Importância e centralidade da liturgia
Prof. Davide Ventura
in Papa Bento XVI e a Liturgia
Que a liturgia seja um tema que está no coração do Papa Bento XVI é coisa amplamente demonstrada pela dimensão e pela frequência de suas intervenções nesta matéria nestes primeiros anos de seu pontificado.
Inúmeros já são os discursos, as alocuções, as catequeses dedicadas ao tema, que retorna com insistência também nos documentos “maiores”, das encíclicas ao recente motu proprio “Summorum Pontificum”.
Estas intervenções, ocorridas em épocas próximas a nós e “sob os refletores” do pontificado, são bastante conhecidas, embora não resultará inútil dedicar-lhes uma visão de conjunto. Menos conhecidas talvez sejam as muitas obras que o Papa escreveu sobre a liturgia antes de sua eleição, como teólogo – somadas a variadas entrevistas e discursos.
Todo este material manifesta uma total continuidade com o seu atual magistério, e se desenvolve com uma força de pensamento e uma profundidade de análise que deixa o leitor admirado.
Ademais, pela sua condição menos “rígida” do que a dos documentos magisteriais, em geral relativamente breves e focados em circunstâncias particulares, os escritos do então Cardeal Ratzinger são de grande ajuda para manifestar plenamente o pensamento na sua inspiração de fundo. Sem pretender substituir uma leitura das obras em questão (que, ao contrário, é fortemente recomendada), estas páginas visam a examinar algumas orientações fundamentais do pensamento litúrgico do Papa baseando-se em suas palavras, escritas ou pronunciadas, tanto antes quanto depois de sua eleição; e isto para ajudar a melhor nos orientarmos também nas controvérsias que tal ensinamento tem ocasionalmente suscitado – como sempre acontece quando o sal do Evangelho recusa-se obstinadamente a perder seu sabor.
Por que afinal um tal posto central para a liturgia? Não teriam razão aqueles ambientes eclesiais que tendem a relegá-la a um segundo plano, como se se tratasse de um simples elemento formal – uma questão de usos e de costumes, no fundo, pouco importante? Não para o Papa.
No livro-entrevista “Rapporto sulla fede”, assim se exprime o então cardeal: “Além dos modos diversos de conceber a liturgia há, como de costume, modos diversos de conceber a Igreja, enfim Deus e as relações do homem com Ele. O discurso litúrgico não é marginal: foi o próprio Concílio a recordar-nos que aqui nos encontramos no coração da fé cristã”.
O ponto não é banal: se o fim do homem é conhecer, amar e servir a Deus, então torna-se essencial o modo em que a gente se põe diante d’Ele para receber os dons sacramentais, para expiar as próprias faltas, para render graças pela salvação oferecida em Cristo. A vida cristã é uma relação pessoal com o Pai que chama para si os seus filhos; é portanto fundamentalmente diálogo. Este diálogo pode ser privado e individual; mas para ser realmente tal, tem de ser sustentado e quase imerso naquele perene canto de amor da Esposa para seu Esposo que é a liturgia pública da Igreja. E este canto tem ritmos e tonalidade bem próprios, que se tornam, eles próprios, conteúdo, e não meramente forma. “Lex orandi, lex credendi”, diziam os cristãos dos primeiros séculos: os modos e as formas do orar – entendido como orar público, litúrgico – determinam os conteúdos do crer. E, historicamente, é inegável que as mudanças ocorridas na “lex orandi” acompanham e assinalam invariavelmente mudanças paralelas das acentos e da compreensão dos conteúdos da fé.
Em outra obra, o então cardeal retoma o mesmo tema recordando a atitude, a seu ver, superficial com que por muitos foi acolhido o convite do Concílio Vaticano II a uma renovação da liturgia: “Poderia parecer a muitos que a preocupação por uma forma correta da liturgia fosse uma questão de pura praxe, uma procura pela forma de Missa mais adequada e acessível aos homens de nosso tempo. Neste ínterim, vê-se sempre mais claramente que na liturgia trata-se da nossa compreensão de Deus e do mundo, de nossa relação com Cristo, com a Igreja e com nós mesmos. Na relação com a liturgia se decide o destino da fé e da Igreja. Assim a questão litúrgica adquiriu hoje uma importância que antes não podíamos prever”. (J. Ratzinger, “Cantate al Signore um canto nuovo”, p. 9).
Num outro lugar ainda o mesmo conceito é expresso com drástica concisão: “Estou convencido de que a crise eclesial em que nos encontramos hoje depende em grande parte do colapso da liturgia” (J. Ratzinger, “La mia vita”, p. 112).
