O Amor Divino Encarnado. No Brasil.
Por Belém, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, o que se viu, no pouco mais de uma semana em que o Cardeal Raymond Leo Burke esteve no país, foi uma multidão de fiéis abarrotando auditórios e igrejas, ávida por ouvir o purpurado americano. Apesar do desdém de boa parte de seus irmãos no episcopado por onde esteve, a passagem do Cardeal Burke pelo Brasil foi um estrondoso sucesso. Sobre isso tudo, conversamos com Sua Eminência:
Cardeal Burke, primeiramente, gostaríamos de agradecer a sua atenção para com nosso blog. FratresInUnum já traduziu para o português inúmeros discursos e entrevistas de Vossa Eminência e nos sentimos muito honrados em colaborar para tornar a sua defesa da Fé e Moral Católica conhecida em nosso país.
FratresInUnum: Vossa Eminência está visitando o Brasil para a publicação de seu livro “O Amor Divino Encarnado”. O que desejou abordar em sua obra?
Cardeal Burke: Desejei abordar a nossa Fé na Eucaristia como o encontro com o Senhor ressuscitado que vem a nós no Santíssimo Sacramento, trazendo o céu à terra, dando-nos os dons do Espírito Santo. Em nossos dias, por conta dos abusos litúrgicos, gosto de enfatizar a atenção à natureza sagrada da Eucaristia. A Fé Eucarística sofreu enormemente em minha própria terra natal, nos Estados Unidos, onde cerca de metade dos católicos não acreditam mais na Presença Real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento — este é o centro da Fé Católica: quando não se crê mais nesta verdade, não se é mais Católico.
Assim, eu quis, usando dois documentos de papas recentes, a Carta Encíclica do Papa São João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, e a Exortação Apostólica Pós-Sinodal do Papa Bento XVI, Sacramentum Caritatis, oferecer uma séria reflexão que ajudará as pessoas a se renovarem em seu conhecimento sobre o Senhor Eucarístico e também em seu amor por Ele.
No mês que vem, o motu proprio Summorum Pontificum completa 10 anos. Qual a importância deste documento para o aumento do amor à Sagrada Eucaristia e como Vossa Eminência avalia a sua recepção e aplicação?
O documento é importantíssimo, pois após o Concílio Vaticano II se difundiu a ideia de uma nova Liturgia, em outras palavras, de uma Sagrada Liturgia completamente diferente daquela que a Igreja vinha celebrando há séculos. Por exemplo, a forma da Santa Missa permaneceu praticamente imutável desde os tempos de São Gregório Magno. Então, o que aconteceu foi que o rito da Missa, primeiramente, foi drasticamente atenuado, muitas de suas riquezas foram eliminadas, e o que tornou a situação ainda pior foram as experiências litúrgicas do rito.
E, assim, com tantas experiências mundanas, em que o homem é colocado no centro, perdeu-se o sentido de que a Missa é ação do próprio Cristo. É Cristo que age na Santíssima Eucaristia para fazer presente sacramentalmente o Seu Sacrifício no Calvário. Assim, o Papa Bento XVI expressou de maneira muito clara, em sua carta aos bispos por ocasião da promulgação do motu proprio Summorum Pontificum, que era sua esperança de que a celebração das duas formas do único Rito Romano restauraria o sentido do sagrado na Sagrada Liturgia. Parece estranho dizer, mas, desde a promulgação do motu proprio, houve uma certa resistência da parte de alguns bispos e padres, porém, da parte de outros bispos, padres e bravos fiéis, houve um grande sentimento de alegria por terem restaurada agora a bela forma da Missa tal como foi conhecida pelos séculos. E eu vejo, por onde vou para celebrar a forma extraordinária da Missa, que há sempre um grande número de fiéis, dentre eles muitos jovens e jovens famílias, e isso me mostra que a forma extraordinária do Rito Romano é importantíssima para comunicar o dom incomparável que é a Sagrada Eucaristia. Às vezes, ouvi dizer: “Ah, teremos a forma extraordinária somente até todos esses velhos morrerem!”. Sim, há pessoas mais velhas, como eu, que amam a forma extraordinária da Missa, mas há muitos, muitos jovens, que, ao contrário de mim, nunca a conheceram quando crianças, mas vieram a conhecê-la agora e são muito, muito ligados a ela.
Neste centenário de Fátima, de que forma a mensagem de Nossa Senhora se relaciona com a Sagrada Eucaristia e os temas tratados em seu livro?
Ela se relaciona diretamente, pois Nossa Senhora trata fundamentalmente da apostasia dos nossos tempos, representada, primeiramente, no comunismo ateu, filosofia que nega a existência de Deus e propõe uma relação entre nós e o mundo que não respeita a ordem desejada por Deus, e também na apostasia que traz para Igreja uma perspectiva bastante mundana, e que começa a afetar os pastores da Igreja. Especialmente, no terceiro segredo, Nossa Senhora aborda essa apostasia, em particular a falha dos bispos em ensinar a Fé de forma concreta e em defendê-la.
