domingo, 31 de agosto de 2008

A beleza e o Sagrado, segundo Cláudio Pastro

Artista plástico pede responsabilidade dos bispos na promoção do belo

Por Alexandre Ribeiro

(ZENIT.org).- «A perda do sentido de beleza na Igreja Católica (ora romântica, ora muito racional, ora show popularesco) revela-nos a perda do sentido do Sagrado», afirma Cláudio Pastro.

Maior nome da arte sacra no Brasil e reconhecido mundialmente (responsável pelo projeto artístico de 300 igrejas, capelas e catedrais no país e no exterior, em 33 anos dedicados à arte sacra), o artista plástico natural de São Paulo conversou com a Agência Zenit sobre o lugar fundamental que a beleza ocupa na Igreja.

Cláudio Pastro lançará no próximo semestre o livro «O Deus da Beleza» (Ed. Paulinas), onde amplia as discussões sobre o assunto. A FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) realizará em São Paulo, em 2009, uma grande exposição do trabalho do artista, intitulada «Arte sacra contemporânea».

«A beleza tem um sentido objetivo: “é ou não é”, e independe do meu (subjetivo) parecer, do meu gosto. Assim, podemos afirmar: “gosto não se discute, se educa”», comenta Pastro na entrevista.

--A arte e o cuidado com a beleza na liturgia e na composição dos espaços sagrados são muitas vezes tratados como algo acessório. Mas esses elementos são apenas isso?

--Cláudio Pastro: A arte é a linguagem fundamental de todas as religiões, pois a arte é a única palavra (imagem) universal a todos os homens. Tratar a beleza como algo acessório na liturgia e no espaço sagrado é desconhecer o que é beleza, liturgia e sagrado. Hoje, há uma crise na beleza porque a crise está na religião. A religião não dá pistas, não é referência para o homem contemporâneo, pois vive-se fora e dentro dela com os mesmos princípios e expressões.

“A Verdade, o Bem e a Beleza são três lâmpadas ardentes de fogo e uma não vive sem a outra” (Dionísio, o Areopagita, séc. V). No cristianismo, como no judaísmo e no islamismo, “Deus é a Beleza” entendida nessa trilogia, e a beleza (a verdadeira e justa) só aflora, só se manifesta a partir do ser mesmo de Deus. Considerar a arte e a beleza como supérfluos, decorativos, “a mais” é não ir ao fundo d’Aquele que dizemos contemplar. Luxo e moda nada têm a ver com religião.

Um exemplo a comentar: participei de uma Missa para comemorar os 15 anos de uma jovem. (Essa não é a função da Missa). O Altar mais parecia um bolo de noiva de tão enfeitado. (Pergunto: o que é o Altar?). Ainda mais, as músicas eram tiradas de “novelas” e a jovem vestia-se como donzela em busca do príncipe encantado. O presidente da celebração (o padre), muito perdido, referia-se exclusivamente à jovem como sendo ela “uma deusa” etc. etc. Sentia-me num programa de calouros de TV. O objeto, o centro da Divina Liturgia desaparece. Havia aí uma evidente mentira. Tudo estava fora de lugar. (Pergunto: o que é Liturgia? O que é o sagrado?). O que determina a beleza é o Único Belo, Aquele que faz a vida bela.

Em todas as religiões, o monaquismo, a vida “fechada” nos Mosteiros e sua Liturgia desinteressada têm sido um celeiro de beleza e louvor, uma antecipação da promessa de Paraíso (Eternidade) e, depois, saindo dessa celebração, o crente poderá enfrentar a Babilónia da sociedade. Hoje, sobretudo os Mosteiros cristão (mais os masculinos) estão em crise também.

Arte e religião são elementos gratuitos e celebrativos e não teatro, cenário, comércio... Aqui é bom lembrarmos Gogol (o literato russo): “o diabo também se traveste de beleza”.

