sexta-feira, 27 de março de 2009


Cardeal Dario Castrillon
Trata-se pelo contrário de uma oferta generosa do Vigário de Cristo que, como expressão de sua vontade pastoral, quer pôr a disposição da Igreja todos os tesouros da liturgia latina que durante séculos nutriu a vida espiritual de tantas gerações de fiéis católicos. O Santo Padre quer conservar os imensos tesouros espirituais, culturais e estéticos ligados à liturgia antiga.

A recuperação desta riqueza se une à não menos preciosa da liturgia atual da Igreja.Por estas razões o Santo Padre tem a intenção de estender a toda a Igreja latina a possibilidade de celebrar a Santa Missa e os Sacramentos segundo os livros litúrgicos promulgados pelo Beato João XXIII em 1962. Por esta liturgia, que nunca foi abolida, e que , como dissemos, é considerada um tesouro, existe hoje um novo e renovado interesse e, também por esta razão o Santo Padre pensa que chegou o tempo de facilitar, como o quis a primeira Comissão Cardinalícia em 1986, o acesso a esta liturgia fazendo dela uma forma extraordinária do único rito Romano.

Cardeal Dario Castrillon
Trata-se pelo contrário de uma oferta generosa do Vigário de Cristo que, como expressão de sua vontade pastoral, quer pôr a disposição da Igreja todos os tesouros da liturgia latina que durante séculos nutriu a vida espiritual de tantas gerações de fiéis católicos. O Santo Padre quer conservar os imensos tesouros espirituais, culturais e estéticos ligados à liturgia antiga.

A recuperação desta riqueza se une à não menos preciosa da liturgia atual da Igreja.Por estas razões o Santo Padre tem a intenção de estender a toda a Igreja latina a possibilidade de celebrar a Santa Missa e os Sacramentos segundo os livros litúrgicos promulgados pelo Beato João XXIII em 1962. Por esta liturgia, que nunca foi abolida, e que , como dissemos, é considerada um tesouro, existe hoje um novo e renovado interesse e, também por esta razão o Santo Padre pensa que chegou o tempo de facilitar, como o quis a primeira Comissão Cardinalícia em 1986, o acesso a esta liturgia fazendo dela uma forma extraordinária do único rito Romano.

segunda-feira, 23 de março de 2009

CARTA ENCÍCLICA DO PAPA PIO XII MEDIATOR DEI SOBRE A SAGRADA LITURGIA




CARTA ENCÍCLICA DO PAPA PIO XII

MEDIATOR DEI

SOBRE A SAGRADA LITURGIA

Aos veneráveis irmãos Patriarcas, Primazes,
Arcebispos, Bispos e aos outros Ordinários locais
em paz e comunhão com a Sé Apostólica

INTRODUÇÃO

1. "O mediador entre Deus e os homens", (1) o grande pontífice que penetrou os céus, Jesus filho de Deus,(2) assumindo a obra de misericórdia com a qual enriqueceu o gênero humano de benefícios sobrenaturais, visou sem dúvida a restabelecer entre os homens e o Criador aquela ordem que o pecado tinha perturbado e a reconduzir ao Pai celeste, primeiro princípio e último fim, a mísera estirpe de Adão, infeccionada pelo pecado original. E por isso, durante a sua permanência na terra, não só anunciou o início da redenção e declarou inaugurado o reino de Deus, mas ainda cuidou de promover a salvação das almas pelo contínuo exercício da pregação e do sacrifício, até que, na cruz, se ofereceu a Deus qual vítima imaculada para "purificar a nossa consciência das obras mortas, para servir a Deus vivo".(3) Assim, todos os homens, felizmente chamados do caminho que os arrastava à ruína e à perdição, foram ordenados de novo a Deus, a fim de que, com sua pessoal colaboração na obra da própria santificação, fruto do sangue imaculado do Cordeiro, dessem a Deus a glória que lhe é devida.


2. O Divino Redentor quis, ainda, que a vida sacerdotal por ele iniciada em seu corpo mortal com as suas preces e o seu sacrifício, não cessasse no correr dos séculos no seu corpo místico, que é a Igreja; e por isso instituiu um sacerdócio visível para oferecer em toda parte a oblação pura, (4) a fim de que todos os homens, do oriente ao ocidente, libertos do pecado, por dever de consciência servissem espontânea e voluntariamente a Deus.

3. A Igreja, pois, fiel ao mandato recebido do seu Fundador, continua o ofício sacerdotal de Jesus Cristo, sobretudo com a sagrada liturgia. E o faz em primeiro lugar no altar, onde o sacrifício da cruz é perpetuamente representado(5) e renovado, com a só diferença no modo de oferecer; em seguida, com os sacramentos, que são instrumentos particulares por meio dos quais os homens participam da vida sobrenatural; enfim, com o tributo cotidiano de louvores oferecido a Deus ótimo e máximo(6). "Que jubiloso espetáculo - diz o nosso predecessor de feliz memória Pio XI - oferece ao céu e à terra a Igreja que reza, enquanto continuamente dia e noite, se cantam na terra os salmos escritos por inspiração divina: nenhuma hora do dia transcorre sem a consagração de uma liturgia própria; cada etapa da vida tem seu lugar na ação de graças, nos louvores, preces e aspirações desta comum oração do corpo místico de Cristo, que é a Igreja."(7)


4. Certamente conheceis, veneráveis irmãos, que, no fim do século passado e nos princípios do presente, houve singular fervor de estudos litúrgicos; já por louvável iniciativa de alguns particulares, já sobretudo pela zelosa e assídua diligência de vários mosteiros da ínclita ordem beneditina; assim que não somente em muitas regiões da Europa, mas ainda nas terras de além-mar, se desenvolveu a esse respeito uma louvável e útil emulação, cujas benéficas conseqüências foram visíveis, quer no campo das disciplinas sagradas, onde os ritos litúrgicos da Igreja oriental e ocidental foram mais ampla e profundamente estudados e conhecidos, quer na vida espiritual e íntima de muitos cristãos. As augustas cerimônias do sacrifício do altar foram mais conhecidas, compreendidas e estimadas; a participação aos sacramentos maior e mais freqüente; as orações litúrgicas mais suavemente saboreadas e o culto eucarístico tido, como verdadeiramente o é, por centro e fonte da verdadeira piedade cristã. Além disso, pôs-se em mais clara evidência o fato de que todos os fiéis constituem um só e compacto corpo de que é Cristo a cabeça, com o conseqüente dever para o povo cristão de participar, segundo a própria condição, dos ritos litúrgicos.


