posse dessa santidade, eles pudessem, sem ser coarctados pelo poder das trevas, construir livremente, organizar, arranjar, etc., etc., como o interior de suas almas lhes fala.
Clique para ouvir os sinos da torre norte da catedral de Notre Dame de Paris :
O que é que eles fariam?
Notre Dame é um exemplo, um início de caminho de tudo quanto o os homens poderiam ter feito se tivessem continuado pelo trilho da Civilização Cristã.
Do alto da catedral: o sorriso e a benção de Nossa Senhora para a Cristandade medieval
Em Notre Dame é muito agradável, ao menos para os meus olhos, o contraste entre a altura da Catedral e a largura.
Ela é esguia, muito mais alta do que larga. De maneira que tendo uma boa largura — não pode de nenhum modo ser chamada de um edifício frágil — ela é graciosa, leve, mas tem um quê de fortaleza que é absolutamente incontestável.
Ela nos fala da plenitude do espírito da Idade Média. Espírito hierático, sacral, hierárquico, ordenado, todo voltado para o que há de mais alto, em que a maior seriedade se combina bem com a graça mais leve e com a delicadeza mais extrema.
Os mais belos aspectos da alma católica aparecem a todo propósito em todos os ângulos da Catedral.
Essa é a Catedral de Notre Dame.
É ou não é verdade que se tem a impressão que cenas desenroladas nessa Catedral ainda estão vivas?
Do alto do lugar onde está entronizada a imagem de Nossa Senhora, que tem como auréola toda aquela rosácea — a cabeça da Imagem fica bem no centro da rosácea central —, sorri para os seus filhos que passam pela praça.
Sorri contente para uma Igreja que está em bom estado, sorri contente para uma Cristandade que afinal é o Reino de Filho dEla.
Há qualquer coisa da glória da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo no ar triunfal dessa Catedral.
Notre Dame providencialmente salva pelo tufão da Revolução Francesa!
Quando aparece a Catedral de Notre Dame, aparece uma coisa que deixa todas as outras coisas de lado, mesmo São Marcos.
Na praça completamente vazia, Notre Dame aparece intensamente iluminada .
O granito com o qual foi construída a Catedral, foi objeto há alguns anos atrás de uma limpeza. Dela emergiu a pedra virgem como os construtores a fizeram, como a Catedral teve na sua originária limpeza.
As três portas do primeiro pavimento têm lindíssimas ogivas, profundas, indicando bem a espessura das paredes da Catedral.
Em cada portal, há várias linhas com episódios da História Sagrada esculpidos de um lado e de outro.
Em cima há uma fileira formando a galeria dos antepassados de Nosso Senhor Jesus Cristo, rei de Judá, e que é interpretada como sendo dos Reis da França.
A Revolução Francesa, sempre igual a si mesma, e incomparável em infâmia, exceto a traição de Judas; não contente em decapitar Luis XVI, mandou uns bárbaros subirem até essas cabeças e degolá-las todas.
De maneira que esses corpos ficaram sem cabeça durante muito tempo.
No século XX, fazendo obras nos porões de um banco, os operários encontraram lá as cabeças desses reis, que um homem do povo, piedoso, com concurso provavelmente de alguns outros, salvou-as durante a noite enterrando-as fundo no chão, a pequena distância da Catedral.
São cabeças enormes. A simples vista parecem de tamanho natural, mas a Catedral é muito alta e não se tem idéia do tamanho das cabeças no chão.
Muito tempo depois essa piedade foi compensada, porque as cabeças foram recuperadas e estão no Museu de Cluny. Foram feitas outras idênticas que se encontram no local certo.
Afinal, a Catedral ficou de uma grande beleza.
Clique para ouvir o carilhão das horas da catedral de Paris :
A Catedral não deveria ter ficado nisso. As torres deveriam ter ido mais alto. Mas o estilo gótico morreu ao sopro maldito da Renascença e do Humanismo.
Com isso não se conservaram as torres, só ficaram aquelas pequenas guaritas no canto cheias de encanto e de beleza.
O talento desapareceu do mundo e começou o período negro da história da Catedral.
Começou a ser negligenciada, relaxada, incompreendida, até que numa das reuniões do Conselho de Estado de Luís XVI, foi decidido destruí-la, como sendo uma reminiscência dos tempos bárbaros! Isso era barbárie!
Mas a resolução real só não foi cumprida porque veio a Revolução Francesa. Todo mundo pensou em outra coisa.
Os desígnios de Deus são impenetráveis. A Revolução destruiu tanta coisa, mas salvou involuntariamente Notre Dame.
A lógica de Notre Dame e o arrebato do estilo bizantino
Notre Dame é irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima, tudo lógico, mas um lógico com poesia.
São as lógicas não do filosofastro, mas as lógicas da mãe de família, do pai, da vida, é essa lógica, verdadeira.
Então é disso que às vezes a arquitetura apresenta.
Mas às vezes a arquitetura borbulha, e apresenta coisas meio inesperadas.
E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, êxtases, impulsos, generosidade, nos lances a la Santa Teresa de Jesus por exemplo, que deixam a alma desconcertada diante de sua grandeza, a la Santo Inácio de Loyola, etc.
Isso se exprime mais na arquitetura religiosa da Igreja Grega do tempo que estava unida à Igreja Católica.
Os cismáticos levaram consigo, roubaram, como tantas outras coisas.
