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"Pela constituição do Vaticano II sobre a liturgia é evidente que a vontade do Concílio e a vontade da comissão litúrgica muitas vezes não coincidem, e até se opõem de maneira clara.
A missa de Paulo VI ... põe antes em evidência o aspecto geral da missa, a saber a Comunhão; o que resulta em transformar o Sacrifício naquilo que é permitido chamar um banquete.
O lugar importante dado às leituras e à pregação na nova missa, a possibilidade mesma deixada ao padre de acrescentar explicações e palavras pessoais é uma reflexão a mais sobre o que é legítimo chamar de uma adaptação à idéia protestante de culto..."
"A recente mudança na localização do altar, bem como a posição do padre de frente para a assembléia - proibidas antigamente - tornam-se hoje o sinal de uma missa concebida como reunião da comunidade."
[Ele evoca a grande antiguidade do Cânon, que é na antiga liturgia "o centro da missa compreendida como Sacrifício, e denuncia as modificações que lhe foram feitas]:
"Santo Tomás de Aquino consagra todo um artigo para justificar o "mysterium fidei". E o Concílio de Florença confirma explicitamente o "Mysterium fidei" na fórmula da Consagração. Em nossos dias, o "mysterium fidei" foi eliminado das palavras da Consagração na nova liturgia. Por que então?
Foi concedida igualmente a licença de dizer outros cânones. O Segundo Cânon - que não menciona o caráter sacrifical da missa - tem, não há dúvida, o mérito de ser o mais curto, mas, de fato, suplantou por toda a parte o Cânon romano.
Foi assim que nós perdemos o profundo sentido teológico dado pelo Concílio de Trento."
[Ele recorda Pio XI declarando que a língua empregada na liturgia devia ser] "non vulgaris" (não vulgar).
"Por essas mesmas razões, o cânon 9 do Concílio (de Trento) estabelece a excomunhão para aqueles que afirmam que o rito da Igreja Romana no qual parte do Cânon e as palavras da Consagração são pronunciadas em voz baixa, deve ser condenado."
"O emprego do vernáculo acarretou sérias incompreensões e erros doutrinais, ele produziu a "desunião": Esta Babel de cultos públicos tem por resultado a perda da unidade externa no seio da Igreja Católica (...). Devemos admitir que, em poucos decénios, depois da reforma da língua litúrgica, nós perdemos esta oportunidade de rezar e de cantar juntos".
"Em terceiro lugar, a reforma que se seguiu ao Vaticano II destruiu ou transformou a riqueza de numerosos símbolos litúrgicos".
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O Concílio pediu, uma vez e outra vez, que a reforma aderisse à tradição. Todas as reformas, a excepção da pós-conciliar, observaram essa regra básica
Com o fim de estabelecer a coincidência ou a contradição entre as regulamentações do Concílio e a reforma tal qual foi levada a cabo, vejamos brevemente as instruções Conciliares mais importantes relativas ao trabalho de reforma.
As instruções gerais, que concernem sobretudo aos fundamentos teológicos, estão contidas principalmente no artigo 2 da Sacrossantum Concilium. Aí se estabelecem primeiramente a natureza terreno-celestial da Igreja, seu Mistério, tal como a liturgia deveria expressar isso: todo o que é humano deveria estar ordenado e subordinado ao divino; o visível ao invisível; o activo ao contemplativo; o presente à futura Cidade de Deus que buscamos. De acordo com isso, a renovação da liturgia deve ir de mãos dadas com o desenvolvimento e a renovação do conceito de Igreja.
O artigo 21 deixa assentada a condição prévia para qualquer reforma litúrgica: que há na liturgia uma parte imutável, pois foi decretada por Deus, e partes que podem ser mudadas, ou seja, aquelas que se introduziram no curso do tempo em forma imprópria ou que ficou provado serem menos apropriadas. Os textos e os ritos devem se corresponder com a ordem estabelecida no artigo 2, e por isso podem ser mais bem entendidos e melhor experimentados pelo povo.
No artigo 23 aparecem, sobretudo, guias práticos que devem ser seguidos para lograr a correcta relação entre tradição e progresso. Deve empreender-se uma precisa investigação teológica, histórica e pastoral; ademais, devem considerar-se as leis gerais da estrutura e do sentido da liturgia, e a experiência derivada das reformas litúrgicas mais recentes. Logo, se deixa estabelecido como norma geral que a inovação pode ser introduzida somente se um genuíno beneficio para a Igreja o demanda. Finalmente, as novas formas devem surgir organicamente daquelas já existentes.
Convém assinalar que as normas práticas para a tarefa da reforma surgem da natureza didáctica e pastoral da liturgia.
De acordo com o artigo 33, a liturgia é principalmente o culto à majestade de Deus, pelo qual os crentes entram em relação com Ele por meio de signos visíveis que a liturgia usa para expressar realidades invisíveis, signos que foram eleitos por Cristo mesmo ou pela Igreja. Há aqui um eco vibrante do que o Concílio de Trento já recomendava com o fim de proteger seu património do vazio racionalista e insípido do culto protestante, património que o Santo Padre em seus escritos às Igrejas orientais caracterizou como seu tesouro especial. Este "tesouro especial" também merece ser uma fonte de alimento para a Igreja Católica. Ele se distingue por ser rico em simbolismo, provendo, dessa maneira, educação didáctica pastoral e enriquecimento, tornando- o especialmente adequado até para a gente mais simples.