5. Sem dúvida, sabeis muito bem que esta Sé Apostólica sempre zelou para que o povo a ela confiado fosse educado num verdadeiro e ativo sentido litúrgico e que, com zelo não menor se tem preocupado em que os sagrados ritos brilhem até externamente por uma adequada dignidade. Nessa mesma ordem de idéias, falando, segundo o costume, aos pregadores quaresmais desta nossa excelsa cidade, em 1943, nós os havíamos calorosamente exortado a advertir os seus ouvintes que participassem, com maior empenho, do sacrifício eucarístico; e recentemente fizemos traduzir de novo em latim, do texto original, o livro dos Salmos para que as preces litúrgicas, de que são eles a parte maior na Igreja católica, fossem mais exatamente entendidas e a sua verdade e suavidade mais facilmente percebidas.(8)


6. Todavia, enquanto pelos salutares frutos que dele derivam, o apostolado litúrgico nos é de não pequeno conforto, o nosso dever nos impõe seguir com atenção esta "renovação" na maneira pela qual é concebida por alguns, e cuidar diligentemente para que as iniciativas não se tornem excessivas nem insuficientes.

7. Ora, se de uma parte verificamos com pesar que em algumas regiões o sentido, o conhecimento e o estudo da liturgia são às vezes escassos ou quase nulos; de outra, notamos, com muita apreensão, que há algumas pessoas muito ávidas de novidades e que se afastam do caminho da sã doutrina e da prudência. Na intenção e desejo de um renovamento litúrgico, esses inserem muitas vezes princípios que, em teoria ou na prática, comprometem esta santíssima causa, e freqüentemente até a contaminam de erros que atingem a fé católica e a doutrina ascética.


8. A pureza da fé e da moral deve ser a norma característica desta sagrada disciplina, que deve necessariamente conformar-se ao sapientíssimo ensinamento da Igreja. É, portanto, nosso dever louvar e aprovar tudo o que é bem feito, conter ou reprovar tudo o que se desvia do verdadeiro e justo caminho.

9. Não acreditem, pois, os inertes e os tíbios ter a nossa aprovação porque repreendemos os que erram e contemos os audazes; nem os imprudentes se tenham por louvados quando corrigimos os negligentes e os preguiçosos. Ainda que nesta nossa encíclica tratemos sobretudo da liturgia latina, não é que tenhamos em menor estima as venerandas liturgias da Igreja oriental, cujos ritos, transmitidos por nobres e antigos documentos, nos são igualmente caríssimos; mas visamos antes às condições particulares da Igreja ocidental, que são tais que reclamam a intervenção da nossa autoridade.


10. Ouçam, pois, os cristãos todos, com docilidade, a voz do Pai comum, o qual deseja ardentemente que todos, unidos a ele intimamente, se aproximem do altar de Deus, professando a mesma fé, obedecendo à mesma lei, participando do mesmo sacrifício com uma só inteligência e uma só vontade. O respeito devido a Deus o reclama; as necessidades dos tempos presentes o exigem. Após uma longa e cruel guerra que dividiu os povos com rivalidades e morticínios, os homens de boa vontade se esforçam do melhor modo possível, em reconduzir todos à concórdia.


Acreditamos, todavia, que nenhum projeto e nenhuma iniciativa seja, neste caso, tão eficaz quanto um fervoroso espírito religioso e zelo ardente, do qual é necessário estejam animados e guiados todos os cristãos, a fim de que, aceitando de coração aberto as mesmas verdades e obedecendo docilmente aos legítimos pastores, no exercício do culto devido a Deus, constituam uma comunidade fraterna, porquanto, "ainda que muitos, somos um só corpo, participando todos do único pão.(9)



PRIMEIRA PARTE

NATUREZA, ORIGEM, PROGRESSO DA LITURGIA

I. A liturgia é culto público

11. O dever fundamental do homem é certamente este de orientar a si mesmo e a própria vida para Deus. "A ele, com efeito, devemos principalmente unir-nos como indefectível princípio, ao qual deve ainda constantemente aplicar-se a nossa escolha como ao último fim, que perdemos pecando, mesmo por negligência, e que devemos reconquistar pela fé, crendo nele".(10) Ora, o homem se volta ordinariamente para Deus quando lhe reconhece a suprema majestade e o supremo magistério, quando aceita com submissão as verdades divinamente reveladas, quando lhe observa religiosamente as leis, quando faz convergir para ele toda a sua atividade, quando - para dizer resumidamente - presta, mediante a virtude da religião, o devido culto ao único e verdadeiro Deus.


12. Esse é um dever que obriga antes de tudo os homens individualmente, mas é ainda um dever coletivo de toda a comunidade humana ordenada com recíprocos vínculos sociais, porque também ela depende da suma autoridade de Deus.

13. Note-se ainda que esse é um dever particular dos homens, porquanto Deus os elevou à ordem sobrenatural. Assim, se consideramos Deus como autor da antiga Lei, vemo-lo proclamar preceitos rituais e determinar acuradamente as normas que o povo deve observar ao render-lhe o legítimo culto. Estabeleceu, para isso, vários sacrifícios e designou várias cerimônias com que deviam realizar-se e determinou claramente o que se referia à arca da aliança, ao templo e aos dias festivos; designou a tribo sacerdotal e o sumo sacerdote, indicou e descreveu as vestes para uso dos sagrados ministros e tudo o mais que tinha relação com o culto divino.(11)

14. Esse culto, aliás, não era mais do que a sombra(12) daquele que o sumo sacerdote do Novo Testamento havia de render ao Pai celeste.