E daí vem o jogo de várias cúpulas que borbulham como o mar se move e que se nota em Santo Antônio de Pádua.
(Fonte: Plinio Corrêa de Oliveira, 25/11/88. Sem revisão do autor.)
As Catedrais de Colônia e Notre-Dame se completam para dar uma idéia do próprio Deus
Notre Dame de Paris ou a Cateral de Colônia?
Fica-se mal à vontade discutindo qual catedral merece o primado. Porque a gente vê que Deus queria que houvesse uma e outra, para se somarem e darem cada uma idéia especial d’Ele.
E aí, do fundo de nossas almas, sobe uma coisa que é uma super luz, mas ao mesmo tempo é penumbra ou obscuridade sem ser treva.
É a idéia de todas as catedrais góticas do mundo, as que foram construídas e as que não foram construídas, todas elas dão uma idéia de conjunto de Deus.
Entretanto, Deus ainda é infinitamente mais do que isso.
Clique para ouvir o sino môr da catedral de Paris :
Aí o espírito que inspirou todas essas catedrais nos aparece. E mais nós vivemos no Céu do que na Terra.
Aí nasce o nosso desejo de numa outra vida, conhecer um Outro, tão interno em mim que é mais eu do que eu mesmo, mas tão superior a mim que eu não sou nem sequer um grão de poeira em comparação com Ele.
Aí nós dizemos: “Ah, eu compreendo, o Céu deve ser assim!”
Quer dizer, a inocência, em cada um de nós, caminha para isto. Ela visa revelar no fundo de nossas almas essas formas de maravilha para as quais elas são feitas.
Para assim nós nos prepararmos para amar a Deus, dar-Lhe glória, e servi-Lo nesta Terra, e depois conhecê-Lo, amá-Lo e dar-Lhe glória por toda a eternidade. Essa é a nossa finalidade.
Então, a inocência dá a impostação primeira de nosso fim. E dá o caminho que conduz para o nosso fim.
A virtude que faz com que nós nos ponhamos em movimento para aquele fim se chama a sabedoria.
Basílica de São Remígio: o ambiente sobrenatural no dia do batismo de Clóvis, rei dos francos
Pode-se imaginar a intensidade da graça do momento em que Clóvis, rei dos francos, foi batizado na basílica de São Remígio, em Reims (França)?
Naquele momento nasceu para a Igreja Católica a nação francesa com todas as glórias que ela traria para Deus.
Nesse dia, a Igreja batizou a sua filha primogênita.
Podem-se imaginar graças de alegria, de afeto, de força, de entusiasmo, de energias naturais e sobrenaturais absolutamente novas nesse momento.
Teve algo de parecido com o mundo depois que Noé e os dele saíram da arca e se viu o Arco-Íris. Esta deveria ser a atmosfera dentro da Catedral de Reims.
Então, nós compreendemos a glória de São Remígio. Quantas orações ele há de ter feito, quantos sofrimentos ele há de ter padecido, para que essa imensa aspiração que ele trazia ‒ e que era o contrário do mundo pagão em desordem ‒, afinal de contas virasse realidade.
Há imagens da Idade Média representando pessoas puras que, quando dormiam o sono eterno, da boca nascia um lírio.
De São Remígio nasceu muito mais do que um lírio: nasceu a flor-de-lis da França.
Da alma e da santidade desse bispo, das orações de santa Clotilde, mãe de Clóvis, nasceu a grandeza da França que veio depois.
Depois de ter sido batizado Clovis, foi batizado mais alguém.
Esse alguém foi o ponto de partida genealógico, segundo aquelas genealogias um pouco fabulosas mas imensamente simpáticas da Idade Média, da casa de Montmorency.
Os duques de Montmorency iam para a batalha com sua mesnada. E todos gritavam marchando para o inimigo de espada em punho: “Dieu aide le premier chrétien”: “Que Deus ajude o primeiro cristão!”
Nesta história sente-se que há uma aliança do primeiro cristão com Deus que é uma coisa inefável, maravilhosa.
Mais bonito do que o ambiente de graças do batismo de Clóvis só entrar no Céu. Ai então tudo é indescritível, e tudo quanto há na terra são prefiguras.
Uma prefigura do Céu viveu-se naquele dia em que São Remígio batizou Clóvis e, com ele, a nascente nação francesa.
A catedral medieval nos faz sentir no seio da Jerusalém celeste
“Penetremos na catedral. A sublimidade das grandes linhas verticais atua logo de início sobre a alma.
“É impossível entrar na grande nave de Amiens sem se sentir purificado. Unicamente por sua beleza, ela age como um sacramento. Ali também encontramos um espelho do mundo.
“Assim como a planície, como a floresta, ela tem sua atmosfera, seu perfume, sua luz, seu claro-obscuro, suas sombras. [...]
“Mas é um mundo transfigurado, no qual a luz é mais brilhante que a da realidade, e no qual as sombras são mais misteriosas.
“Sentimo-nos no seio da Jerusalém celeste, da cidade futura. Saboreamos a paz profunda; o ruído da vida quebra-se nos muros do santuário e torna-se um rumor longínquo: eis aí a arca indestrutível, contra a qual as tempestades não prevalecerão.
“Nenhum lugar no mundo pôde comunicar aos homens um sentimento de segurança mais profundo.
“Isto que nós sentimos ainda hoje, quão mais vivamente o sentiram os homens da Idade Média! A catedral foi para eles a revelação total.