--Há uma perda da sensibilidade para a beleza dentro da Igreja Católica e sua liturgia? Por quê? Como tentar revertê-la?

--Cláudio Pastro: Hoje, a perda do sentido de beleza na Igreja Católica (ora romântica, ora muito racional, ora show popularesco) revela-nos a perda do sentido do Sagrado, da identidade religiosa e de unidade (não uniformidade) dentro da próprio Igreja.

A sensibilidade estética e epidérmica na Igreja está ao serviço do Belo que tudo e a todos embeleza ou é apenas “beleza por beleza” com outros fins.

A beleza tem um sentido objectivo: “é ou não é”, é independente do meu (subjectivo) parecer, do meu gosto. Assim, podemos afirmar: “gosto não se discute, se educa”. O sentido de beleza está intimamente ligado ao sentido de Sagrado. Um não vive sem o outro. E o Sagrado como a beleza se impõem, não dependem da minha pobre sensibilidade psicológica e de meus arranjos.

Para o Sagrado se revelar em beleza (verdade, justiça, certeza, prazer, entusiasmo, admiração, estupor, amor... e consequentemente as pessoas desejarem frequentar a Igreja), há um preço inerente ao ser da religião: só a oração objetiva (cuidado com os devocionismos subjectivos), a ascese, a disciplina, a contemplação, a adoração, a escuta da Palavra, a vida baptismal, eucarística e evangélica nos darão discernimento para revelarmos o que somos e fazemos (e isso não só na caridade mas no profissionalismo dos ministérios, na arquitectura, arte etc.).

Grande problema da Igreja Católica tem sido a desobriga: se faz por obrigação, por “direito canônico”, com tédio e marasmo.

Regra geral, hoje não se faz arte sacra (arte sacra não é arte religiosa). A arte sacra é apenas um nome. A fealdade, a mediocridade, a vulgaridade, o desgosto são hóspedes em muitas de nossas igrejas e capelas, quando aí deveria habitar “a Beleza”, referência para o mundo. A arte sacra como o Sagrado não se definem pelo comércio; arte sacra é o esplendor, a glória do Sagrado entre nós.

Quero citar aqui o grande artista cristão, monge dominicano, beatificado pelo Papa João Paulo II, Frá Angélico. Ele nos diz: “para fazermos as coisas do Cristo é preciso pertencer ao Cristo”. O olhar cristão é o olhar do Cristo ou...

--Qual é o papel dos bispos na promoção da beleza e do cuidado com a liturgia e os espaços sagrados?

--Cláudio Pastro: Recentemente eu traduzi e a Ed. Loyola publicou um belo documento da Igreja: a “Via Pulchritudinis” (O Caminho da Beleza). Esse documento é fruto da Assembléia Plenária dos Bispos no Vaticano em 2006. Nele percebemos que a Igreja começa, novamente, a despertar para as manifestações de beleza que ela própria ao longo dos séculos testemunhou pela arte, a beleza do ser cristão e do Cristo, “o mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44, 3).

O papel dos bispos continua a ser o mesmo em dois mil anos de história: são pastores que zelam com amor pela “Esposa do Amado”. Que a formação do clero e dos fiéis não seja apenas livresca e pastoral, mas íntegra: “corpo, alma e espírito”. Percebo que os próprios bispos, advindos do clero, não são bem formados. Muitas vezes predomina nesse meio o jogo de poder, o carreirismo, os aplausos... mais que o próprio ministério, isto é, o serviço.

Em toda Igreja, hoje, sente-se a falta de espiritualidade (que não é devocionismo) que forma o ser cristão por inteiro. Assim, podemos afirmar, a beleza da liturgia e dos espaços sagrados não é acessório da última hora, para produzir efeitos, nem tão pouco fruto de especialistas em luz, som, técnica, arquitectura, arte simplesmente, e menos ainda de mercado e moda, mas o resultado da acolhida do Espírito da Beleza, o desabrochar de uma vida verdadeira.