domingo, 17 de agosto de 2008

Escreve o Cardeal Alfons Stickler:

MULTIPLICIDADE PRATICAMENTE ILIMITADA.

Há vários exemplos do que a reforma pós-conciliar de fato produziu, sobretudo, em seu próprio coração, o radicalmente novo Ordo Missae. O novo intróito da Missa assegura um lugar destacado a muitas variantes, e por meio de posteriores concessões à imaginação dos celebrantes com suas comunidades, foi levando a uma multiplicidade praticamente ilimitada. De perto, se lhe segue o Lecionário, ao qual voltaremos em conexão com outro assunto.

O OFERTORIO, UMA REVOLUÇÃO.

Logo depois disso vem o Ofertório, o qual, em seus textos e conteúdo, representa uma revolução. Já não aparece como o antecedente do sacrifício, mas somente como uma preparação dos dons, com sentido evidentemente humanizado, o que nos impressiona como artificial do princípio ao fim. Na Itália foi chamado o sacrifício dos cultivadores directos, isto é, por pouca gente que ainda cultiva pessoalmente suas pequenas parcelas de terra, em geral antes e depois de sua ocupação principal. Devido aos grandes métodos técnicos à disposição da agricultura, que hoje só se podem obter por meio da indústria, para a produção do pão, utiliza-se muito pouco trabalho do homem. Desde o arar até a colheita, da qual procedem os grãos de trigo, são necessárias muito poucas mãos humanas. A substituição da oferta dos dons para o sacrifício a realizar-se é antes um infeliz e anacrónico simbolismo que dificilmente pode substituir os vários elementos simbólicos genuínos que foram suprimidos.
Fez-se também tabua rasa dos gestos altamente recomendados pelo Concílio de Trento e solicitados pelo Concílio Vaticano II, como também muitos Sinais da Cruz, beijos no altar e genuflexões.

O SACRIFíCIO.
O centro essencial, a acção sacrificial em si mesma, sofreu um perceptível desvio em direcção à comunhão, tendo sido o Sacrifício da Missa em sua totalidade transformado em uma Ceia Eucarística, enquanto que na consciência dos crentes os componentes integrantes da Comunhão substituíram o componente essencial do acto transformador do sacrifício. O Cardeal Ratzinger também determinou expressamente, em referência às mais modernas investigações dogmáticas e exegéticas, que é teologicamente falso comparar a ceia com a Eucaristia, o que ocorre praticamente sempre na nova liturgia.
Com isto, o terreno fica preparado para outra mudança essencial: em lugar do sacrifício oferecido por um sacerdote ungido como alter Christus acontece a ceia comunitária dos fiéis convocados sob a presidência do sacerdote. A intervenção dos Cardeais Ottaviani e Bacci persuadiu o Papa a mudar a definição que confirmava essa mudança no Sacrifício da Missa, pelo que foi ¨destruída¨ por ordem de Paulo VI. A correção da definição, de todo modo, não resultou em nenhuma mudança no próprio Ordo Missae.

CELEBRAÇÃO VERSUS POPULUM.

Essas mudanças do coração do Sacrifício da Missa foram confirmadas e estimuladas pela celebração versus populum, uma prática que anteriormente tinha sido proibida e que era uma marcha atrás de toda a tradição da celebração voltada para o Leste, na qual o sacerdote não era a contraparte do povo, senão, melhor dizendo, alguém que actuava in persona Christi, sob o símbolo do sol nascendo no Leste.

A FÓRMULA DA CONSAGRAÇÃO DO VINHO E O MISTERYUM FIDEI.

