sábado, 31 de dezembro de 2016

Padre Abílio Gomes Correia, “APÓSTOLO DA EUCARISTIA”. Sacerdote bracarense a caminho dos altares


Sacerdote bracarense a caminho dos altares

"Padre Abílio Gomes Correia, sacerdote de Braga, pastor da Eucaristia"Com o intuito de obter mais devotos a este novo beato, publicamos uma entrevista, na qual é revelada uma profunda devoção à Santíssima Eucaristia, mormente, a celebração do Santo Sacrifício da Missa; demonstrou também grande zelo pelas coisas do Senhor durante toda a sua vida. Peçamos a sua intercessão, para que, por ela, muitos outros sacerdotes também se percebam chamados à sua vocação inicial: à vida de santidade pois, um sacerdote santo, santifica, por consequência, o povo que foi confiado!
 
Por Álvaro Magalhães
Adaptações de frei Cleiton Robson, OFMConv.
 
O Padre Abílio Gomes Correia nas bodas de ouro paroquiais em 8 de Julho de 1957


Passados treze anos da introdução da causa de canonização do padre Abílio Gomes Correia, antigo pároco de S. Mamede d’Este, arciprestado de Braga, o Diário do Minhofoi falar com o atual pároco e saber se há muitos devotos daquele sacerdote, cujas graças obtidas resultem na sua beatificação e canonização. Foi o atual Arcebispo Emérito de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, que assinou em 24 de Setembro de 1997 o decreto que introduziu a causa de canonização. O atual pároco de S. Mamede d’Este, o cônego Antônio da Costa Neiva, revela entusiasmo quando fala do seu antecessor naquela comunidade e não esconde a alegria de ter assumido aquela paróquia revestida do amor à Eucaristia, uma herança deixada pelo padre Abílio que tenta cuidar.

Diário do Minho (DM) - Quem foi o Padre Abílio?
Cônego Antônio Neiva (CAN) - Foi um simples padre de aldeia que, em 1907, chegou a S. Mamede d’Este vindo de Padim da Graça, onde era coadjutor do seu pároco, pois era natural de lá. Quando chegou aqui ficou espantado com o estado em que se encontrava a paróquia.

DM - Não conhecia a paróquia?
CAN - Nunca tinha vindo aqui. Encontrou a residência paroquial totalmente abandonada, a igreja no mesmo estado, com telhas partidas, janelas sem vidros, teias de aranha no interior do sacrário...

DM - Teve ajuda de alguém?
CAN - Veio sozinho e depois instalou-se na residência, primeiro com a mãe, depois com uma irmã de leite – uma moça que a mãe criou juntamente com ele, pois os pais dessa menina tinham morrido quando ainda era bebê. Essa irmã acompanhou o padre Abílio durante toda a vida aqui em S. Mamede e continuou a viver depois da sua morte. Quando chegou aqui ficou num isolamento muito grande e arranjou uma companhia: o Santíssimo Sacramento.

DM - Foi a paixão da sua vida...
CAN - Apaixonou-se pelo Santíssimo Sacramento, pôs-se em contato com os Padres Sacramentinos que trabalhavam em Roma, na igreja dos Doze Apóstolos, e fundou aqui, em 12 de Março de 1910, a Agregação da Adoração ao Santíssimo Sacramento. Os Padres Sacramentinos têm como missão adorar o Santíssimo Sacramento. Passado algum tempo fundou os Pajens da Eucaristia. As crianças não tinham qualquer formação especial e foi então
que ele formou os Pajens, corria o ano de 1914. Em 1915, porque havia uma adesão muito grande, não apenas aqui na paróquia mas também no arciprestado, ele pensou e começou a editar uma revista que publicou até ficar cego.

DM - Publicou sempre a revista?
CAN - Durante os anos da sua vida o padre Abílio publicou mensalmente a única revista eucarística que existiu em Portugal, intitulada “Mensageiro Eucarístico”. Como em S. Mamede d’Este não havia eletricidade, telefone, nem estradas, nem comunicações, ele era o diretor, redator, administrador e também o correio da revista. Ia pela estrada feita pelos romanos – a Via XVII – a Braga tratar das coisas da revista e logo a seguir à publicação da revista as  asinaturas começaram a multiplicar-se e foi chamado para a Inspeção Militar, e nessa altura Portugal participava na Guerra de 1914-1918. Foi apurado para a tropa e, ele que era um homem destemido, ficou cheio de medo. Pediu na revista para que rezassem para que não fosse chamado para a guerra porque não dispararia para matar gente. A batalha dele era espalhar o bem e a paz e não matar ninguém.