“Palavra, música, drama vivo dos Mistérios, drama imóvel das imagens, todas as artes ali se harmonizavam. Era algo além da arte, era a pura luz, antes que ela se tivesse diversificado em fachos múltiplos pelo prisma.
“O homem confinado numa classe social, numa profissão, disperso, esmagado pelo trabalho de todos os dias e pela vida, nela retomava o sentimento de unidade da sua natureza; ele ali encontrava o equilíbrio e a harmonia.
“A multidão, reunida para as grandes festas, sentia que ela era a própria unidade viva; ela tornava-se o corpo místico de Cristo, cuja alma se confundia com sua alma.
“Os fiéis eram a humanidade, a catedral era o mundo, o espírito de Deus pairava ao mesmo tempo sobre o homem e a criação. A palavra de São Paulo tornava-se uma realidade: vivia-se e movia-se em Deus.
“Eis o que sentia confusamente o homem da Idade Média, no belo dia de Natal ou de Páscoa, quando os ombros se tocavam, quando a cidade inteira lotava a imensa igreja.
“Símbolo de fé, a catedral foi também um símbolo de amor. Todos para ela trabalharam. O povo ofereceu o que tinha: seus braços robustos. Ele se atrelava aos carros, carregava as pedras nas costas, tinha a boa vontade do gigante São Cristóvão.
“O burguês deu seu dinheiro, o barão sua terra, o artista seu gênio. Durante mais de dois séculos, todas as forças vivas da França colaboraram: daí vem a vida possante que se irradia dessas obras.
“Até os mortos associavam-se aos vivos: a catedral era pavimentada de pedras tumulares; as gerações antigas, com as mãos juntas sobre suas lápides mortuárias, continuavam a rezar na velha igreja.
“Nela, o passado e o presente uniam-se num mesmo sentimento de amor. Ela era a consciência da cidade. [...]
“No século XIII, ricos e pobres têm as mesmas alegrias artísticas. Não há de um lado o povo e de outro uma classe de pretensos eruditos. A igreja é a casa de todos, a arte traduz o pensamento de todos. [...] A arte do século XIII exprime plenamente uma civilização, uma idade da História. A catedral pode substituir todos os livros.
“E não é somente o gênio da Cristandade, é o gênio da França que desabrocha aqui. Sem dúvida, as idéias que tomaram corpo nas catedrais não nos pertencem com exclusividade: elas são o patrimônio comum da Europa católica. Mas a França aqui se reconhece em sua paixão pelo universal. [...]
“Quando compreenderemos que, no domínio da arte, a França jamais fez algo de maior?”
(Fonte: Émile Mâle, L´Art religieux du XIIIe siècle en France, Le Livre de Poche, Paris, 1969, pp. 448 ss (primeira edição: 1898). Obra premiada pela Académie Française e pela Académie des Inscriptions et Belles-Lettres. Apud "Catolicismo").
Jesus Cristo é o centro da História, proclama a catedral gótica
A belíssima página que a seguir transcrevemos –– de Émile Male, um historiador francês de grande envergadura, especializado em história da arte — apresenta-se como um bálsamo para as feridas que em nossas almas abriu esta época na qual vivemos. Ele nos fala da catedral medieval, especialmente a do século XIII, na França. Temos a impressão de estar lendo um poema que faz voar nosso espírito para longe das maldições deste século: os horrores da luta de classes, o desvario a que se chegou a propósito dos chamados direitos humanos, as invejas, os escândalos que se atropelam uns aos outros, as perversões morais, o terrorismo, a contínua insegurança e tudo o mais.
“Na catedral inteira sente-se a certeza e a fé; em nenhum lugar a dúvida. Esta impressão de serenidade, a catedral ainda hoje no-la transmite, por pouco que queiramos prestar atenção.
“Esqueçamos por um momento nossas inquietações, nossos sistemas. Vamos a ela. De longe, com seus transeptos, suas flechas e suas torres, ela nos parece uma nau possante, partindo para uma longa viagem. Toda a cidade pode embarcar sem temor em seus robustos flancos.
“Aproximemo-nos. No pórtico, encontramos logo Jesus Cristo, como o encontra todo homem que vem a este mundo. Ele é a chave do enigma da vida.
“Em torno d’Ele está escrita uma resposta a todas as nossas questões. Ficamos sabendo como o mundo começou e como terminará; as estátuas, das quais cada uma é símbolo de uma idade do mundo, nos dão a medida de sua duração.
“Todos os homens cuja história nos importa conhecer, nós os temos diante dos olhos — são aqueles que na Antiga ou na Nova Lei foram símbolos de Jesus Cristo — pois os homens só existem na medida em que participam da natureza do Salvador. Os outros — reis, conquistadores, filósofos — são apenas sombras vãs. Assim o mundo e a história do mundo se nos tornam claros.
“Mas nossa própria história vem escrita ao lado da história desse vasto universo. Nós aí aprendemos que nossa vida deve ser um combate: luta contra a natureza a cada estação do ano, luta contra nós mesmos a todos os instantes, eterna psicomaquia. Àqueles que bem combateram, os anjos, do alto do Céu, estendem coroas.
Há lugar aqui para uma dúvida, ou para uma mera inquietação de espírito?”
VENEZA: o Campanário da catedral São Marcos, obra prima medieval, reconstruída por São Pio X
Um dos marcos da cidade de Veneza, Il Campanile di San Marco (O Campanário de São Marcos), afetuosamente chamado de "El Parón de Casa" (o Senhor da Casa) pelos Venezianos.