É pertinente assinalar uma mudança muito séria na fórmula da consagração do vinho no Sangue de Cristo: as palavras Mysterium fidei foram eliminadas, e enxertadas logo depois como uma exclamação conjunta com o povo, o que foi um golpe para a "actuosa participatio".
¿Que diz expressamente a investigação histórica que o Concílio ordenou como prévia realização de qualquer mudança? Que essas palavras datam das primeiras tradições da Igreja Romana que nos são conhecidas, que nos foram transmitidas por São Pedro. São Basílio, que através de seus estudos em Atenas estava certamente familiarizado com a tradição ocidental, diz a propósito das fórmulas de todos os sacramentos, que não tinham sido escritas nas bem conhecidas sagradas escrituras dos apóstolos e seus sucessores e discípulos, por motivo da disciplina de segredo que então imperava, pelo qual os mais sagrados mistérios da Igreja não deviam estar ao alcance dos pagãos. Diz expressamente, como todas as testemunhas do cristianismo, que participam da mesma convicção, que além dos ensinamentos escritos que nos foram entregues, temos outros que in mysteria tradita sunt e que datam da época dos apóstolos; diz que ambos têm o mesmo valor, e que ninguém deve contradizer nenhum dos dois. Como exemplo, cita expressamente as palavras pelas quais o Pão Eucarístico e o Cálice da Salvação são consagrados. ¿Que os santos no-las entregaram escritas?

------------------------------------------------São Tomás diz que as palavras "mysterium fidei" são de tradição divina

Todos os subseqüentes períodos da história testemunham expressamente sobre esta herança histórica na fórmula da Consagração Eucarística: o Sacramentário gelasiano –o Missal mais antigo da Igreja Romana– contém no códice vaticano, no texto original, as palavras ¨mysterium fidei", e não como uma adição posterior.
Sempre se perguntou sobre a origem dessas palavras. Em 1202, João, Arcebispo emérito de Leão, perguntou ao Papa Inocêncio III, cujos conhecimentos litúrgicos eram bem conhecidos, se alguém devia crer que as palavras do cânon da Missa, que não provém dos evangelhos, foram transmitidas por Cristo e os apóstolos a seus sucessores. O Papa respondeu numa longa carta de Dezembro desse ano que devemos crer que essas palavras, que não estão nos Evangelhos, foram recebidas de Cristo pelos apóstolos, e deles passaram a seus sucessores. O fato de que este decretal (incluído na coleção de cartas decretais de Inocêncio III e que foi compilado por Raimundo de Peñaforte por ordem do Papa Gregório IX) não foi excluído como o foram outras, prova o prolongado valor outorgado a essa afirmação do grande Papa.
São Tomás fala largamente deste tema na Summa Theologiae III, q. 78,art. 3, sobre as citadas palavras da consagração do vinho. Explicando a arcana necessária disciplina da antiga Igreja, diz que as palavras ¨mysterium fidei¨ vêm de tradição divina, que foi entregue à Igreja pelos apóstolos, fazendo especial referência a 1 Cor. 10(11) -23 e a 1 Tim. 3-9. Um comentarista se refere a DD Gousset na edição de 1939 de MARIETTI : ¨seria um grandíssimo erro substituir uma outra forma eucarística àquela do Missal Romano ... suprimir por exemplo a palavra aeterni e aquela expressão mysterium fidei que recebemos da tradição¨. Também o Concílio de Florença, na bula de união com os Jacobitas, acrescenta expressamente a fórmula da consagração na Santa Missa, que a Igreja Romana sempre usou fundando-se no ensinamento e autoridade dos apóstolos Pedro e Paulo.
Extranha-se a maneira sumamente desdenhosa pelas quais o Cardeal Lercaro e P. Bugnini prescindiram da obrigação de empreender uma investigação histórica e teológica detalhada no caso de uma mudança tão fundamental. Se semelhante coisa aconteceu a esse respeito, como terão cumprido essa obrigação fundamental antes de fazer outras mudanças?
A Eucaristia não é apenas o mistério único de nossa fé, é também um mistério perdurável, do qual sempre devemos permanecer conscientes. Nossa vida eucarística de todos os dias requer um intermediário que abrace completamente esse mistério – sobretudo na idade moderna, na qual a autonomia e auto glorificação do homem moderno resistem a todo conceito que vá mais além do conhecimento humano, que lhe recorde suas limitações. Cada conceito teológico se transforma, para ele, em um problema, e a liturgia, especialmente como suporte da fé, se torna permanentemente objeto de desmistificação, isto é, para humanizá-la ao ponto de fazê-la absolutamente compreensível. Por essa razão, o desaparecimento do mysterium fidei da fórmula eucarística se converte num símbolo poderoso de desmitologização, um símbolo da humanização do que é central no culto divino, a Santa Missa.