15. De fato, apenas "o Verbo se fez carne",(13) manifesta-se ao mundo no seu ofício sacerdotal, fazendo ao Pai Eterno um ato de submissão que durará por todo o tempo de sua vida: "entrando no mundo, diz... eis que venho... para fazer, ó Deus, a tua vontade...",(14) um ato que será consumado de modo admirável no sacrifício cruento da cruz: "Pelo poder desta vontade fomos santificados por meio da oblação do corpo de Jesus Cristo feita uma só vez para sempre".(15) Toda a sua atividade entre os homens não tem outro escopo. Menino, é apresentando no templo ao Senhor; adolescente, ali volta ainda; em seguida ali vai freqüentemente para instruir o povo e para rezar.


Antes de iniciar o ministério público jejua durante quarenta dias, e com seu conselho e o seu exemplo exorta todos a rezarem de dia e de noite. Como mestre de verdade, "ilumina todo homem"(16) para que os mortais reconheçam convenientemente o Deus imortal, e não "se afastem para sua perdição, mas guardem a fé para salvar a sua alma".(17) Como Pastor, depois, ele governa o seu rebanho, conduzindo-o às pastagens da vida, e dá uma lei a observar, para que ninguém se afaste dele e da reta via que traçou, mas todos vivam santamente sob o seu influxo e a sua ação.


Na última ceia, com rito e aparato solene, celebra a nova páscoa e provê a sua continuação mediante a divina instituição da eucaristia; no dia seguinte, elevado entre o céu e a terra, oferece o sacrifício salutar de sua vida; de seu peito rasgado faz, de certo modo, jorrar os sacramentos que distribuem às almas os tesouros da redenção. Fazendo isso, tem por único fim a glória do Pai e a crescente santificação do homem.


16. Entrando, depois, na sede da beatitude celeste, quer que o culto por ele instituído e prestado durante a sua vida terrena continue ininterrupto. Já que não deixou órfão o gênero humano, mas o assiste sempre com o seu contínuo e valioso patrocínio, fazendo-se nosso advogado no céu junto do Pai,(18) assim o ajuda mediante a sua Igreja, na qual está indefectivelmente presente no correr dos séculos, Igreja que constituiu coluna da verdade(19) e dispensadora de graça, e que, com o sacrifício da cruz, fundou, consagrou e conformou eternamente.(20)


17. A Igreja, portanto, tem em comum com o Verbo encarnado o escopo, o empenho e a função de ensinar a todos a verdade, reger e governar os homens, oferecer a Deus o sacrifício, aceitável e grato, e assim restabelecer entre o Criador e as criaturas aquela união e harmonia que o apóstolo das gentes claramente indica por estas palavras: "Não sois mais hóspedes ou adventícios, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus, educados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, com o próprio Jesus Cristo por pedra angular, sobre a qual todo o edifício bem ordenado se levanta para ser um templo santo no Senhor, e sobre ele vós sois também juntamente edificados em morada de Deus, pelo Espírito".(21) Por isso a sociedade fundada pelo divino Redentor não tem outro fim, seja com a sua doutrina e o seu governo, seja com o sacrifício e os sacramentos por ele instituídos, seja enfim com o ministério que lhe contou, com as suas orações e o seu sangue, senão crescer e dilatar-se sempre mais - o que se dá quando Cristo é edificado e dilatado nas almas dos mortais, e quando, vice-versa, as almas dos mortais são educadas e dilatadas em Cristo; de maneira que, neste exílio terreno prospere o templo no qual a divina majestade recebe o culto grato e legítimo.


Em toda ação litúrgica, junto com a Igreja está presente o seu divino Fundador: Cristo está presente no augusto sacrifício do altar, quer na pessoa do seu ministro, quer por excelência, sob as espécies eucarísticas; está presente nos sacramentos com a virtude que neles transfunde, para que sejam instrumentos eficazes de santidade; está presente, enfim, nos louvores e súplicas dirigidas a Deus, como vem escrito: "Onde estão duas ou três pessoas reunidas em meu nome aí estou no meio delas".(22) A sagrada liturgia é, portanto, o culto público que o nosso Redentor rende ao Pai como cabeça da Igreja, e é o culto que a sociedade dos fiéis rende à sua cabeça, e, por meio dela, ao Eterno Pai. É, em uma palavra, o culto integral do corpo místico de Jesus Cristo, ou seja, da cabeça e de seus membros.


18. A ação litúrgica inicia-se com a fundação da própria Igreja. Os primeiros cristãos, com efeito, "eram assíduos aos ensinamentos dos apóstolos, e à comum fração do pão e à oração".(23) Em toda a parte onde os pastores possam reunir um núcleo de fiéis, erigem um altar sobre o qual oferecem o sacrifício, e em torno dele vêm dispostos outros ritos adaptados à santificação dos homens e à glorificação de Deus. Entre esse ritos estão, em primeiro lugar, os sacramentos, isto é, as sete principais fontes de salvação; depois, está a celebração do louvor divino, com o qual os féis reunidos obedecem à exortação do Apóstolo: "Instruindo-vos e exortando-vos uns aos outros com toda a sabedoria, cantando a Deus em vosso coração, inspirados pela graça, salmos, hinos e cânticos espirituais";(24) depois, ainda, a leitura da Lei, dos Profetas, do Evangelho e das epístolas apostólicas; e, enfim, a prática com a qual o presidente da assembléia recorda e comenta utilmente os preceitos do divino Mestre, os acontecimentos principais de sua vida, e admoesta todos os presentes com exortações oportunas e exemplos.