É uma imponente torre que marcava as horas da cidade. Atualmente pode-se subir e contemplar a cidade de Veneza.
A construção do Campanile original iniciou-se no século IX, perdurando até o século XII. Tem 98,5 mts. De altura e é o prédio mais alto de Veneza.
O aspecto atual do Campanile é uma réplica exata do original. Ele colapsou em 14 de Julho de 1902, não fazendo qualquer vitima.
Sua reconstrução iniciou-se em 1903 por ordem de São Pio X, enquanto cardeal de Veneza e finalizou no 25 de abril de 1912.
Na torre existiam 5 grandes sinos:
* O maior, "La Marangona" dobrava pela manhã e pela tarde anunciando o principio e o fim do dia de trabalho, e tocava também para as reuniões do Conselho no Palacio dos Doges. Este Sino sobreviveu ao colapso da torre em 1902, e foi reinstalado, na nova torre. Atualmente ele toca em verão durante o dia de meia em meia hora para alegria dos Venezianos e dos visitantes da cidade.
* O Segundo, "La Trottiéra" que chamava no Séc. XIV os magistrados para as reuniões no Palácio Ducal.
* O terceiro, "La Nona" que dobrava à nona hora, meio-dia.
* quarto "La Mezza Terza, o dei Pregádi" que chamava os senadores ao palácio.
* O quinto e menor sino era "La Renghiéra (o maleficio)" que anunciava as condenações à morte.
Notre-Dame e Colônia duas catedrais co-irmãs como um par de asas
A Igreja, sempre sábia e sempre única no supra-sumo de sua sabedoria, proíbe de se fazer comparação de santo com santo. Porque todo santo é incomparável.
Por razões análogas, é um pouco impróprio comparar certos monumentos góticos uns com os outros.
E, portanto, comparar Notre-Dame com a catedral de Colônia.
É a Cristandade que fez essas catedrais. O que inspirou aqueles monumentos foi o Sangue que Cristo Nosso Senhor derramou na Cruz, e as lágrimas que Maria chorou. Isto é que de fato produziu as catedrais e a outras maravilhas. O resto são pormenores.
Sem fazer a menor comparação entre povo francês e povo alemão, eu olho para a fachada de Notre-Dame e me extasio!
Tão bem arranjada, tão simétrica!
Nela, a fantasia e a boa ordem se completam, o rigor da lógica floresce num sorriso cheio de distinção.
A Catedral parece dizer:
“Olha, o ponto final da harmonia, da beleza, da dignidade... Procure pela terra inteira, a ver se encontras mais longe, e tu não encontrarás!”
E a gente olha, e diz da Catedral o que a Escritura diz de Jerusalém:
“Eis a cidade de uma beleza perfeita, alegria do muito inteiro. Eis a Catedral de uma beleza perfeita, alegria do mundo inteiro!”
Colônia é muito bonita.
Mas, se fossem me perguntar se ela é tão bonita quanto Notre-Dame, eu não optaria por Colônia. Eu diria: “indiscutivelmente é Notre-Dame”.
Entretanto, tudo bem pesado, eu digo: “é discutível que seja Notre-Dame”. Por causa de um ponto só. Mas, esse ponto só, supera Notre-Dame de tal maneira, que a gente fica sem saber o que dizer. E é o seguinte.
Aquelas torres de Colônia se levantam do chão com um élan, e se lançam para o ar com uma altaneria, tão inesperadamente, que a vontade da gente é perguntar: “Quereis voar?!”
Elas proclamam uma tal vitória do homem sobre a lei da gravidade!
A lei da gravidade atrai o homem para baixo, torna pesados os seus movimentos, torna difícil a vida. Essa lei fica esmagada nesse movimento audacioso de alma desejando o inimaginável. E esse impulso da alma é mais belo do que tudo quanto em Notre-Dame foi imaginado e realizado.
Colônia não é a harmonia perfeita, a simetria incomparável, a proporção entre o chão e o edifício.
É o esplendor da desproporção, daquilo que se arranca não por subversão, mas por superação, se arranca a todas as regras e as transcende, e diz: “Positivamente! Universo, com tuas lindas regras, eu te venero, eu te quero, eu faço parte de ti, mas de dentro de ti eu levanto a mão até o Autor do universo!”
Quem no mundo tem autoridade para criticar um monumento como o de Colônia?
Entretanto, eu gostaria que aquelas torres fossem mais distantes um pouco uma das outras. Que houvesse um pouco mais de lugar para a fachada. Aquilo parece um pouco apertado. Por causa disso, janelas, vitrais, tudo é um pouco apertado também.
Quando eu comparo Colônia com aquele espaço harmoniosamente preenchido por Notre-Dame, eu digo: “Mas, Notre-Dame tem outro estar à vontade do que essa Catedral que parece estar posta num colete. Linda! Tão bonita que a gente teria vontade de tirá-la do colete!”
Mas, mas, mas... aquelas duas torres tão próximas uma da outra parecem um par de asas subindo para o céu...
O meu comentário seria: nunca dos nuncas um avião subiu tão alto.
Todos nós já voamos a dez mil metros. Olhamos para a terra... O que é aquilo? É a minha sepultura, se eu cair. Não é outra coisa senão aquilo.