Mas no pensamento do Papa a importância da liturgia se estende também para além dos limites da Igreja, por constituir um elemento fundamental da vida e do ambiente humano: “O direito e a moral não estão unidos se não estiverem ancorados no centro litúrgico e não tirarem dele inspiração. [...] Somente se a relação com Deus é justa também as outras relações do homem – as dos homens entre si e do homem com as outras realidades criadas – podem funcionar”. (J. Ratzinger, “Introduzione allo spirito della liturgia”, p. 16.).
É um texto extremamente empenhativo, e serámos tentados a pô-lo em dúvida se as circunstâncias de nosso tempo não confirmassem tão clamorosamente sua validade.
Mas onde reside o fundamento desta influência do culto litúrgico sobre a vida humana em geral? O futuro Papa responde na sequência do texto citado: “A adoração, a justa modalidade do culto, da relação com Deus, é constitutiva para a justa existência humana no mundo, assim é exatamente porque ao longo da vida cotidiana faz-nos partícipes do modo de existir do ‘céu’, do mundo de Deus, deixando assim transparecer a luz do mundo divino no nosso mundo. [...] (O culto) prefigura uma vida mais definitiva e, deste modo, dá à vida presente a sua medida. Uma vida à qual falta esta antecipação, na qual o céu não é mais esboçado, torna-se pesada e vazia”.
Trata-se de uma visão de notável força: para o Papa a liturgia da Igreja torna-se o canal privilegiado do governo divino sobre a terra, e possui em si uma força demiúrgica que plasma no seu modelo os eventos mundanos, fazendo-se “medida” para a “vida presente”. A liturgia é o céu sobre a terra; esta por isso deve falar a língua do céu – este é o motivo pelo qual não se trata de procurar a forma “mais adequada e acessível aos homens de nosso tempo”, como mencionado acima.
Continua...
Fonte: Papa Ratzinger Blog
Tradução: OBLATVS

O valor do missal antigo 
e  oMotu Proprio “Summorum Pontificum
”Prof. Davide  Venturain Papa Bento XVI e a Liturgia
 
Leia antes: Parte  IPagamos  de imediato o necessário tributo à atualidade, e entre as  muitas  questões abertas ligadas à liturgia detemo-nos sobre aquela que o   magistério do Papa confrontou mais recentemente – e que suscitou as   maiores reações também na opinião “laica”. É conhecido por muitos que em   1970 o Papa Paulo VI promulgou o novo missal elaborado nos anos   precedentes pela comissão encarregada da realização da reforma litúrgica   iniciada por impulso do Concílio Vaticano II. Tal missal continha, com   efeito, substancias mudanças em relação àquele que até então estava em   vigor, editado por João XXIII em 1962.Este último não era senão a  última  revisão menor de um tipo litúrgico que remontava em continuidade  à  reforma efetuada pelo Concílio de Trento (o assim chamado Missal de  Pio  V). Por sua vez, Pio V havia no século XVI simplesmente revisto e   reproposto um repertório de textos litúrgicos que se transmitira com   mínimas mudanças durante toda Idade Média, remontava na sua substância a   Gregório Magno (século VI), e continha partes que remontavam à mais   remota antiguidade cristã.E aqui se dá o problema: enquanto, como se   viu, o missal romano conheceu até 1962 – ao longo de dezessete séculos   de história – somente modificações graduais e não particularmente   substanciais, bruscamente em 1970, foi introduzida uma forma litúrgica   que se distanciava de modo significativo desta imemorável   tradição.Contextualmente à introdução do novo se teve na prática a   proibição do uso do missal tradicional, coisa que provocou vivas reações   em muitos ambientes, ao ponto de se tornar uma das maiores motivações   por detrás do cisma promovido por Mons. Lefebvre.O documento publicado   por Bento XVI em 7 de julho passado, com o título “Summorum  Pontificum”,  põe finalmente em ordem, definindo a situação jurídica,  que se tornara  ao menos ambígua, da liturgia tradicional em relação à  reformada. Vale a  pena, vista a histórica importância do documento,  percorrer os seus  conteúdos fundamentais. Em primeiro lugar o Papa  declara que o  precedente missal jamais fora ab-rogado. Não se trata por  isto de uma  “reintrodução”, mas sim do reconhecimento de uma perene  validade que a  introdução do novo missal de 1970 não diminuiu de fato.  