O
púlpito, onde as palavras de Jesus são repetidas, não nos une a Ele; o coro, no
qual os suaves sentimentos são cantados, não nos aproxima tanto da Sua Cruz.
Um templo sem altar de sacrifício não existiu entre os próprios povos
primitivos, e nada significa entre os cristãos.
Na Igreja
Católica é, pois, o altar, e não o púlpito, ou o coro, ou o órgão, que
representa o centro de amizade, pois é ali que se renova a memória da
Paixão.... A Missa é o maior acontecimento da história da
humanidade: o único Ato sagrado que afasta a ira de Deus de um mundo pecador,
porque eleva a Cruz entre a terra e o Céu, renovando assim aquele decisivo
momento em que a nossa triste e trágica humanidade viu desenrolar-se na sua
frente o caminho para a plenitude da vida sobrenatural.
... Não é possível fugirmos à cruz, a não
ser que façamos o que fizeram os Fariseus ou vendendo Cristo, como o fez Judas,
ou crucificando-O, tal como fizeram os seus carrascos. Todos nós vemos a
Cruz, quer para abraçá-la, para nos salvarmos, quer fugindo dela, para nos
perdermos.
Como é, porém, que a cruz se torne
visível?
Como se perpetuou e renovou o cenário do
Calvário?
No Santo Sacrifício da Missa, porque, quer
no Calvário, quer durante o Santo Sacrifício, o Sacerdote e a Vítima são os
mesmos. As sete palavras derradeiras são idênticas às sete partes da Missa.
Assim como as sete notas musicais comportam uma infinita variedade de harmonias
e combinações, também na Cruz há sete notas divinas que o Cristo
moribundo fez soar através dos séculos e que, no seu conjunto, constituem a
sublime melodia da Redenção do mundo.
Cada palavra é uma parte da Missa.
A primeira, "Perdoai-lhes", representa o
Confiteor; a segunda, "Hoje estarás comigo no paraíso", é o Ofertório; a
terceira, "Mulher, eis aqui o teu filho", é o Sanctus; a quarta, "Por que me
abandonaste?", é a Consagração; a quinta. "Tenho Sede", é a Santa Comunhão; a
sexta, "Tudo está consumado", é o "Ite missa est"; a sétima, "Pai, nas Vossas
mãos entrego o Meu espírito", é o Último Evangelho.
Representai, pois, na vossa idéia,
o Sumo Sacerdote, Cristo, saindo da sacristia do Céu para o altar do Calvário.
Ele já se revestiu da nossa natureza humana, colocou no braço o manípulo do
nosso sofrimento, a estola do sacerdote, a casula da Cruz. O Calvário é a Sua
Catedral; a rocha do Calvário é a pedra do altar; o rubor do sol poente a
lâmpada do Santuário; Maria e João são as imagens vivas dos altares laterais; a
Hóstia é o Corpo de Jesus; o vinho o Seu sangue. Ele está de pé, como sacerdote,
e prostrado, como vítima.
Confissão (1ª Parte)
“Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem
o que fazem”. (Lc 23,34)
A Missa principia com a confissão. A
confissão é uma prece na qual confessamos os nossos pecados e pedimos à Nossa
Mãe Santíssima e aos Santos para que intercedam junto de Deus pelo nosso perdão,
pois apenas os limpos de coração poderão ver a Deus. Nosso Senhor inicia também
a Sua Missa com a Confissão, embora ela seja diferente da nossa neste ponto: Ele
é Deus e, portanto, sem pecado. “Qual de vós me arguirá de pecado?” A
sua Confissão não pode, portanto, ser uma prece pelo perdão dos Seus pecados,
mas sim uma oração pelo perdão dos nossos pecados.
Outros teriam gritado, amaldiçoado,
ter-se-iam contorcido, quando os cravos atravessaram os Seus pés e as Suas mãos.
Nem a revolta nem a vingança encontram, porém, lugar no peito do Salvador; os
Seus lábios não proferem uma única exclamação de represália contra os Seus
algozes, nem sequer murmuram uma prece para obter mais forças que Lhe ajudem a
suportar as Suas dores.
O Amor
Incarnado esquece a angústia e, naquele momento da agonia concentrada, revela
algo na altura, da profundidade e inspiração do maravilhoso amor de Deus,
quando Jesus pronuncia a sua Confissão: “Pai, perdoai-lhes, porque eles não
sabem o que fazem”.
