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Peregrinação Internacional de Maio 2009
“A 13 de Maio na Cova da Iria apareceu brilhando a Virgem Maria...” Com quanto gozo e alegria, Fátima e todo o mundo se alegram, desde há noventa e dois anos, por esta grande dádiva imerecida da presença amorosa de Nossa Senhora!
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Agradeço a honra que me dá o Senhor Bispo D. António Augusto dos Santos Marto, para presidir a esta solene celebração, e quero, em primeiro lugar, trazer-vos as saudações e o amor do povo de Deus que peregrina nas Honduras, a minha pátria de origem, um país pequeno de somente 112.000 quilómetros quadrados e sete milhões de habitantes, mas onde se ama também intensamente a Virgem Maria sob a invocação de Nossa Senhora de Suyapa, precisamente porque Maria caminha com os nossos povos.
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Na vida da Igreja, destaca-se a figura da Virgem Maria, venerada como Mãe de Jesus e Mãe da Igreja. Desde o começo da evangelização, são incontáveis as comunidades que encontraram nela a inspiração mais próxima para aprender como ser discípulos e missionários de Jesus.
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Com alegria constatamos que Ela se fez parte do caminhar de cada um dos nossos povos, entrando profundamente no tecido da sua história e recebendo os traços mais nobres e significativos das suas gentes. As diversas invocações e os santuários, espalhados, ao longe e ao largo, por todo o mundo, testemunham a presença próxima de Maria aos povos e, ao mesmo tempo, manifestam a fé e a confiança que os devotos sentimos por ela.
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A Virgem pertence-nos e sentimo-la como mãe e irmã. A história da maioria dos santuários de todas as partes testemunha o carinho especial de Maria pelos pequenos e insignificantes deste mundo. A devoção mariana com a sua multiplicidade de expressões culturais, diz-nos que o Evangelho se inculturou nas feições brancas, índias, crioulas, negras e mestiças com que se apresenta a Virgem, revelando nisso o rosto compassivo e materno de Deus para com o seu povo.
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João Paulo II chamou-lhe “Mãe e Evangelizadora do mundo, Estrela da Nova Evangelização” e convidou a implorar dela “a força para anunciar com valentia a Palavra na tarefa da nova evangelização, para corroborar a esperança no mundo”.
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Na primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, parecia que estava perdida toda a esperança. Ameaças terríveis espreitavam o mundo. Ela veio trazer-nos a esperança que brota da Divina Providência de um Deus que é amor e que não abandona a obra das suas mãos. A esperança de que nos falou tanto o Papa Bento XVI, na sua segunda encíclica “Spe salvi”, com as seguintes palavras: “A vida humana é um caminho.
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Para que meta? Como encontramos o rumo? A vida é como uma viagem pelo mar da história, amiúde obscuro e borrascoso, uma viagem em que esquadrinhamos os astros que nos indicam o caminho. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver rectamente. Elas são luzes de esperança. Jesus Cristo é certamente a luz por antonomásia, o sol que brilha sobre todas as trevas da história.
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Mas para chegar até Ele necessitamos também de luzes próximas, de pessoas que dão luz, reflectindo a luz de Cristo, oferecendo assim orientação para a nossa travessia. E quem melhor que Maria poderia ser para nós estrela de esperança, Ela que com o seu “sim” abriu a porta do nosso mundo ao próprio Deus, Ela que se converteu na Arca vivente da Aliança, em que Deus se fez carne, se fez um de nós, implantou a sua tenda entre nós (cf. Jo 1, 14)? (SS 49).
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Também agora o nosso mundo se encontra submerso em profundas crises de fé, de ética, de humanidade e parece ter perdido a orientação moral. Já não sabe onde está a fronteira entre o bem e o mal. Pode ser que tenha uma próspera bolsa de valores, mas sem valores. A crise financeira que estamos a viver é simplesmente um sinal disto. A mão invisível que supostamente teria que guiar o mercado, tornou-se uma mão desonesta e cheia de cobiça.
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Hoje também, com o exemplo e o auxílio da Virgem, as comunidades cristãs continuam a missão de conduzir ao encontro com Cristo e, por isso, a invocamos novamente como Estrela da nova evangelização.
Aos olhos e ao coração dos crentes, Maria aparece como:
a) Mulher de fé: Aceita e faz seu o projecto de Deus Pai. Com o seu “sim”, convida a abrir o coração à confiança em Deus e ao abandono confiado na sua prudente condução.
Nela aprendemos a descobrir o rosto materno de Deus, rico em piedade e misericórdia, e a confiar no seu amor paternal.
A Mãe de Jesus, mostra-nos o “fruto bendito do seu ventre”, “Caminho, Verdade e Vida”, do qual queremos ser discípulos, e, cheia do Espírito Santo, ensina-nos a transformar os diversos momentos da vida humana na história da salvação.
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b) Mulher serviçal e solidária: Com os olhos postos nos seus filhos e nas suas necessidades, como em Caná da Galileia, Maria ajuda a manter vivas as atitudes de atenção, de serviço, de entrega e de gratuidade que devem distinguir os discípulos do seu Filho. Indica, além disso, qual é a pedagogia para que os pobres, em cada comunidade cristã, “se sintam como em sua casa (NMI 50).
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c) Mulher de esperança: Junto à cruz de Jesus, onde nos gerou novamente como filhos, continua a acompanhar a dor dos nossos povos sofredores, convidando os discípulos do seu Filho a percorrer com maior coerência e audácia o caminho de se tornarem próximos, para construir mais justiça e solidariedade e desenvolver uma nova “imaginação da caridade”.