Ao contrário,  depois de algumas observações históricas que louvam a  antiguidade e a  continuidade de uso durante toda a história da Igreja  latina, o Papa  define a relação entre os dois Missais com as seguintes  palavras: “O  Missal Romano promulgado por Paulo VI é a expressão  ordinária da ‘lex  orandi’ da Igreja Católica de rito latino. Todavia o  Missal Romano  promulgado por São Pio V e novamente editado pelo B. João  XXIII deve ser  considerado como expressão extraordinária da mesma ‘lex  orandi’ e deve  ser tido com a devida honra pelo seu uso venerável e  antigo. Estas duas  expressões da ‘lex orandi’ da Igreja não conduzirão  de modo algum a uma  divisão na ‘lex credendi’ da Igreja; são de fato  dois usos do único rito  romano. Por isto é lícito celebrar o Sacrifício  da Missa segundo a  edição típica do Missal Romano promulgado pelo B.  João XXIII em 1962 e  jamais ab-rogado, como forma extraordinária da  Liturgia da  Igreja”.Depois desta afirmação capital, o Papa prossegue  definindo que  todo sacerdote possa usar o Missal tradicional nas suas  Missas privadas,  às quais podem associar-se de própria vontade também  outros fiéis. Os  institutos de vida consagrada são livres para  celebrar, eventual ou  mesmo habitualmente, com o velho missal. Grupos  estáveis de fiéis no  interior das paróquias podem, por sua vez, pedir  ao pároco que celebre  para eles com o missal de 1962. O pároco é  convidado a “acolher com  generosidade” a tais pedidos; uma vez que  esteja pessoalmente  impossibilitado (e – se supõe – que por motivos  válidos e não  pretextos), o pedido deve passar ao Bispo Diocesano.“Ao  Bispo  solicita-se vivamente ouvir o desejo deles. Se ele não pode  providenciar  tal celebração, a coisa seja referida à Pontifícia  Comissão ‘Ecclesia  Dei’. O bispo que deseja satisfazer a tais pedidos  dos fiéis leigos, mas  por várias causas está impedido, pode confiar a  questão à Pontifícia  Comissão ‘Ecclesia Dei’, que lhe dará conselho e  ajuda”. Se a situação o  aconselha, o Bispo pode reagrupar os pedidos  com a constituição de uma  “paróquia pessoal”.Compreende-se claramente a  intenção do Papa: a Missa  tradicional, estando ainda em vigor,  constitui um direito dos fiéis; os  seus pedidos (desde que não feitos  para disseminar discórdia...) de  aceder a esta forma litúrgica sejam  ouvidos: a nível paroquial, onde  possível, ou mesmo diocesano. De modo  algum tal pedido pode ser  simplesmente ignorado – a própria autoridade  da Santa Sé, por meio da  Pontifícia Comissão ‘Ecclesia Dei’, torna-se  fiadora dele.Depois se  reconhece aos membros do clero, obrigados à  recitação cotidiana do  breviário, possam cumprir esta obrigação  mediante o breviário publicado  por João XXIII.Extremamente rica de  conteúdo é também a carta enviada  pelo Papa a todos os bispos em  concomitância com a publicação do Motu  proprio. Nela diz-se que, no ato  de publicação do novo missal de Paulo  VI, havia quem pensasse que o  uso da forma mais antiga desapareceria por  si mesma. Isto porém não  aconteceu, e a adesão ao uso antigo permaneceu  exatamente “nos países  em que o movimento litúrgico havia dado a muitas  pessoas uma conspícua  formação litúrgica e uma profunda, íntima,  familiaridade com a forma  anterior da Celebração litúrgica”. Não se  trata por isto  necessariamente, segundo o Papa, de uma forma de rebelião  contra a  autoridade da Igreja, mas que “... muitas pessoas, que  aceitavam  claramente o caráter vinculante do Concílio Vaticano II e que  eram  fiéis ao Papa e aos Bispos, também desejavam todavia re-encontrar a   forma, que lhes é cara, da sagrada Liturgia”.E não se trata somente de   anciãos: “Aparece claramente que também pessoas jovens descobrem esta   forma litúrgica, sentem-se atraídas por ela e a consideram uma forma,   particularmente apropriada para eles, de encontro com o Mistério da   Santíssima Eucaristia”.Se esta liturgia, tão antiga e venerável, jamais   fora juridicamente ab-rogada, de onde nasce sua quase total  desaparição,  especialmente considerando que já o Papa João Paulo II  havia publicado  durante o seu pontificado atos que pediam aos bispos  tomarem  providências a fim de que os pedidos legítimos para celebrar  segundo tal  forma fossem mais largamente acolhidos?Mais que de Roma, o  problema  surgiu entre os episcopados nacionais, “sobretudo porque  frequentemente  os Bispos, nestes casos, temiam que a autoridade do  Concílio fosse posta  em dúvida”.Assim, enquanto os documentos de João  Paulo II haviam  deixado aos bispos uma larga margem aplicativa, Bento  XVI conclui que  “surgiu uma necessidade de um regulamento jurídico mais  claro que, no  tempo do Motu Proprio de 1988 não era previsível; estas  Normas visam  ainda a liberar os Bispos do dever de sempre de novo  avaliar como fazer  para responder às diversas situações”.“Roma locuta,  causa soluta” diziam  os antigos: Roma falou, a causa está resolvida.  Hoje, infelizmente,  isto está longe de ser um fato previsível; mas que  Roma tenha falado  claramente, isto ninguém poderá por em  dúvida.Continua...