19. O culto se organiza e se desenvolve segundo as circunstâncias e as necessidades dos cristãos, se enriquece de novos ritos, cerimônias e fórmulas, sempre com o mesmo intento: "a fim de que sejamos estimulados por aqueles sinais... conheçamos o progresso realizado e nos sintamos solicitados a desenvolvê-lo com maior vigor; o efeito, de fato, é mais digno, se mais ardente é o afeto que o precede".(25) Assim a alma se eleva a Deus mais e melhor; assim o sacerdócio de Jesus Cristo está sempre em ato na sucessão dos tempos, não sendo a liturgia outra coisa que o exercício desse sacerdócio. Como a sua cabeça divina, assim a Igreja assiste continuamente os seus filhos, ajuda-os e exorta-os à santidade, para que, ornados com essa dignidade sobrenatural, possam um dia voltar ao Pai que está nos céus. Ela restaura para a vida celeste os nascidos à vida terrena, dá-lhes a ajuda do Espírito Santo na luta contra o inimigo implacável; chama os cristãos em torno dos altares e, com insistentes convites, exorta-os a celebrar e tomar parte no sacrifício eucarístico, e nutre-os com o pão dos anjos, para que sejam sempre mais firmes; purifica e consola aqueles que o pecado feriu e maculou; consagra com legítimo rito aqueles que, por vocação divina, são chamados ao ministério sacerdotal; revigora com graças e dons divinos o casto conúbio daqueles que são destinados a fundar e constituir a família cristã; depois de ter confortado e restaurado com o viático eucarístico e a sagrada unção as últimas horas da vida terrena, acompanha ao túmulo com suma piedade os despojos dos seus filhos, dispondo-os religiosamente, protegendo-os ao abrigo da cruz, para que possam um dia ressurgir triunfando da morte; abençoa com particular solenidade quantos dedicam a sua vida ao serviço divino na consecução da perfeição religiosa; estende a sua mão caridosa às almas que, nas chamas da purificação, imploram preces e sufrágios, para conduzi-las finalmente à eterna beatitude.

CARDEAL SIRI -PROGRESSISMO



Progressismo - Cardeal Siri - Parte V

9. O antijuridicismo

Quem o afirma é sempre considerado verdadeiro progressista. Nem todos têm a coragem de dizer que toda lei deveria ser abolida, mas muitíssimos o pensam; e não desejam dar-se conta de que a lei é o único instrumento dos homens livres para manter a ordem e com o menor dano para eles. A afirmação já está no extremo confim da razoabilidade.

A mania é como um vento do deserto, que tudo queima e se acha em toda parte, mesmo sob falsas cinzas. Enumeramos as mais óbvias aplicações, em cuja armadilha cai um número enorme de pessoas, embora fosse possível evitar, em tempo útil, as danosas consequências.


Em toda parte desejam Assembleias: elas indicam, elas decidem. A razão? O número dissolve e aniquila – assim creem – aquele que comanda, o regulamento que limita. Autoridade e regulamentos são instrumentos – além do mais – também jurídicos. Uma vez que não poucos percebem como vão terminar as Assembleias, procuram restringi-las e usar qualquer coisa que se assemelhe a uma “assembleia reduzida”, com algum regulamento e com um responsável. Sim, falamos de “responsável”, porque o terror de maquiar-se de juridicismo é tal que não se quer mais ouvir chamar-se “presidente”, termo muito jurídico, e é possível salvar-se com uma simples variação lexical.

Outra forma é o uso impróprio da palavra “base”. Dizemos impróprio porque o termo pode ser usado também em sentido correto. Mas o uso mais recorrente é aquele em que o medo do temível juridicismo é tal que faz temer as “responsabilidades” (termo jurídico e moral) e portanto tudo se deposita sobre a “base”.


Não dizemos de fato que os termos, aqui propostos como exemplo das posições contrárias ao juridicismo, sejam perversos. Pelo contrário! Dizemos apenas que escondem, na boca de alguns, uma fraqueza.

Para falar claramente, dizemos que escondem facilmente uma “hipocrisia”. Muitos – o que se pode observar nos grupinhos, mesmo nos menores – temem dizer-se “chefe” ou “presidente”, mas aspiram de toda forma, inclusive violentas, a se tornar “tiranos”.


A verdade é esta: os homens livres se freiam, de maneira a realizar uma compatível vida social, somente de dois modos: “a violência ou a lei”. Recordemos que o medo é um reflexo da violência.

Não se quer a lei? Escolhe-se a violência?

E isto seria progresso? Sabem exatamente o que dizem e o que escrevem?

Quando foi publicado – como rascunho – um esboço de “Lei Fundamental” para o futuro Código de Direito Canônico, foi o fim-do-mundo, também e sobretudo em alguns ambientes católicos. A razão não era tanto o fato de que o esboço punha conjuntamente e pouco oportunamente elementos de direito divino e elementos de direito humano (o que teria sido um bom motivo para criticá-lo), mas somente porque era uma “Lei”. Preferiam os sermões.


A contestação na Igreja estava toda aqui ou, ao menos, originalmente aqui. E nascia de uma falta de lógica, como fica evidente pelo que foi dito acima e pelo fato de que a força substituiu a lei. E pensar que a gritar mais forte eram as pessoas acostumadas a cantar nas Laudes e Vésperas o hino à “divina” liberdade do homem, ou melhor, da “pessoa humana”!

Eis aonde se chega em virtude de se esvaziar a Teologia e zombar do velho Catecismo pelas suas ideias claras e precisas.

Continua...

O progressismo - do Cardeal Giuseppe Siri [in «Rivista Diocesana Genovese», janeiro de 1975, pp. 22-36]

Fonte: Pontifex

Tradução: OBLATVS

Monsenhor Bernard Fellay: “A Tradição não é um brinquedo nas mãos dos homens”



Monsenhor Bernard Fellay: “A Tradição não é um brinquedo nas mãos dos homens”.


Monsenhor Fellay, após a publicação da carta do Papa aos bispos sobre a questão da Fraternidade São Pio X, num comunicado oficial, o senhor disse que queria considerar o Concílio Vaticano II e o ensinamento pós-conciliar à luz da tradição. Como se diz no jargão jornalístico, é uma notícia?

Mons. Bernard Fellay“Como se diz no jargão teológico, é a substância. Significa que o filtro, a luz que dará o seu verdadeiro sentido ao ensinamento pós-conciliar será sempre o depósito da Revelação. O instrumento para produzir clareza é o magistério perene e constante do Papa a quem Deus confiou a missão de salvaguardar e transmitir a fé. Na filosofia se diz que um ato é preordenado ao objeto. Neste caso, o ato é o magistério, o objeto é o depósito da fé, isto é, a Tradição que São Vicente de Lérins definiu como « aquilo que foi crido sempre, em todos os lugares e por todos ». O Papa é o supremo guardião da Tradição”.