Agora, olhamos para a Catedral e dizemos: “Aquilo toca no Céu”. Porque ali é a alma humana que tem a sensação do Céu que foi tocado.
As catedrais de Notre-Dame e São Pedro comparadas por uma grã-duquesa russa
No século XVIII, a grã-duquesa da Rússia Maria Feodorovna fez sua viagem de bodas na Europa Ocidental com seu esposo, o futuro imperador Paulo I da Rússia. O casal viajava de “incógnito” ‒ quer dizer, não oficialmente ‒ e usava os nomes de Conde e Condessa du Nord. A baronesa de Oberkirch, nobre francesa que escreveu Memórias famosas, ia junto como dama de companhia.
A grã-duquesa russa ‒ que era cismática ‒ comparou a Basílica de São Pedro e a catedral de Notre-Dame. A baronesa de Oberkirch recolheu o comentário:
Em São Pedro de Roma, dizia a grã-duquesa, é-se esmagado pela beleza, pela elevação e pela majestade da nave da igreja. Parece que não se ousa rezar ao Ser Todo Poderoso ao qual os homens levantaram um templo de tão alta categoria. Deus aparece aí alto demais e longínquo demais. Em Notre-Dame, pelo contrário, o mistério, essa obscuridade dos vitrais, essa arquitetura dos séculos em que a religião tinha todo o seu poder, imprime o recolhimento e o amor. Tem-se a esperança de ser ouvido por Deus e a certeza de ser atendido. Ama-se, espera-se. Eis, pelo menos, o que eu senti nas duas igrejas.Realmente são duas igrejas completamente diferentes. Quando vi pela primeira vez a igreja de São Pedro tive certa surpresa, julgando-a muito menor do que eu imaginava. Mas é porque eu estou com meus padrões deteriorados pelos apartamentos de São Paulo.
Mas houve uma preocupação de disfarçar a altura dela. Porque naquele tempo, em que o materialismo não havia feito o progresso que fez em nossos dias, era bonito realçar a proporção e esconder o tamanho.
Porque o tamanho é matéria e a proporção é espírito. O espírito deve dominar a matéria.
Mas a igreja de São Pedro é toda influenciada pela Renascença. E, portanto, do ponto de vista artístico, é uma reapresentação no século XVI de elementos de beleza clássica que não tem, absolutamente, o espírito católico da Idade Média.
A basílica de São Pedro é composta.
Sua pompa está à altura do que os homens podem dispor para venerar a Sé de Pedro e ser, nesse sentido, a primeira igreja da Cristandade. Mas o homem não tem aí a sensação de proximidade de Deus que tem na catedral de Notre-Dame de Paris.
A impressão da Condessa du Nord poderia ser traduzida assim:
Na igreja de São Pedro há uma tentativa de o homem elevar-se num esforço de piedade, até Deus.
Na igreja de Notre-Dame eu vejo Deus que desce até os homens. Por causa disso, a proximidade de Deus é muito maior na catedral Notre-Dame do que na igreja de São Pedro.
Deus está mais próximo do homem em Notre-Dame. Então, Notre-Dame tem mais grandeza do que uma igreja maior que ele fez como uma escada para tentar chegar até Ele.
Mas acontece que a Comtesse du Nord era herdeira de um trono e tinha obrigação de não criar problema com os católicos, nem com a Santa Sé, em sua viagem e seus comentários.
Então, ela não faz uma crítica à igreja de São Pedro, a não ser indireta. Vemos aqui o estilo diplomático do tempo.
Ela faz isso com enorme delicadeza e prudência.
Começa dizendo um elogio: que São Pedro tem tanta beleza que esmaga. Mas, acaba dizendo, jeitosamente, que a nave é esmagadora.
A idéia da escalada do homem até Deus está jeitosamente insinuada. O homem fez um edifício tão grande, tão magnífico, que dá medo de Deus. É uma tendência a subir até Deus, mas que amedronta.
Mas depois ela faz o elogio de Notre-Dame:
Em Notre-Dame, pelo contrário, esse mistério, essa obscuridade dos vitrais, essa arquitetura dos séculos, quando a religião tinha tanto poder imprime o recolhimento e o amor.É a igreja perfeita. Mas ela diz “pelo contrário”. Notre-Dame, ao contrário de São Pedro, imprime recolhimento e amor.
Então, ela passou a descalçadeira na igreja de São Pedro e fez um grande elogio na catedral de Notre-Dame. Tomou partido em termos tão leves, tão delicados, tão femininos e tão diplomáticos que não se comprometeu com nada.
Savoir dire. Encantos da tradição católica quando ela se exprimia em Língua francesa.
O gótico é fruto de séculos de pregação dos santos
Quando há uma sociedade que vive em uníssono, e que deseja muito uma mesma coisa, aparecem os artistas que, imbuídos do mesmo desejo, fazem o que a sociedade quer.
A obra de arte é uma consonância de um homem, ou de alguns homens, dotados de um talento especial para fazer o que a sociedade deseja.
Então, quem fez o gótico?
A prática da religião assídua, séria, reta, por séculos, levou as almas a desejarem o gótico.
Em certo momento, quando o artista primeiro, que não se sabe qual é, começou a desenhar o gótico, todo o mundo disse: “É mesmo!”
E o gótico se espalhou pelo mundo inteiro. É que ele era o desejado.
O gótico são séculos e séculos e séculos de pregação feita pelos santos.
Através do românico, os artistas foram forcejando o romano para acabar dando no gótico.