fonte:http://christeaudinus.blogspot.com/  QUANDO A LITURGIA SE VOLTA PARA O CULTO DO HOMEM
“A história do bezerro de ouro alerta para um culto autocrático e egoísta em que, no fundo, não se faz questão de Deus, mas sim em criar um pequeno mundo alternativo por conta própria. Aí, então a Liturgia se torna mera brincadeira. Ou pior: ela significa o abandono do Deus verdadeiro, disfarçado debaixo de um tampo sacro.” (RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.16)
“Este culto torna-se uma celebração da comunidade para com ela própria; ele é uma auto-afirmação. A adoração de Deus torna-se num rodopio em volta de si próprio: o comer, o beber, o divertir-se; A dança em volta do bezerro de ouro é a imagem do culto à procura de si, tornando-se numa espécie de auto-satisfação frívola.” (RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.16)
“Cada vez menos é Deus que se encontra em destaque, cada vez mais importância ganha tudo o que as pessoas aqui reunidas fazem e que em nada se querem submeter a um “esquema prescrito”. O sacerdote que se volta para a comunidade forma, juntamente com ela, um círculo fechado em si. A sua forma deixou de ser aberta para cima e para frente; ela encerra-se em si própria. Voltar-se em conjunto para o Oriente, não era uma “celebração da parede” e não significava do sacerdote “virar costas ao povo”: no fundo, isso não tinha muita importância. Porque da mesma maneira como as pessoas na Sinagoga se voltavam para Jerusalém, elas voltavam-se aqui em conjunto “para o Senhor”. (RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.59)
“Considero as inovações mais absurdas das últimas décadas aquelas que põem de lado a cruz, a fim de libertar a vista dos fiéis para o sacerdote. Será que a cruz incomoda a eucaristia? Será que o sacerdote é mais importante do que o Senhor” (RATZINGER, Joseph. Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal), 2006, p.62)
“A  dança não é uma forma de expressão cristã. Já no século  III, os  círculos gnósticos-docéticos tentaram introduzi-la na Liturgia.  Eles  consideravam a crucificação apenas como uma aparência: segundo  eles,  Cristo nunca abandonou o corpo, porque nunca chegou a encarnar  antes de  sua paixão; consequentemente, a dança podia ocupar o lugar da  Liturgia  da Cruz, tendo a cruz sido apenas uma aparência. As danças  cultuais  das diversas religiões são orientadas de maneiras variadas,  invocação,  magia analógica, êxtase místico; porém, nenhuma dessas formas   corresponde à orientação interior da Liturgia do “sacrifício da   Palavra”. É totalmente absurdo, na tentativa de tornar a Liturgia “mais   atraente”, recorrer a espetáculos de pantominas de dança, possivelmente   com grupos profissionais, que muitas vezes, terminam em aplauso.  Sempre  que haja aplauso pelos aspectos humanos na Liturgia, é sinal de  que a  sua natureza se perdeu inteiramente, tendo sido substituída por  diversão  de gênero religioso.” (RATZINGER, Joseph.  Introdução ao Espírito da Liturgia. Paulinas: Prior Velho (Portugal),  2006, p.147)

inundado por um mistério de luz que é Deus   e N´Ele vi e ouvi -A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece: montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultados. - O mar, os rios e as nuvens saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que não se pode contar , é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. - O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora!  - Depois senti no palpitar acelerado do coração e no meu espírito o eco duma voz suave que dizia: – No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica: - Na eternidade, o Céu! 