O próprio Papa, explicando que a Igreja não nasce com o Concílio Vaticano II mas dois mil anos antes, disse também que a Tradição não se pode fixar em 1962. O que o senhor acha?

“Nós não queremos parar a Tradição em 1962. Se fomos capazes de seguir todos os ensinamentos da Igreja desde o seu nascimento até os anos sessenta, com todos os seus desenvolvimentos, significa que não somos, como dizem, ‘fixistas’. É verdade que colocamos problemas sobre o Concílio Vaticano II, que contudo se auto definiu ‘concílio pastoral’ e não ‘dogmático’. Isto depende da evidente impossibilidade de inserir na continuidade da Tradição algumas novidades que dele brotam. Recordemo-nos que a Tradição , segundo o ensinamento da Igreja, é uma fonte de Revelação divina, não é um brinquedo nas mãos dos homens, tampouco dos tradicionalistas. O desenvolvimento neste âmbito requer homogeneidade, pode ser um passo do implícito ao explícito, mas não pode jamais estar em oposição ao que é ensinado ao longo dos séculos. A razão de ser da Igreja, guiada pelo papa, está na conservação do depósito da fé que foi entregue por Nosso Senhor”.


O senhor coloca uma ligação ontológica entre o Papa e a Tradição. Certamente, o levantamento da excomunhão que vos tinha atingido em 1988 convida a olhar nesta direção. Mas nem todos o fazem voluntariamente.

“Certamente não o fazem voluntariamente aqueles que não querem mais escutar o novo chamamento da Igreja à militância, ao distanciamento do mundo, à necessidade de seguir os mandamentos para encontrar a salvação eterna. Todos estes estão profundamente insatisfeitos por um passo semelhante”.


Uma das passagens marcantes da carta do Pontífice é aquela em que ele se mostra consciente da crise de fé na qual se encontra até o mundo católico. Qual é, na sua opinião, a conseqüência mais preocupante desta situação?

“Se, fundamentalmente, a crise da Igreja é uma crise de fé, por conseqüência imediata é também uma crise dos ministros que devem transmitir esta fé, os sacerdotes. Se está em crise o sacerdote, as graças que devem ser transmitidas aos homens através do seu ministério, em particular através do sacrifício da missa, não passarão mais ou passarão muito mais dificilmente. Portanto, é necessária uma reforma do sacerdócio, um retorno ao sentido da vocação e à santidade sob todas as formas. O sacerdote é um outro Cristo, nada menos”.


A este respeito, embora não falte de severidade em algumas passagens, o Papa demonstrou em direção aos sacerdotes da Fraternidade São Pio X uma plena delicadeza. O que sentis?

“Penso que se o Papa viu em alguns de nossos sacerdotes excesso ou rigidez, também vê algo mais. Vê a sinceridade, a seriedade. Vê o amor pela Igreja e pela fé, o amor pelas almas. Um amor pronto a suportar muito sofrimento para cumprir a missão de salvar as almas”.


Na sua carta, o Papa, referindo-se às ordenações episcopais celebradas por monsenhor Lefebvre diz: “Uma ordenação episcopal sem o mandato pontifício significa o perigo de um cisma”. Não disse “é um cisma”. Então vós jamais estivestes separados de Roma?

“Nós sempre o dissemos. As ordenações episcopais efetivamente ocorreram sem o acordo explícito do Papa João Paulo II. Mas naquelas circunstâncias históricas era evidente que não se tratava de um ato de rebelião à Santa Sé, nem de uma tentativa de estabelecer uma hierarquia paralela que, de fato, poderia levar a um cisma. Monsenhor Lefebvre, quando decidiu proceder às consagrações, tomou todas as precauções necessárias a fim de evitar qualquer perigo de cisma. Hoje, vinte anos depois, estamos muito felizes que Roma o reconheça”.


Além de alguns intelectuais, muitos católicos têm visto esta carta do Papa como uma oportunidade para colocar em fila um episcopado pouco propenso à obediência. Em alguns pontos, Bento XVI mostra ter se sentido traído. L’Osservatore Romano põe o dedo na ferida, acusando uma parte da Cúria romana pelo vazamento de informações sobre o caso Williamson, criado especialmente para atingir Bento XVI. O que significa tudo isso?

“Quando nós falamos dos problemas do Concílio Vaticano II nos referimos também a problemas desse tipo, que hoje vem evidenciado pelo Papa. Não somos nós a dizê-lo, mas a história, que durante o Concílio se enfrentaram dois partidos, um tradicional, representado principalmente pela Cúria Romana, e um outro progressista. Foi este último a vencer e a colocar imediatamente até mesmo o papado na mira. Hoje demonstra estar cansado, não sabe falar às novas gerações que querem algo mais sadio e mais sagrado. Todavia, não deixou de operar e se bate com as armas mais diversas. O nosso episódio é só o último em ordem de tempo”.


Portanto, é o Papa o verdadeiro alvo?

“É óbvio. O mundo progressista, que se aliou com o espírito moderno liberal, mal vê a Igreja levantar a sua voz forte e clara para restabelecer a verdade, reage atacando o Papa”.


Com a sua carta, o Papa relata o confronto com a Fraternidade São Pio X em seu nível natural, o da doutrina. Isso significa que o Santo Padre vos julga interlocutores dignos de atenção. Com qual ânimo e com quais expectativas vos preparais a este debate?

“É o que pedíamos há algum tempo. Sempre dissemos que o mais grave problema dos textos conciliares está em certas ambigüidades que oferecem a possibilidade de interpretações múltiplas. Do texto de um Concílio se espera a clareza e não a ambigüidade que obriga a considerações posteriores para estabelecer a correta interpretação. De outra maneira, nos perguntar-se-á sempre que coisa é mais importante: o texto ou a interpretação do magistério? Além do mais, é preciso dizer que também existe um problema filosófico. Os documentos conciliares não foram escritos segundo a linguagem da ‘philosophia perennis’, mas conforme aquela da filosofia moderna. Disso decorrem outras questões interpretativas. Portanto, julgamos que se necessitará trabalhar muito e ter em conta as dificuldades. Mas nós estamos nos preparando seriamente. Quando se trabalha para o bem da Igreja, as dificuldades não fazem medo”.