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d) Mãe e formadora de comunidades de discípulos missionários: Cria comunhão e educa para um estilo de vida partilhada, em fraternidade, em atenção e aceitação do próximo, especialmente se é pobre ou necessitado. Nas nossas comunidades, a sua forte presença enriqueceu e continuará a enriquecer a dimensão materna da Igreja na sua atitude acolhedora, que a converte em “casa e escola da comunhão” (NMI 43), e em espaço espiritual que prepara para a missão.
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Maria, mãe dos discípulos missionários, também caminha connosco. Ela fá-lo como discípula, porque acreditou firmemente que o anunciado por Cristo se cumprirá. Fá-lo como missionária porque – diferentemente dos apóstolos que proclamam a Palavra – dá à luz Jesus, Palavra de Deus, conteúdo da proclamação apostólica. Caminha connosco como mulher solidária, porque oferece o seu ser, a sua intercessão e os seus santuários para atender as nossas necessidades.
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Caminha como nova Arca da Aliança, habitada pela Palavra viva de Deus, e como serva do Senhor que, pela sua escuta e obediência, tem a experiência de grandes coisas que o Poderoso faz nela e com ela. Ela é sobretudo modelo do discípulo missionário que abre a sua vida ao acontecimento salvífico trinitário.
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Maria, a mãe da Igreja, acompanha os apóstolos e discípulos em Pentecostes. Com eles espera a luz plena que provém do Espírito (cf. Jo 14, 25; 16, 13). Como eles, realiza o processo característico de uma fé que cresce na compreensão e prática do projecto salvador do Pai (cf. Lc 8, 15.21).
Mas há outro aspecto muito importante que não posso deixar de mencionar: a Virgem de Fátima trouxe-nos a mensagem do Santo Rosário que não passou de moda, como pensam alguns.
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O rosário abrevia o essencial do Evangelho e coloca-o profundamente em nós, até que no coração se sinta o eco da Boa Nova de Deus. É como uma semente que se coloca no sulco e germina, cresce, amadurece, até que dá frutos de vida: os frutos do Reino.
O rosário é uma oração que não se limita à simples repetição, como se estivesse carecida de criatividade, é antes como uma roda de moinho de água, que em cada movimento sempre traz algo de novo.
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O rosário é como o búzio marinho que capta em si o eco de todo o canto do mar. Nunca nos cansamos de ouvi-lo, quando o colocamos nos nossos ouvidos.
O rosário é como a coroa de flores que os príncipes colocavam na fronte das suas amadas. Cada rosa e cada gesto é uma bela poesia de amor. É assim como nós tomamos esse rosário – ou coroa de rosas – para ir ao encontro de Jesus e de Maria, no amor da Santíssima Trindade.
Por isso, Paulo VI dizia que, “se o rosário não for uma oração contemplativa, é um corpo sem alma, um cadáver” (Marialis Cultus, 47).
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Por isso, orar com o rosário é muito mais do que parece à primeira vista. O importante do rosário é que, limitando a oração a poucas palavras, repetidas lentamente, o coração vai absorvendo no seu interior a luz de Deus que brilhou em Maria e somos assim conduzidos ao serviço ao mundo que a caracterizou.
O rosário, em síntese, centra-se na contemplação do Evangelho em comunhão com Aquela que guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração (Lc 2, 19).
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Em cada dezena do rosário repousamos amorosamente as agitações da nossa respiração até que suscite no nosso coração orante uma dinâmica interior que remova da nossa vida as suas inércias e nos ponha a voar alto nas profundidades de Deus.
Por último: no mais recente Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus na vida da Igreja, somos exortados a dar cada vez mais importância à leitura orante da Palavra de Deus. Aqui, também encontramos a oração bíblica da Ave-Maria, como uma escola de oração que acompanha o exercício espiritual da “Lectio Divina”.
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A “Ave-Maria” é uma escola de oração bíblica.
Se tomamos consciência do valor de cada uma das suas palavras, a nossa oração crescerá mais pelas rotas do Espírito.
Não necessitamos de uma palavra que sirva de “manancial” inicial, porque esta já foi dada no “Pai-Nosso”, com o grito “Abbá”, o qual permanece no horizonte de toda a oração cristã.
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Com a “Ave-Maria” o que fazemos é um aprofundamento.
Como o “Pai-Nosso”, a “Ave-Maria” tem dois movimentos que reproduzem o palpitar do coração: o duplo movimento oracional do louvor e da súplica.
O primeiro movimento é de louvor e começa com o “Ave Maria”. O segundo movimento é de súplica e começa com o “Santa Maria, Mãe de Deus”.
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O mais belo é que, enquanto nos dirigimos a Maria em louvor e súplica, ao mesmo tempo, juntamente com Ela, nos dirigimos a Jesus, que é o motivo do nosso louvor e o fundamento de toda a invocação. Revivemos com Maria os mistérios salvíficos do seu Filho e com Ela os meditamos no nosso coração.
Ao mesmo tempo, juntamente com Ela, podemos pedir juntos a intervenção do Senhor pelas nossas necessidades particulares.
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É interessante e sempre novo: trata-se de um exercício espiritual tremendo. Com este tipo de oração tão privilegiado, o nosso coração vive uma tripla atenção: a Maria, a Jesus e às necessidades actuais de todas as pessoas. Por isso, é algo actual e nunca passará.
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Que Nossa Senhora de Fátima, que concebeu primeiro a Jesus Cristo no coração e depois nas suas entranhas, continue sendo mãe e modelo de fecundos discípulos missionários na Igreja de Portugal e de todo o mundo e nos guie nos novos caminhos pastorais e espirituais para que de todos nós, que tanto veneramos a sua Santíssima Mãe, tenhamos vida em Jesus Cristo. Ámen.
Santuário de Fátima, 13 de Maio de 2009.
Óscar Andrés Rodriguez Maradiaga, S. D. B.
Cardeal Arcebispo de Tegucigalpa, Honduras