DM - As orações resultaram?
CAN - Por acaso não foi chamado para a guerra e publicou sempre a revista. O Arcebispo de Braga de então, D. Manuel Vieira de Matos, que teve uma experiência muito dura na I República – aliás como o próprio padre Abílio, que teve de fugir para Rio Caldo, no Gerês, em 1911, porque tinha lido na igreja a pastoral dos bispos que a Carbonária queria impedir de ser divulgada –, escolheu o padre Abílio para seu conselheiro pessoal. Em 1922, D. Manuel Vieira de Matos, o padre Abílio Gomes Correia e mais alguns sacerdotes, partiram para Roma
para participarem num congresso eucarístico internacional.

DM - Foi, com certeza, uma longa viagem?
CAN - Fizeram a viagem de barco, pois a Europa estava totalmente destruída da 1ª Guerra Mundial. Quando regressaram, vinham todos entusiasmados e o padre Abílio fascinado, com aquilo que viram e ouviram em Roma. Foi de fato um congresso assombroso. Como a viagem era longa tiveram muito tempo para falar e o padre Abílio questionou o arcebispo se Braga, como a “Roma portuguesa”, iria ficar calada perante os resultados do congresso eucarístico.

DM - Como respondeu D. Manuel?
CAN - O arcebispo disse que faria um encontro similar se tivesse meios para o organizar. Chamou a atenção do padre Abílio para a situação em que se encontrava Portugal. Só que o padre Abílio, corajoso como sempre, garantiu ao arcebispo que se as condicionantes eram apenas de ordem financeira, ele mesmo trataria de assumir a responsabilidade da organização. Resposta imediata do arcebispo: "Faz-se já no ano que vem! Se te encarregas disso, fazemos já". E foi o que fez mesmo.

DM - Como correu?
CAN - Em 1923, fez-se em Braga o I Congresso Eucarístico Diocesano. Foi tal o sucesso que o padre Abílio, como o ecônomo e responsável pela organização, quando foi apresentar contas o arcebispo apresentou-lhe um saldo positivo de 12 mil escudos, à data, uma pequena fortuna.

DM - Era dinheiro bem-vindo à diocese...
CAN - Nessa altura, D. Manuel Vieira de Matos estava a braços com muitas dívidas da diocese e estava construindo o Seminário Conciliar, atual edifício da Faculdade de Teologia Disse: "Graças a Deus que temos aqui um pé-de-meia para pôr as finanças da  diocese em dia e concluir a construção do Seminário". O padre Abílio, bastante atrevido, replicou: "Desculpe senhor arcebispo mas não estou de acordo! Estes 12 contos são fruto de migalhas que as pessoas pobres não comeram para se adorar o Santíssimo Sacramento. Agora o senhor arcebispo quer gastar estas migalhas em obras materiais e eu não concordo, porque não foi a si que foi oferecido o dinheiro mas para louvar o Santíssimo Sacramento"!

DM - Conhece-se a reação do arcebispo?
CAN - Sim. D. Manuel Vieira de Matos ficou um pouco aborrecido por ser contrariado – ninguém gosta de ser – e perguntou ao padre Abílio se estaria cego e não conseguia ver as necessidades que a diocese passava . "Estás cego! Estás fascinado com o Santíssimo Sacramento e só vês o Santíssimo Sacramento! O que é que se há-de fazer ao dinheiro?", perguntou. O padre Abílio respondeu: "Fazer no próximo ano um Congresso Eucarístico Nacional aqui em Braga". E D. Manuel disse-lhe então para avançar. Foi então organizado o congresso de 1924.

DM - Foi um acontecimento notável?
CAN - Entre os oradores do congresso, que se realizou no Theatro Circo, destacaram-se dois. Um chamava-se Antônio de Oliveira Salazar, que falou da questão social do país e foi rotulado de comunista. Outro chamava-se D. Manuel Gonçalves Cerejeira, um jovem com pouco mais de 30 anos, professor catedrático em Coimbra, e falou sobre os místicos do século XVI. Falou ou tentou falar porque depois das primeiras frases, era de tal forma o fascínio que a sua oratória provocava na assistência, que não deixava de ser constantemente aplaudido.