Para chegar exatamente ao ponto que você está levantando, a Fé abordada por Nossa Senhora é fundamentalmente uma Fé Eucarística, vinculada à realidade da presença de Cristo conosco e com a Igreja e à necessidade de sermos obedientes a Cristo em todas as coisas. E isso muda completamente a perspectiva do católico leigo, e também muda a perspectiva de padres e bispos no entendimento de que todos estamos obedecendo a Cristo e construindo o reino de Deus na Terra, e restaurando todas as coisas em Cristo.
Nossa Senhora em Fátima nos propõe um profundo programa de renovação espiritual e de uma vida mais intensa em Cristo, primeiramente, pela penitência, a importância de se praticar a penitência em nossas vidas, a importância da devoção dos primeiros sábados em reparação às ofensas feitas a Nosso Senhor, em especial no Santíssimo Sacramento, ofensas ao Sagrado Coração de onde provêm todas as graças para a Igreja.
Assim sendo, vejo meu livro como estando diretamente a serviço da mensagem de Nossa Senhora para os nossos tempos. Nós precisamos, inclusive a preço do sofrimento, buscar uma maior santidade em nossas vidas, e essa santidade provém fundamentalmente da Comunhão com Nosso Senhor na Sagrada Eucaristia.
É a sua primeira visita ao nosso país? Qual era a expectativa de Vossa Eminência antes de sua viagem e quais eram suas referências sobre o catolicismo no Brasil?
Sim, essa é minha primeira visita ao Brasil. Eu tinha uma grande expectativa porque, primeiramente, o Brasil é um país muito importante, não só no mundo, mas para a Igreja e a história do catolicismo mundial, e o Brasil é um lugar lindo e inspirador – basta olhar para todas as belíssimas igrejas aqui, e belas imagens e objetos sagrados, para perceber quão profundamente a Fé Católica está presente no Brasil. Portanto, estava esperando essa visita para me encontrar pessoalmente com a Igreja daqui. Eu a conheci indiretamente, pois ao longo dos anos tive contato com muitos seminaristas e padres brasileiros em Roma, e sempre percebi neles uma profunda Fé Católica e também uma grande alegria e entusiasmo em relação a esta mesma Fé, e agora eu vi pessoalmente, através das pessoas que participaram das Missas e dos eventos de lançamento do livro, que estão bastante comprometidas e que amam muito a Nosso Senhor e também a sua Igreja. Isso foi muito edificante para mim.
Eu sei que a Igreja aqui, como em todas as outras partes do mundo, sofreu bastante com a secularização que se originou de uma falsa interpretação do Concilio Vaticano II, que Bento XVI chama de interpretação da descontinuidade ou da ruptura, e sei que isso causou um grande sofrimento. Entretanto, detecto aqui, e acredito que isso seja um forte movimento, especialmente porque eu o vejo nos jovens, o desejo de restaurar a integridade da Fé Católica, da Liturgia Católica e da Disciplina Católica.
E agora, ao fim de sua viagem, o que mais chamou a atenção de Vossa Eminência?
Como disse, vim principalmente para fazer o lançamento do livro, mas nesses eventos tive contato com muitas pessoas e percebi essa grande sede de ouvir a Fé proclamada em toda sua riqueza. Fiéis que demonstram querer ouvir também a parte difícil da mensagem, e não simplesmente ouvir que tudo está bem. Principalmente, diante das tantas dificuldades que enfrentamos hoje em dia e do estado do mundo ateu, quando, inclusive na Igreja, ouve-se ideias confusas e às vezes erradas, vejo que as pessoas querem ouvir o que realmente Nosso Senhor nos ensina através da Igreja e qual deve ser a nossa atitude decorrente desse ensinamento.
Hoje em dia, nós, fiéis Católicos, muito frequentemente nos sentimos isolados, não só na sociedade, mas também na Igreja. Vossa Eminência poderia deixar uma palavra de confiança e esperança a bispos, padres, religiosos e leigos comprometidos em manter a Fé Católica viva em nossa época?
O que deve ser central para nós, mais importante para nós, é a nossa relação com Nosso Senhor Jesus Cristo que está vivo na Igreja, como Ele prometeu que estaria conosco até o final dos tempos. E nós devemos manter essa relação especialmente através da Sagrada Eucaristia e das nossas orações diárias, da nossa devoção, tanto ao Sagrado Coração de Jesus, como pela reza do Santo Rosário, que eu tinha intenção de mencionar anteriormente, esta grande devoção e poderosa oração incentivada por Nossa Senhora em Fátima. E, através de todas essas devoções e práticas, nós passaremos a perceber melhor e mais certamente a presença de Nosso Senhor em nossas vidas e responderemos com amor. Então, poderemos suportar qualquer isolamento, ridicularização e até a perseguição pela nossa fidelidade a Cristo, e abraçar isso alegremente por amor a Ele.
Isso tudo, é claro, é o maior ato de caridade que podemos oferecer aos nossos irmãos e irmãs, tanto na Igreja quanto no mundo: um forte testemunho da Verdade e do amor que conhecemos em Nosso Senhor Jesus Cristo.
Muito obrigado, Eminência!