Monsenhor Fellay, quem são estes tradicionalistas?

“São católicos que querem viver como os católicos de todos os tempos, que procuram a salvação imitando os santos e seguindo o que a Igreja sempre ensinou. Em suma, são os católicos comuns bem atentos a não serem surpreendidos pela sirene que lhes convidam ao casamento num mundo hostil a Nosso Senhor”.

Entrevista de Dom Bernard Fellay concedida a Il Flogio. Fonte: Blog Messa in Latino
fonte:fratres in unum

domingo, 22 de março de 2009

MONS.RANJITH: "DEVEMOS TER A CORAGEM DE CORRIGIR O QUE ESTÁ SENDO FEITO"


PARTE DA ENTREVISTA DE SUA EXCIA. MONS. ALBERT MALCOLM RANJITH, ARCEBISPO SECRETÁRIO DA CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS.

SOBRE O MOTU PROPRIO DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI.


- Uma característica do Pontificado de Bento XVI parece ser a insistência em torno de uma correta hermenêutica do Concílio Vaticano II. Segundo o Senhor, o Motu Proprio "Summorum Pontificum" vai nessa direcção? Se sim, em que sentido?

"Já quando era Cardeal, em seus escritos, o Papa havia rejeitado um certo espírito de exuberância visível em alguns círculos teológicos motivados por um assim chamado "espírito do Concílio" que para ele foi, na realidade, um verdadeiro "anti espírito" ou um "Konzils-Ungeist" (Relação sobre a Fé, São Paulo, 2005, capítulo 2).

Cito textualmente tal obra na qual o Papa sublinha: "É preciso opor-se decisivamente a esse esquematismo de um antes e um depois na história da Igreja, totalmente injustificado pelos próprios documentos do Vaticano II, que não fazem senão reafirmar a continuidade do catolicismo" (ibid p. 33).


Fotos do Cardinal Antonio Cañizares Llovera cardeal-Primaz de Espanha e novo Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Sacramentos

MONS. ALBERT MALCOLM RANJITH

Algumas dessas reformas abandonaram importantes elementos da Liturgia com as relativas considerações teológicas: agora é necessário e importante recuperar esses elementos. O Papa, considera que o rito de São Pio V, revisto pelo Beato João XXIII, é um caminho para a recuperação daqueles elementos ofuscados pela reforma, o Papa deve certamente ter reflectido muito sobre sua escolha; sabemos que ele consultou diversos sectores da Igreja sobre tal questão e, não obstante algumas posições contrárias, o Papa decidiu permitir a livre celebração daquele Rito.

Tal decisão não é tanto, como dizem alguns, um retorno ao passado, quanto a necessidade de tornar a equilibrar de modo íntegro os aspectos eternos, transcendentes e celestiais com os terrestres e comunitários da Liturgia. Essa decisão ajudará a estabelecer eventualmente um equilíbrio também entre o sentido do sagrado e do mistério, de um lado, e o dos gestos externos e dos comportamentos e empenhos sócio-culturais derivantes da Liturgia”.



Excelência, que acolhida teve o Motu Proprio de Bento XVI que liberou a Santa Missa conforme o rito tridentino? Alguns, no seio da própria Igreja, viraram o nariz...

Mons. Ranjith: "Houve reacções positivas e, é inútil negar, críticas e oposições também de parte de teólogos, liturgistas, sacerdotes, Bispos e até de Cardeais. Francamente, não compreendo estas formas de afastamento e --- por que não? --- de rebelião contra o Papa. Convido a todos, particularmente os Pastores, a obedecer ao Papa, que é o sucessor de Pedro. Os bispos, em especial, juraram fidelidade ao Pontífice: sejam coerentes e fiéis ao seu compromisso".

Segundo o senhor, a que se devem estas manifestações contrárias ao Motu Proprio?

Mons. Ranjith: "Como o senhor sabe, em algumas Dioceses foram publicados documentos interpretativos que visam inexplicavelmente limitar o Motu Proprio do Papa. Por trás destas ações se escondem, por um lado, preconceitos do tipo ideológico e, por outro lado, o orgulho, um dos pecados mais graves. Repito: convido a todos a obedecer ao Papa. Se o Santo Padre julgou como seu dever promulgar o Motu Proprio, é porque ele teve os seus motivos com os quais eu concordo plenamente".


A liberação do rito tridentino determinada por Bento XVI surgiu como um justo remédio a tantos abusos litúrgicos tristemente registrados depois do Concílio Vaticano II com o ‘Novus Ordo’…

Mons. Ranjith: "Veja, eu não quero criticar o ‘Novus Ordo’. Mas, me vem de rir quando ouço dizer, até por amigos, que numa paróquia um sacerdote é Santo pela sua homilia, ou como fala. A Santa Missa é sacrifício, dom, mistério, independentemente do sacerdote que a celebra. É importante, melhor, fundamental, que o sacerdote se coloque de lado: o protagonista da Missa é Cristo. Não entendo, portanto, celebrações eucarísticas transformadas em espetáculo com danças, músicas ou aplausos, como muito frequentemente ocorre com o Novus Ordo"

Monsenhor Patabendige, a Sua Congregação muitas vezes já denunciou estes abusos litúrgicos …

Mons. Ranjith: "Verdade. Há muitos documentos nessa linha que, infelizmente, ficaram letra morta, terminando em gavetas poeirentas, ou, pior ainda, no cesto de lixo ".

Um outro ponto: muitas vezes se ouve homilias longuíssimas...

Mons. Ranjith: "Também isto é um abuso. Sou contra danças e aplausos no decorrer das missas, que não são um circo nem um estádio. Em relação às homilias, estas devem se referir, como salientou o Papa, exclusivamente ao aspecto catequético, evitando sociologismos e falatórios inúteis. Por exemplo, é comum sacerdotes tocarem na política porque não prepararam bem a homilia que, pelo contrário, deve ser escrupulosamente estudada. Uma homilia excessivamente longa é sinônimo de pouca preparação: o tempo ideal de uma pregação deve ser de 10 minutos, no máximo 15. Deve-se lembrar que o momento culminante da celebração é o mistério Eucarístico, sem com isto querer diminuir a liturgia da Palavra, mas salientar como deve ser aplicada uma corretta liturgia".