Ele não disse “Perdoa-Me”, mas sim
“perdoai-lhes”. O momento da morte era, certamente, o mais
adequado para provocar a confissão do pecado, porquanto a consciência, na
solenidade das últimas horas, afirma a sua autoridade. Nem sequer
esboço de contrição se escapou dos Seus lábios. Jesus associou-Se aos
pecadores, mas nunca Se associou ao pecado. Tanto na morte como na
vida, Ele nunca teve a consciência de ter descurado um único dever para com Seu
Pai Celestial. E porque? Porque um homem imaculado, absolutamente isento de
culpa, é algo mais que um homem – é Deus. E é nisso que reside a
diferença.
Nós vamos buscar as nossas orações às
profundidades da nossa consciência do pecado: a própria palavra “perdoa”, prova
que Ele é o Filho de Deus. Repare-se nos termos em que Jesus pediu a Seu Pai que
nos perdoasse - “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que
fazem”.
Quando alguém nos ofende ou censura sem
razão, nós comentamos amargamente a falta de conhecimento de quem assim procede.
Quando, porém, nós pecamos contra Deus, Ele encontra uma desculpa para perdoar –
a nossa ignorância.
Não há redenção para os anjos
caídos. As gotas de sangue que caem da Cruz, na Missa de
Sexta-Feira Santa de Cristo, não tombam sobre as suas cabeças. E porque? Porque
eles sabiam o que faziam. Eles previam as conseqüências dos seus atos, tão
claramente como nós vemos que dois mais dois são quatro, e que uma coisa não
pode existir e deixar de existir, ao mesmo tempo. Verdades desta natureza, uma
vez compreendidas, não podem ser refutadas, pois são irrevogáveis e
eternas.
Foi essa razão pela qual, quando os anjos
decidiram revoltar-se contra o Altíssimo, não puderam voltar atrás com a sua
decisão. Eles sabiam o que estavam a fazer!
Conosco, no entanto, é diferente.
Nós não vemos as conseqüências dos nossos atos com a mesma clareza,
porque somos mais ignorantes que os anjos. Se, contudo, soubéssemos que cada pecado de orgulho tece
uma coroa de espinhos para a fronte de Jesus; se soubéssemos que cada
transgressão dos Seus Divinos Mandamentos é a negação da própria Cruz; se
soubéssemos que os atos da avareza e soberba correspondem aos cravos que
trespassam as mãos e pés de Jesus; se, conhecendo a bondade de Deus,
continuássemos a pecar, nunca teríamos sido salvos.
É apenas a nossa ignorância do infinito amor do Sagrado
Coração que nos abrange na prece da Sua Confissão, pronunciada
do alto da Cruz: “Pai, perdoai-lhes porque eles não sabem o que
fazem.”
Estas palavras devem ser gravadas
no íntimo das nossas almas, e não constituírem desculpa para a nossa
reincidência no pecado, mas serem, antes, um motivo de contrição e
penitência. O perdão não é uma negação do pecado. Nosso Senhor não nega o horrível fato do pecado, e é
precisamente neste ponto que o mundo erra, pois considera-o como que um
retrocesso ao processo evolucionário, uma sobrevivência de influências do
passado e identifica-o com a verbosidade psicológica. Numa palavra, o mundo
moderno nega o pecado.
Nosso Senhor lembra-nos que ele é a mais
terrível de todas as realidades. Sendo assim, porque, é, porém, que Ele deu uma
cruz àqueles que não pecam? Porque é que deixou derramar sangue inocente? Porque
é que estão ligados ao pecado, sentimentos horríveis, como a cegueira moral, a
covardia, o ódio e a crueldade? Porque é que Ele saiu do reino do imaterial,
revestiu a forma material, e permitiu que a Inocência fosse crucificada num
madeiro?
Jesus, que amou os homens até a ponto de
morrer por eles, permitiu que o pecado exercesse a sua vingança sobre Ele, para
mostrar todo o horror representado pela crucifixão de Aquele que mais amava.
Aqui, não há, portanto, negação do pecado; a despeito de toda a
monstruosidade que ele representa, a Vítima perdoa. A morte de
Jesus revela a suprema depravação do pecado, mas tem também a marca de perdão
divino. Sendo assim, não há homem que,
olhando para um crucifixo, possa afirmar que o pecado não uma coisa grave, nem
também possa asseverar que ele não tem perdão.

Pela maneira como sofreu, Jesus revelou a
realidade do pecado. Pela maneira como suportou os seus tormentos, Ele revela a
Sua compaixão pelo pecador. Ele é a Vítima que sofreu e perdoa. Assim na
Vítima, tão humanamente bela, tão divinamente adorável, qualquer de nós pode
recordar um Grande Crime e um Grande Perdão. Sob o escudo, que é o sangue de Cristo, podem abrigar-se
os maiores pecadores, pois esse sangue tem o poder de sustar as marés da
vingança que ameaçam submergir o mundo.