O gótico está em gestação no românico.
E nasceu quando as primeiras ogivas floresceram.
O espírito épico deu alma às catedrais medievais
O espírito épico é como um prisma que permite interpretar a Idade Média.
Os historiadores hodiernos, entretanto não sabem discerni-lo. E nos seus relatos esse espírito épico está volatilizado.
Entretanto, este é verdadeiramente o prisma para estudar a Idade Média.
Cada vez mais nós estamos caindo em estudos de caráter puramente historicista, e econômico, e político. Mas desprovidos de alma.
O resultado é que o aluno sente confusamente que o historiador no pegou o fundo da coisa, não entendeu a alma da Idade Média. Então, o estudo fica cassetérrimo.
Os medievais trabalhavam com espírito épico. Esse espírito está presente até na hora de fazer um campanário ou uma catedral.
Eles, então, faziam uma obra para lá de arrojada em relação aos meios do tempo.
Não só arrojada como proporções, mas arrojada como qualidade.
Por exemplo, nunca antes deles houve quem se entregasse ao ideal de transformar uma pedra numa renda.
A renda e a pedra são dois extremos opostos. Transformar pedra em renda é um arrojo medieval.
Como também pegar um pedaço de Céu e fixá-lo numa parede criando um vitral.
Esse foi outro dos muitos arrojos medievais.
Onde está o épico da catedral ou do vitral? Em construí-los desinteressadamente, com o único intuito de dar glória a um ideal.
Eles agiam como uma formiguinha que arrasta pedras para que esse ideal de beleza vencesse.
E o faziam com entusiasmo.
Assim realizavam algo quase inverossímil. Nisto está precisamente o épico.
É o épico, porque é uma coisa que exige um esforço levado ao máximo, para um ideal que está no extremo limite do concebível pelo homem, com uma desproporção de meios tremenda, e um desinteresse completo.
Aí está a definição seca, arqueológica e esquelética, mas verdadeira, do épico medieval.
E do épico bem entendido de todas as épocas.
Se a catedral de Notre Dame falasse, o quê diria?
Como seria a catedral de Notre Dame se ela pudesse ter sentimentos e falar?
Ela sem dúvida não seria do tipo de pessoa que ri a toda hora. Mas seria do tipo de homem que tem dentro da alma, uma forma de grandeza e de bem-estar que pode coexistir com os maiores tormentos e as maiores angústias.
É um estado de elevação, de sublimidade, de afabilidade, de benignidade. Com esse estado ele se sente capaz de todas as grandezas; desde as maiores até as menores.
Contra o mal, o feio e o ruim ele se sente capaz de todas as intransigências; das maiores às mais miúdas.
Mas, também, de todas as paciências, bondades, flexibilidades, adaptabilidades ao que não é mal. Porque, ao mal, ele resiste sempre, luta sempre, não dá nem tréguas nem quartel. Mas é capaz de todas as formas de afabilidade, de transigência, de bondade muda, para aquele que não é mau.
Por detrás desse estado de espírito encontra-se a verdadeira alegria. Que não é a vontade de rir, mas é sentir-se em harmonia com Deus Nosso Senhor. Sentir-se na estatura própria à sua alma, e na realização da tarefa própria à sua alma.
Notre Dame é feita de seriedade, gravidade, afabilidade e serenidade. Ela sorri, mas sorri pouco. Choura, mas, também, chora pouco. Ela tem a estabilidade da alma verdadeiramente católica.
Esse estado de espírito só a visão sobrenatural dá. Ele transforma a alma num verdadeiro sacrário.
Esse estado de espírito atrai veneração e ternura. Ele enleva os homens.
Mas é, precisamente, esse estado de espírito que o mundo revolucionário e igualitário contemporâneo abomina. Ele odeia, evita a companhia de quem é assim, se desagrada em olhar quem é assim. Porque ele deve prefere uma desordem permanente. Ele quer qualquer coisa menos isso.
Se for para ser chorão, ele chora; se for para ser mole, ele é mole. Se for para ser violento, ele é violento; se for ser palhaço, ele é. Moles, chorões, violentos, palhaços, por mais diferentes que sejam, acabam se adaptando entre si.
Se a Catedral de Notre Dame tivesse pensamento e pudesse pensar e sentir por si própria, ela sentiria seu ambiente todo recolhido, sobrenatural, com aquela luz tanizada por vitrais, com aquela sacalidade entre as várias naves que sobem, com aquela retidão, aquela esguia que vai para cima, com a força daquelas colunas, com a resistência daquele granito.
Aquela catedral sentiria, em si, esse bem-estar.
É porque habita nela um espírito temperante. Quer dizer, a súmula de tudo quanto é de bom espírito.
Isso dá uma estabilidade altaneira, mas tranqüila, que não tem medo das convulsões e que é toda voltada para a eternidade.
Esse é o perfil moral e psicológico da catedral de Notre Dame.
O altar da catedral de SCHLESWIG: Reminiscência gótica com acentuada nota teológica
Na foto ao lado vemos o retábulo do altar da catedral de Schleswig, cidade do antigo ducado de Schleswig-Holstein –– uma “língua de terra” que une a Alemanha à Dinamarca.
Nessa região, havia vários pequenos Estados independentes. Era o bom costume germânico, vigente no Sacro Império Romano Alemão, onde o Estado não era centralizado, mas rico em autonomias de vários tipos.