DM - Ficou tudo registado?
CAN - Temos a sorte das atas desse congresso terem sido publicadas, de forma que temos os textos proferidos. Quando começamos a ler a comunicação do então professor Manuel Gonçalves Cerejeira começamos a ler com os olhos, passamos a mexer com os lábios e não resistimos a ler em alta voz para nos maravilharmos com a melodia da composição literária do texto. Esse congresso terminou no Sameiro e os jornais do tempo dizem que juntou 380 mil pessoas. Isto foi sem dúvida um feito nacional já que, em 1924, para se chegar a Braga só pela via férrea, por carroças puxadas a cavalo e pouco mais. 

DM - Um acontecimento dessa envergadura teve repercussões imediatas?
CAN - Isto acordou o país e, ao mesmo tempo, fez tremer as ideologias políticas de então. Nessa altura o país estava politicamente à deriva. Durante dez anos os congressos eucarísticos
marcaram a vida do país. Em 1925 realizou-se em Guimarães o segundo congresso eucarístico diocesano mas alguns classificaram-no de nacional já que teve a presença de todo o episcopado. Nele apresentou-se a proposta de construção do templo dedicado ao Coração de Jesus. E o santuário da Penha nasceu fruto dessa promessa.

DM - Mas os congressos esmoreceram...
CAN - A época dos congressos foi absorvida pela Acção Católica em 1933. A revista manteve-se e durante a 2ª Guerra Mundial o padre Abílio continuou a publicá-la. Entre 1931 de 1938, o arcebispo D. Manuel Vieira de Matos pediu ao padre Abílio para que deixasse S. Mamede d’Este e fosse reorganizar o Hospital de São Marcos que estava ainda na mão de republicanos e com os bens completamente delapidados e, pior que isso, eram os padres que não se entendiam por causa dos batizados e funerais lá do hospital. O padre Abílio obedeceu. No ano de 1938, o padre Abílio tinha tudo organizado no hospital e foi visitar o então novo arcebispo e seu condiscípulo D. Bento Martins Júnior. Disse-lhe que a missão que lhe tinham confiado estava cumprida pelo que estava à disposição para assumir outras responsabilidades. O arcebispo disse que tinha cinco paróquias “muito boas” a precisar de um pároco e que eram próximas da sua terra natal: Padim da Graça. O padre Abílio recusou a oferta e disse que pretendia reassumir S. Mamede d’Este.

DM - Qual foi a reação do arcebispo?
CAN - D. Bento Martins Júnior terá dito ao seu amigo que estaria “tolo” por querer ir para uma paróquia pobre em vez de preferir terras mais ricas. Mas o padre Abílio argumentou: "É que eu lá posso rezar e tenho quem me acompanhe e aqui na cidade fiz todo o possível e não consegui nem rezar nem fazer que me acompanhassem". E lá regressou a S. Mamede d’Este restaurando a residência e promovendo outras obras. De 1941 a 1945, coincidindo com a 2ª Guerra Mundial, conseguiu restaurar a igreja.

DM - Como conseguiu?
CAN - Há correspondência do padre Abílio trocada com o Governo de então. Foram-lhe feitas
muitas promessas mas não havia dinheiro. E havia sempre alguma coisa que impedia de iniciar as obras. Escreveu então uma carta a um ministro agradecendo a amabilidade dispensada e alertando para o fato de a igreja precisar de uma intervenção urgente sob pena de cair em ruína. Por isso informou que ele e a sua gente iria fazer as obras como pudessem. Impressionado com a carta, o ministro comunicou ao Governador Civil que enviou à paróquia um arquiteto para que ajudasse na execução dos trabalhos trabalhos. E a igreja aguentou-se até 1996, altura em que assumi os destinos desta paróquia que me apercebi da necessidade de se fazer novo restauro.

DM - E o monumento no Chamor?
CAN - O padre Abílio foi o responsável pela construção desse monumento ao Coração de Jesus. O monte Chamor é um pequeno morro que está incrustado na Serra do Carvalho. Dali vê-se toda a paróquia e quase todas as casas conseguem avistar o monte. Primeiro o padre Abílio colocou uma pequena coluna e depois, em 1954, quando apearam um monumento que havia no Sameiro, que foi lá colocado em 1904, comprou-o. Com carros de bois conseguiu-se trazer até ao Chamor as pedras que foram reedificadas. Nessa altura mandou fazer um arranjo ao Coração de Jesus e deu-lhe o nome de Coração Eucarístico de Jesus, invocação muito rara numa imagem. Assim foi criado um ex-líbris da paróquia.