O
mundo pode explicar o pecado à sua maneira e desculpá-lo; só, no Calvário,
podemos encontrar o perfeito conhecimento da divina contradição do pecado
perdoado. A renúncia voluntária e o divino amor transformam o
pecado na ação mais nobre e na mais suave e piedosa súplica que o mundo jamais
viu e ouviu – a Confissão de Cristo: "Pai, perdoai-lhes, porque eles não
sabem o que fazem”.
Aquela palavra
“perdoai”, que soou do alto da Cruz naquele dia em que o pecado se
ergueu a toda a altura e com toda a sua força, para ser vencido pelo Amor,
produziu um eco que ainda não se extinguiu.
Pouco antes da Sua Morte, o Divino Salvador
instituía os meios para prolongar o perdão, através do espaço e do tempo, até ao
fim do mundo. Reunindo à Sua volta os membros da Sua Igreja, Ele disse aos Seus
Apóstolos: “Aquele a quem perdoardes os pecados serão perdoados”. Em
qualquer ponto do mundo dos nossos dias, desde então, os sucessores dos
Apóstolos têm o poder de perdoar. Não nos cabe perguntar:
Mas, como pode um homem absolver os
pecados, se, realmente, um homem não tem esse poder? É Deus quem perdoa, por
intermédio do homem. Pois não foi essa a maneira como Ele perdoou àqueles que o
pregaram na Cruz, visto que estava revestido da natureza humana? Não será, pois,
razoável esperar que Ele nos perdoe os pecados por intermédio de outras
naturezas humanas, às quais Ele conferiu esse poder?
E onde encontraremos essas naturezas
humanas? Lembro, a propósito, a história daquela caixa, cujo conteúdo fora
durante muito tempo ignorado e até ridicularizado pela sua provável
insignificância, até ao dia em que foi aberta e se descobriu que encerrava o
coração de um gigante. Esse caixa existe
em todas as igrejas católicas, e damos-lhe o nome de
confessionário. Alguns ignoram-na,
ou escarnecem-na; mas a verdade é que nela se contém o Sagrado Coração de Jesus
que perdoa aos pecadores, por meio da mão do sacerdote que se ergue, tal como
Ele perdoou, quando as Suas mãos se ergueram e foram pregadas nos braços da
Cruz.
Na realidade, existe apenas o perdão de
Deus. A exclamação “Perdoai-lhes”, foi proferida uma vez – num ato
divino e eterno, com o qual a humanidade entrou em contacto através dos tempos.
Assim como não podemos ouvir as melodias e palavras que pairam no ar, a não ser
que liguemos os rádio-receptores, também as nossas almas só podem sentir a
alegria eterna da divina exclamação “Perdoai-lhes”, acorrendo ao
confessionário, onde nos será dado ouvir a divina palavra soltada do alto da
Cruz.
Deus deseja que, em vez de negar a culpa, o
espírito dos nossos dias a admita, olhe para a Cruz, em busca do perdão; Deus
quer que as consciências desassossegadas, que não podem encarar a luz e receiam
as trevas, procurem alívio, não no domínio da medicina, mas sim na
Divina Justiça.
Aqueles cujos
espíritos estão imersos nas sombras, devem recorrer à confissão, único meio de
expurgar as suas culpas. Em vez de enxugar as suas lágrimas em silêncio, os
pobres mortais devem procurar a mão que lhes enxugue o pranto e os absolva. A
maior tragédia da vida humana não é, precisamente, aquilo que às almas acontece,
mas sim aquilo que lhes falta.
E haverá maior tragédia do que a falta de
paz, provocada pelo estado de pecado, cuja absolvição se não procura?
A confissão, proferida aos pés do altar, é
uma declaração da nossa ausência de merecimento: o “Confiteor” da Cruz
é a nossa esperança de perdão e absolvição. As feridas do Salvador foram terríveis; a pior de todas,
porém, será aquela que for infligida pelas nossas culpas.
O “Confiteor” pode salvar-nos,
pois, quando o pronunciamos, admitimos que carecemos de perdão, e muito mais do
que podemos supor.
Conta-se que certa religiosa, estando um
dia a limpar do pó uma pequena imagem do Salvador, a deixou cair. Apanhou-a,
intacta, beijou-a e colocou-a no seu lugar, dizendo: “Se não tivésseis
caído, não teríeis recebido este ósculo”. Penso, a propósito, se Deus Nosso
Senhor seria para nós o que é, se jamais tivéssemos pecado, pois, se assim
fosse, não poderíamos chamar-Lhe “Salvador”.
fonte:A grande guerra