Quando consideramos que as Igrejas Ortodoxas – apesar de sua separação da rocha da Igreja– através da expressão simbólica e do desenvolvimento teológico que continuamente se incorporaram à sua liturgia preservaram as crenças correctas e os sacramentos, toda reforma litúrgica católica deveria antes aumentar a riqueza simbólica de sua forma de culto em vez de diminuí-la –por vezes até drasticamente.
No que concerne às guias práticas para partes específicas da liturgia – sobretudo para o que é central, o sacrifício da Missa– é suficiente concentrar-se em uns poucos pontos especialmente significativos para a reforma do Ordo Missae.
Para isso, devem se enfatizar especialmente duas directivas Conciliares. No artigo 50 se dá, primeiramente, a directiva de que na reforma deve manifestar-se mais claramente a natureza intrínseca das várias partes da Missa, e a conexão entre elas, com a finalidade de facilitar a activa e devota participação dos fiéis.
Como consequência, se enfatiza que os ritos devem ser simplificados, porém mantendo, ao mesmo tempo, fielmente sua substância, e que certos elementos que tinham sido duplicados no curso dos séculos ou agregados de maneira não especialmente oportuna, deviam ser novamente eliminados; enquanto outros, que tinham sido perdidos com a passagem do tempo, seriam restaurados em harmonia com os padres Conciliares até onde parecera apropriado ou necessário.
O CONCÍLIO: ÊNFASE ESPECIAL NO SILÊNCIO
No que concerne à participação dos fiéis, os vários elementos de compromisso exterior estão indicados no artigo 30, com ênfase especial no silêncio necessário, nos momentos devidos. O Concílio volta a isso, com mais detalhe, no artigo 48, com uma nota especial sobre a participação interior, através da qual a adoração a Deus e a obtenção da Graça, juntamente com o sacerdote que oferece o sacrifício e os demais participantes, logra seus frutos.
A LINGUAGEM LITÚRGICA
O Artigo 36 fala da linguagem litúrgica em geral, e o artigo 54 dos casos particulares da Missa. Logo após de uma discussão que durou vários dias, na qual se discutiram os argumentos, a favor e contra, os padres Conciliares chegaram à clara conclusão – em total acordo com o Concílio de Trento– de que o Latim devia ser mantido como a língua do culto para o rito Latino, ainda que fossem possíveis e até bem aventurados os casos excepcionais. Voltaremos a este ponto em detalhe.
O CANTO GREGORIANO
O artigo 116 fala extensamente sobre o canto gregoriano, fazendo notar que este foi o canto clássico da liturgia católica desde o tempo de Gregório, o Grande, e que, como tal, deve ser mantido. A música polifónica também merece atenção e estudo. Os demais artigos do capitulo VI, sobre música sacra, falam do canto e a música apropriados para a Igreja e a liturgia, e enfatiza esplendidamente o importante, certamente fundamental, papel do órgão na liturgia Católica.
O artigo 107 analisa a reforma do ano litúrgico, pondo ênfase na afirmação ou reintrodução dos elementos tradicionais, e guardando seu carácter específico. Enfatiza-se particularmente a importância das festas do Senhor e em geral do Propium de tempore na seqüência anual, na qual algumas festas sagradas deviam deixar seu lugar para que a completa efectividade da celebração dos mistérios da redenção não fosse menoscabada.
Por certo que essas menções sobre a reforma litúrgica à luz da Constituição para a Liturgia não são completas, no que concerne aos distintos temas considerados, nem a como foram tratados. Seleccionarei muitos e variados exemplos que parecem necessários para chegar a uma conclusão convincente.
A Igreja e a liturgia crescem e se desenvolvem juntas, porém sempre de modo que o terreno se organize em torno ao celestial.
A Missa vem de Cristo; foi adotada pelos apóstolos e seus sucessores, como também pelos Padres da Igreja. Desenvolveu-se organicamente com a manutenção consciente de sua substância. A liturgia se desenvolveu conforme à Fé que está contida nela; por isso podemos dizer com o Papa Celestino I, em seus escritos aos Bispos Galicanos, no ano 422: Legem credendi lex statuit supplicandi: a liturgia contém e, em formas adequadas e compreensíveis, expressa a Fé. Nesse sentido, o conteúdo da liturgia participa do conteúdo da própria Fé e, certamente, contribui a protegê-la. Nunca se viu, então, em nenhum dos ritos cristãos católicos, uma ruptura, uma criação radicalmente nova – a excepção da reforma pós-conciliar. Porém, o Concílio pediu, uma e outra vez, que a reforma se mantivesse unida à tradição. Todas as reformas, começando com Gregório I, ao longo da Idade Média, durante o ingresso na Igreja dos povos mais díspares com seus variados costumes, observaram essa regra básica.
Essa é, incidentalmente, uma característica de todas as religiões, inclusive as não reveladas, o que prova que um apego à tradição é comum a todo culto religioso, e, portanto, é algo natural.
Não é surpreendente, portanto, que cada broto herético da Igreja Católica tenha gerado uma revolução litúrgica, como é claramente reconhecível no caso dos protestantes e anglicanos; enquanto que as reformas efectuadas pelos Papas e particularmente estimuladas pelo Concílio de Trento e levadas adiante pelo Papa São Pio V, como as de São Pio X, Pio XII e João XXIII, não foram revoluções, mas meramente correcções insignificantes, alinhamentos e enriquecimentos. Não devia introduzir-se nada de novo, como o Concílio diz expressamente referindo-se à reforma desejada pelos Padres Conciliares, salvo que o demandassem o bem genuíno da Igreja.