Voltando ao Motu Proprio, alguns criticam o emprego do latim durante a Missa …

Mons. Ranjith: "O rito tridentino faz parte da tradição da Igreja. O Papa oportunamente já explicou as razões deste seu ato, um ato de liberdade e de justiça com os tradicionalistas. Quanto ao latim, gostaria de salientar que nunca foi abolido, e é mais uma garantia da universalidade da Igreja. Mas eu repito: convido aos sacerdotes, Bispos e Cardeais à obediência, deixando de lado todo o tipo de orgulho tipo ou preconceito”.

Monsenhor Ranjith: "Devemos ter a coragem de corrigir o que está sendo feito"

Deve ter sido lido o noticiário sobre a Missa Pontifical que Sua Excelência Monsenhor Malcolm Ranjith, Secretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, celebrou, este ano, na festa da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, em Maria Vesperbild, Baviera.

Depois da Missa, Mons. Ranjith deu uma entrevista ao excelente jornal católico alemão, Die Tagespost.. É absolutamente significativo que a segunda pessoa com autoridade da Congregação para o Culto Divino, escolhida pelo Santo Padre, reconheça abertamente que, no campo litúrgico, é necessário fazer uma correção de rumo da reforma litúrgica pós conciliar.

Die Tagespost: A Ásia é considerada, na Europa, como o continente da contemplação, do misticismo e da profundidade espiritual. Que pode aprender a Igreja Católica da Igreja na Ásia?

Mons. Ranjith: A Igreja Católica pode aprender muito da Igreja na Ásia. O pré-requisito para isso é a inculturação corretamente entendida, isto é, a integração com êxito de certas partes da cultura asiática na Cristandade viva.
Falo aqui especificamente da inculturação corretamente entendida, porque a inculturação, de certo modo, foi completamente incompreendida na Ásia, pelo menos por aqueles que falam de inculturação. Devemos, pois, não nos enganarmos sobre o que é realmente asiático.
Com relação às ideologias ocidentais, às escolas de pensamento, a influência do laicismo, e das perspectivas horizontalizantes, que não liberam verdadeiramente o homem, não se pode absolutamente falar de espiritualidade e de valores asiáticos. Somente se retornarmos às raízes, e se falarmos autenticamente sobre valores asiáticos, e do modo de vida asiático, podemos contribuir para a Igreja Católica. Tudo o mais será apenas fumaça e miragem.
Para evitar uma visão superficial da inculturação, precisamos distinguir entre o que é verdadeiramente asiático, do que pertence às religiões asiáticas.
Muitas práticas religiosas se desenvolveram da vida quotidiana. Confundir as duas coisas seria apenas o terreno de cultivo de uma teologia sincretísta, e a destruição do modo de vida católico. Consequentemente, devemos inicialmente efectuar uma espécie de desmitologização, e ver o que há por trás das atitudes das várias religiões. Somente então se pode discernir o que é verdadeiramente asiático.


DT: Onde V Excia vê exemplos de fracasso da inculturação cristã, na Ásia?

Mons. Ranjith: Por exemplo, através da Ásia, e através do respeito dos símbolos religiosos, por exemplo, a atração pelo sacerdote e pelas vestes religiosas. Em menhum templo budista se encontrarão monges budistas sem o hábito de monge. Os Hindusanyasis têm seus símbolos de identidade, que os distinguem dos outros, no templo, ou na rua. Essa atitude não é nem tipicamente budista, nem tipicamente hindu. É asiática. Os asiáticos, com esses símbolos, querem apontar a realidade oculta por trás da realidade visível. Eles consideram, por exemplo, as vestes sacerdotais ou religiosas como uma distinção que faz a pessoa que as veste distinta da massa, por causa de seu ideal pessoal. Se padres ou religiosos aparecem em vestes civis ocidentais e não revelam o seu estado, então não há nada a fazer com a inculturação, mas com uma pseudo visão asiática, que, de fato, é mais européia. Portanto, é muito lamentável que sacerdotes e religiosos, em muitos países da Ásia, não mais se vistam de modo correspondente a seu estado. Uma das congregações mundialmente mais conhecidas, que conseguiu pleno sucesso por meio de seu hábito religioso, modelado conforme com o estilo local de vestir, é a Congregação das Missionárias da Caridade (as Irmãs de Madre Teresa). Elas são um exemplo de inculturação cristã bem sucedida, porque toda criança na rua pode imediatamente identificá-las.

DT: Que normas se devem aplicar para ter êxito na inculturação?

Mons. Ranjith: “O texto sinodal "Ecclesia in Asia" declara expressamente que Cristo era asiático. As raízes da Cristandade e da cultura judaica que Jesus encontrou em Jerusalém, eram asiáticas. Claro que a Cristandade se expandiu para o Ocidente através do pensamento Greco-romano.
São Paulo e outros foram uma espécie de abridores de portas para isso. Infelizmente, as vicissitudes da história tornaram impossível uma primeira larga expansão da Cristandade na Ásia. Simplesmente não houve um abertura ou conexão suficiente para a maneira de pensar asiática.
Na Ásia, com relação à Cristandade, ainda predomina a imagem de uma religião importada pelos colonialistas. Mas isso não é verdade A Cristandade veio à Ásia muito antes dos poderes colonizadores. Na Índia, por exemplo, tivemos a forte tradição dos cristãos de São Tomé. Quem quiser transferir a Cristandade para a maneira asiática de vida deve mostrar humildade antes que o mistério de Deus. Somente uma pessoa crente pode ter êxito. Isso não é uma questão de competência teológica ou filosófica. O simples homem devoto, na rua, muitas vezes, pode ter vantagem, porque ele aproxima o mistério de Deus sem prejuízos, e é completamente pervadido pela mensagem cristã. A vox populi desempenha um importante papel para a inculturação. Somente com pessoas profundamente religiosas que rezam é possível o triunfo de uma inculturação. Frequentemente, teólogos esquecem que podemos descobrir o verdadeiro valor da mensagem de Jesus apenas se ficarmos ajoelhados. Vemos isso no modo como Paulo evangelizava. Ele era um homem de Deus, que amou a Deus, e que dedicou totalmente sua vida a Cristo, e viveu em constante contacto com Ele. Somente uma pessoa como essa pode ter o modelo da inculturação cristã. De outro modo, a Cristandade não passará de ser mais do que a capa de um livro. E desgraçadamente deve-se dizer que presentemente não há um pensamento teológico sério, na Ásia. Temos um grande amontoado de ideias: um pouco de Teologia da Libertação, vinda da América Latina, um pouco de Teologias Ocidentais, algum tanto de correntes filosóficas das Universidades Ocidentais - e, cada uma dessas coisas, sendo impetuosamente tentadas. Por conseguinte, há uma espécie de isolamento, pois cada uma dessas coisas não é aberta para o mistério dos caminhos de Deus. A Teologia é considerada apenas como uma espécie de evento humano. A abertura para a luz de Deus está perdida. O sentido da profunda união mística com Deus está perdido, assim como a capacidade para entender a fé das pessoas comuns. Mas é precisamente dessas características de que um teólogo precisa.