Schleswig era uma pequena zona gozando de uma quase soberania, que tinnha uma igreja contendo essa maravilha.
Esse altar consta de vários elementos, como o supedâneo circular, a mesa com o famoso tríptico e uma gradezinha bem graciosa (foto ao lado).
O retábulo não pode mais ser qualificado simplesmente como gótico, mas apresenta reminiscências do gótico flamboyant.
Nele encontramos arcadas, e dentro delas dosséis nos quais se nota vaga influência gótica.
Os arabescos reportam-se ao estilo gótico já decadente, constituem eles um conjunto pesado demais para a parte de baixo. São os desequilíbrios dos temos modernos que começam a se manifestar.
Apesar disso, à primeira vista, fica-se encantado com a impressão causada pelo altar. Analisando sua base, sente-se uma certa estranheza, ela é pouco congruente com o que aparece acima.
Mas, após essa primeira impressão, as coisas se equilibram em nosso espírito, pois parece ter havido a intenção de criar um equilíbrio inverossímil, e assim viola-se um tanto as exigências de um verdadeiro equilíbrio.
Apesar disso nota-se a boa ordenação no seguinte: acima da base, a parte superior vai se tornando mais leve, e nela encontram-se os santos, além de um altar para Nossa Senhora; e no alto Nosso Senhor Jesus Cristo, sob um dossel que termina em forma de ponta.
Na reminiscência gótica, notam-se elementos pesados, aos quais se supõe outros que vão se tornando mais leves. Com uma nota muito teológica, porque Nossa Senhora paira como Rainha no meio de todos os santos.
E Nosso Senhor Jesus Cristo colocado sob um dossel está por cima de todas as ordens possíveis, sobressaindo como se encontra no Céu.
BURGOS: majestade, sobriedade e esplendor
Que ordem, que linha!
Todas as coisas que são harmônicas devem ser dominadas por um ponto central.
Vejam como essa imagem domina absolutamente, na sua simplicidade, todo esse ambiente. Tudo é feito para olhar para ela.
Ela está num muro completamente liso. Em torno dela não há floreios, não há nada: é de uma austeridade enorme.
Mas a moldura é riquíssima.
As molduras de cada uma dessas ogivas, que verdadeira beleza!
Na galeria que talvez dê para o claustro, o teto é muito simples, mas as nervuras são lindas.
O teto deve ser simples para se notarem as nervuras. A luz -- é uma coisa tão banal a luz do dia, não é? -- se torna nobre e mística passando por essas janelas!
Dentro da sobriedade espanhola cabe o esplendor.
Nas estalas do coro o cabido recita Ofício. Em cada um desses bancos senta-se um cônego. Em geral nas salas de cabido da Idade Média se realizavam fatos históricos.
O trabalho de escultura em madeira é simplesmente maravilhoso! O corrimão, que beleza!
Eu chamo a atenção para as colunas repletas de imagens de Santos, com dosséis todos ricamente esculpidos. Não há o que dizer.
A famosa escadaria da catedral, a meu ver, é a mais bonita escada do mundo. Vejam que categoria!
Como escada não é possível ser mais bonita.
Hierarquia de trabalhos e sacralidade na catedral de BURGOS
Na catedral de Burgos se percebe bem o valor conjunto de três trabalhos humanos:
‒ o trabalho manual de quem esculpiu isso,
‒ o trabalho artístico de quem desenhou,
‒ o trabalho diretivo de quem resolveu fazer a catedral, encomendou os desenhos.
Qual dos três trabalhos é o mais nobre?
A catedral foi construída pelo rei de Castela São Fernando III. Quer dizer, foi um grande Santo exercendo sua capacidade ordenativa.
Do ponto de vista da nobreza de todas as coisas vistas a partir de Deus, evidentemente o trabalho ordenativo é o mais nobre. O mais modesto desses trabalhos é o manual.
Entretanto, Nosso Senhor Jesus Cristo trabalhou com Suas próprias mãos. E foi, portanto, um artesão, de tal maneira Ele enobreceu mesmo o trabalho que por sua natureza é menos nobre.
Na catedral de Burgos, os senhores têm Deus como Criador e Governador do universo é representado por São Fernando.
Depois, Deus enquanto Autor de toda beleza, é representado por quem fez os desenhos.
E Deus enquanto força do universo, por onde tudo se constitui e tudo se mantém segundo os planos da Sabedoria dEle, é representado pelo trabalhador manual.
A catedral de BURGOS: a força e a eternidade de Deus
As torres da Catedral de Burgos, na Espanha, têm um encanto indefinível. São altaneiras e emulam uma com a outra para galgar o céu.
Todas as paredes da catedral são forradas de quadros que representam cenas da Escritura, ou de vidas de Santos, episódios da História da Igreja, etc.
O teto como é muito bem trabalho e bem pintado. E do mesmo modo as três naves e, no fundo, o altar mor, o púlpito, que ainda se conserva.
A pedra tem uma nobreza intrínseca, que é indefinível e vem da durabilidade, da seriedade, da força.
O trabalho feito sobre a pedra atesta melhor a capacidade não só do estatuário como do escultor.
Por exemplo, numa renda: a renda é bonita, mas uma renda de pedra, como as da catedral de Burgos são mais bonitas que as feitas em tecido ou pintadas.
Não é só o trabalho que deu: é a força e o encanto da pedra que é símbolo da força e da eternidade de Deus.