DM - A paróquia rendeu-se ao seu pastor?
CAN - Os paroquianos que em 1907 receberam o padre Abílio com indiferença, em 1957 fizeram-lhe uma homenagem muito grande, com a presença do Governador Civil, do presidente da Câmara e do vigário Geral da diocese. A partir desta altura a saúde do padre Abílio foi-se debilitando até que faleceu em 1967, com 85 anos. Na despedida as pessoas trouxeram tantas flores para o funeral que o seu caixão ficou assente num colchão de flores. Ainda hoje não faltam flores no túmulo do padre Abílio.


DM - Quando é que o processo de canonização foi apresentado ao Vaticano?
CAN - Foi em 2002, depois de julgado pelo Tribunal Eclesiástico de Braga e da aprovação por unanimidade da Conferência Episcopal Portuguesa. Agora está na Causa dos Santos, seguindo o curso normal destes processos, sempre demorados e guardados em segredo. Aguardamos que Deus faça um milagre que se possa provar perante a ciência dos homens para que se coloque o Padre Abílio Gomes Correia nos altares.

DM - Muita gente já está pedindo a intercessão do padre Abílio?
CAN - Têm surgido relatos da obtenção de graças muito grandes. É curioso que as pessoas quando pedem a Deus uma graça por intermédio do padre Abílio têm conseguido que os pedidos sejam despachados com rapidez. Quando me perguntam onde é que estará o padre Abílio no céu, respondo em tom de brincadeira que só poderá estar nos correios centrais, encarregado das encomendas pesadas.

DM - O senhor acredita que a beatificação possa estar próxima?
CAN - Creio que sim. Estou convencido que, de um momento para o outro, Deus fará um milagre que o elevará aos altares. Braga merece ter mais um santo do século XX. Estamos comemorando o centenário da República e eu estou convencido que a mudança no país ocorrida em 1926, partiu de Braga e teve a raiz em S. Mamede d’Este, pela mão do padre Abílio.

DM - A vida do padre Abílio também se cruzou com a Beata Alexandrina de Balasar?
CAN - Ali por 1918, Alexandrina Maria da Costa inscreveu-se no Centro da Adoração ao Santíssimo Sacramento aqui em S. Mamede d’Este. O seu nome figura juntamente com o de outras pessoas de Balasar nos livros dos agregados da Adoração ao Santíssimo Sacramento. Muito provavelmente a Beata Alexandrina conhecia o “Mensageiro Eucarístico” pois era o grande canal da Eucaristia em Portugal.

DM - A paróquia continua devota do padre Abílio?
CAN - O senhor padre Abílio é ainda hoje considerado o pároco de S. Mamede, e isto sem ciúmes da minha parte. Eu acabo por ser apenas seu coadjutor. Há ainda muitas pessoas de toda a parte que olham para o padre Abílio como modelo que colocou no centro da sua vida a Santíssima Eucaristia e concluem: Com Deus, tudo é fácil; sem Deus, quase tudo é impossível! 
Digitalizo o que o P. Fernando Leite (S.J.) escreveu no livro “APÓSTOLO DA EUCARISTIA”, editado em A.O., Julho de 1997, p. 7.
. «MORREU O NOSSO SANTO»
A 30 de Junho de 1967 realizou-se na freguesia de S. Mamede
de Este, suburbana de Braga, o funeral do Padre Abílio Gomes Cor-
reia falecido às onze horas do dia anterior num quarto particular do
Hospital de S. Marcos.
As manifestações de pesar superaram muito o que em tais cir-
cunstâncias é habitual. Ouviam-se exclamações como estas:
– Adeus, nosso santo!
– Lá vai o nosso santo!
– Abençoai-nos, ó santo.
– Não nos esqueçais, ó bom Pastor!
– Dai-nos amor à Sagrada Eucaristia!
Muitos tocavam objectos religiosos no seu cadáver ou tiravam
flores do caixão para conservarem como relíquia.
Foi preciso várias vezes intervir o clero presente, sobretudo o
Arcipreste de Braga, Cónego João de Barros, para se conseguir fechar
a urna e transladá-la para o cemitério paroquial.
Quem era o Pároco? Qual a razão destas dolorosas manifesta-
ções? Que freguesia era esta?
O Pároco era o P. Abílio Gomes Correia, que há quase 60 anos
vivia no meio daquele povo como pai espiritual, amigo dedicado,
protector solícito e exemplo vivo de todas as virtudes.
Nasceu a 09-02-1882 na freguesia de Santo Adrião de Padim da
Graça, do concelho de Braga, viveiro fértil de vocações sacerdotais”