DT: Da Ásia, ouvem-se vozes dizer que o debate sobre a liturgia tridentina é tipicamente europeu, e nada tem a ver com o povo das regiões de missão. Como V. Excia vê isso?

Mons. Ranjith: Bem, essas são opiniões individuais que não podem ser generalizadas para a Igreja Católica. Que toda a Ásia rejeite a Missa tridentina é inconcebível. Deve-se tomar cuidado com generalizações tais como: "A Missa antiga não convém para a Ásia". Precisamente é o rito da liturgia extraordinária que reflete alguns valores asiáticos em toda a sua profundidade. Acima de tudo, o aspecto da Redenção e o sentido da perspectiva vertical da vida humana, a relação profundamente personalizada entre Deus e o sacerdote, entre Deus e a comunidade, são expressas mais claramente na antiga liturgia do que no Novus Ordo. O Novus ordo, pelo contrário, sublinha mais a perspectiva horizontal. O que não quer dizer que o próprio Novus Ordo sublinhe uma perspectiva horizontal, mas antes sua interpretação por diferentes escolas litúrgicas, que consideram a Missa mais como uma experiência comunitária. Contudo, se certas maneiras de pensar forem evocadas, alguns reagem desconfiadamente. A Santa Missa não é apenas um memorial da Santa Ceia, mas também o Sacrifício de Cristo e o Mistério de nossa Salvação. Sem a Sexta-Feira Santa, a Santa Ceia não tem sentido. A Cruz é o sinal maravilhoso do amor de Deus e somente em relação com a Cruz é plenamente possível haver verdadeira comunidade. Aqui está o real ponto de partida para a evangelização da Ásia.



Mons. Ranjith

DT: Em que sentido a reforma litúrgica pós-conciliar contribuiu para uma renovação espiritual?
Mons. Ranjith: O uso do vernáculo permitiu que muitas pessoas entendessem mais profundamente o mistério da Eucaristia, e permitiu um mais intensa relação com os textos da Escritura. A participação activa do fiel foi encorajada. Entretanto, isso não significa que a Missa deva ser inteiramente orientada para o diálogo. A Missa deve ter momentos de silêncio, de interioridade e de oração pessoal. Onde há um falar contínuo, o homem não pode ser profundamente penetrado pelo mistério. Não devemos falar continuamente diante de Deus, mas devemos também deixá-Lo falar. Contudo, a renovação litúrgica foi afectada por uma arbitrariedade experimental com a qual a Missa, hoje, se tornou livremente numa liturgia “faça-a você mesmo” ("do-it-yourself liturgy") . O espírito da liturgia, por assim dizer, foi retirado. O que aconteceu não pode mais ser desfeito. O fato é que nossas igrejas ficaram mais vazias.. Certamente houve também outros fatores: o irrefreável comportamento consumista, o laicismo, uma excessiva imagem do homem. Devemos reunir coragem para corrigir esse rumo, pois nem tudo o que aconteceu depois da reforma da liturgia estava de acordo com a intenção do Concílio. Por que deveríamos acatar o que o Concílio absolutamente não queria?

DT: Na Alemanha, é cada vez mais freqüente que as Santas Missas sejam substituídas por celebrações da Palavra de Deus dirigidas por leigos, embora haja padres disponíveis. Em troca, em muitos lugares, padres, em curso de fusão de paróquias, tem que concelebrar mais frequentemente, desse modo, cada vez menos Missas são celebradas. A Igreja deve rever a prática da concelebração?
Mons. Ranjith: Isso é menos uma questão de concelebração do que uma questão de compreensão da Missa e da imagem do Padre. O padre realiza na Eucaristia o que outros não podem fazer. Como outro Cristo, ele não é o personagem principal, que é o Senhor. Concelebrações devem ser restritas para ocasiões especiais. Uma concelebração que significa uma despersonalização da celebração da Missa é, portanto, tão errónea como a ideia de que se poderia obrigar a um padre concelebrar regularmente, ou a de fechar as igrejas de várias aldeias, para concentrar a Missa em um só lugar, embora houvesse um suficiente número de celebrantes disponíveis.

Para citar este texto:

Kollmorgen, Gregor - thenewliturgicalmovement.blogspot.com - "Monsenhor Ranjith: "Devemos ter a coragem de corrigir o que está sendo feito""
MONTFORT Associação Cultural

HOJE MISSA TRIDENTINA EM FÁTIMA ÀS 18H


Faz-se saber que a Missa celebrada segundo as rúbricas do Missal de João XXIII passará a ser celebrada na Capela do Seminário dos Padres Marianos, em Fátima, perto do museu da Cera.

Missa Tridentina (Missal João XXIII)
Capela do Seminário dos Padres Marianos
Rua de São Paulo, 2
Domingos, 18h

A Missa é celebrada por um sacerdote diocesano.