Entre um feixe de colunas góticas aparecem grades bonitas encimadas por símbolos heráldicos.
O olhar atravessa elementos diversos, que ao mesmo tempo estão em contraste e são agradáveis de ver. Isso faz o encanto: é uma continuidade na variedade. Há muita continuidade e muita variedade.
Se em lugar de pedra a renda fosse de gesso, teria se tirado moldes, e se teriam feito 500 catedrais com o mesmo trabalho de gesso em 500 cidades de continentes diferentes.
Os senhores estariam olhando para isso essa repetição infindável feita de gesso? Não, já teriam desviado os olhos.
As torres inconclusas de Notre Dame
Por mais que se tente completar as torres de Notre-Dame — talvez um grande arquiteto consiga — não se chega a nenhuma solução satisfatória.
Isso quer dizer que, à maneira de negação, tem-se uma certa noção da torre que se poria lá. Mas não é nenhuma das que cogitamos.
O que tem a catedral de Notre-Dame que a mim me delicia, me subjuga e me assume, é que aquilo, como está, é tão bonito, que se diria que não se pode pôr nada mais além daquilo.
Ora, era para pôr! Logo, o acréscimo tem que ser um bonito na linha gótica.
Tem que ser a culminância perfeita que daria toda a beleza da catedral.
Quem o fizer merece um prêmio.
Olhando para as torres inconclusas percebe-se que seria possível haver uma culminância suprema, mas que não é como nenhuma das torres que habitualmente se poriam.
Olhando para as torres nós podemos apanhar apenas uma insinuação de como elas deveriam ser, se bem feitas.
Agindo assim, nós temos algo à maneira de um conhecimento metafísico.
E nós conhecemos essas torres ideais que não foram feitas mais à maneira de negação, dizendo: “Não, não seria esta; não seria aquela, não seria aquela outra”.
E assim nós nos formamos uma idéia de como elas seriam.
E isso nos entusiasma.
Esse entusiasmo pelo que conhecemos apenas negativamente nos dá algo da centelha do absoluto refletindo nas torres inacabadas da catedral de Paris.
O arquiteto Viollet-le-Duc em ponto pequeno, percebeu algo desse absoluto na hora de restaurar a agulha da catedral e cuja altura aumentou.
Não se atreveu, porém a completar as torres da fachada.
Nota: Eugène Viollet-le-Duc (18141879), arquiteto francês, restaurou um grande número de monumentos da Idade Média.
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Estrasburgo: “Quem lhe disse isso?” ‒ “A própria torre!”
Das Memórias do grande poeta alemão Goethe:
Um outro fatinho me roubou os últimos dias. Eu estava numa casa de campo, em companhia de pessoas agradáveis, e dali se podia ver a parte anterior de um convento e a torre [da catedral de Estrasburgo] que sobressaía majestosamente.
Alguém comentou: “Pena que não está tudo terminado e que só tenhamos a torre para ver!”
Eu, porém, disse: “Também me causa pena que não se possa apreciar essa torre inteiramente; pois as quatro volutas são muito desajeitadas e melhor seria que houvesse, no lugar delas, quatro torrezinhas esguias, bem como uma mais alta no meio, onde está aquela cruz pesadona”.
Quando fiz esse comentário com minha costumeira simplicidade, um homenzinho vivaz se voltou para mim e disse:
‒ “Quem lhe disse isso?”
Respondi: “A própria torre! Eu a tenho contemplado tantas vezes, com tanta atenção, e lhe tenho demonstrado tanta veneração, que ela um dia me confessou esse segredo evidente”.
Então, aquele homenzinho me replicou:
‒ “Ela o informou com toda a exatidão! Eu sei isso muito bem, pois sou o encarregado da construção do edifício. Tenho em meus arquivos a planta original e esta confirma o que o senhor diz, e posso mostrar-lhe”.
Por causa da minha viagem, pedi que ele fizesse aquela amabilidade a todo vapor.
Ele mandou trazer a planta valiosa.
Reconheci imediatamente as torrezinhas que faltavam e que estavam desenhadas a óleo na planta e lamentei não ter sido informado disso antes.
Mas comigo acontece sempre isso: quando contemplo e analiso as coisas, só muito depois e com muito esforço é que chego a um conceito princeps que não me seria tão notável e frutífero quanto se o tivessem explicitado antes para mim!
No seu livro best-seller Ugly as Sin — Feias como o pecado — Michael S. Rose, jovem arquiteto americano, doutor em Belas Artes pela Brown University (EUA) apresenta a catedral Notre Dame de Paris como a jóia-da-coroa da Cidade Luz.
Para ele, a catedral é o verdadeiro epicentro, a alma da capital francesa.
Solene e maternal, ela irradia sua influência a partir da Île de la Cité, como uma grande dama a partir do palácio, no centro do seu feudo.
Ela é a representação do Cristianismo na sua plenitude e autenticidade: desde o império universal de Nosso Senhor Jesus Cristo até os sofrimentos dos precitos no inferno.
Nela, o peregrino percebe a luta entre o bem e o mal, o contraste entre o sagrado e o profano, a desigualdade entre o eterno e o passageiro.
Notre Dame, sublinha Michel Rose, é arte no sentido mais nobre do termo. É arquitetura da mais alta classe, um “lugar sagrado” que espelha as realidades eternas.
Ela é, antes de tudo, a casa onde Deus habita na Terra. Assim a Idade Média via Deus.