sábado, 16 de janeiro de 2010

CARTA ENCÍCLICA DO PAPA PIO XII HUMANI GENERIS SOBRE OPINIÕES FALSAS QUE AMEAÇAM A DOUTRINA CATÓLICA

RELIGION NEWS
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A nossos veneráveis irmãos
os Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos
e demais Ordinários locais em paz e comunhão com a Sé Apostólica
INTRODUÇÃO
1. As dissensões e erros do gênero humano em questões religiosas e morais têm sido sempre fonte e causa de intensa dor para todas as pessoas de boa vontade e, principalmente, para os filhos fiéis e sinceros da Igreja; mas, de maneira especial, o continuam sendo hoje em dia, quando vemos combatidos até os próprios princípios da cultura cristã.
2. Não é de admirar que haja constantemente discórdias e erros fora do redil de Cristo. Pois, embora possa realmente a razão humana com suas forças e sua luz natural chegar de forma absoluta ao conhecimento verdadeiro e certo de Deus, único e pessoal, que sustém e governa o mundo com sua providência, bem como ao conhecimento da lei natural, impressa pelo Criador em nossas almas, entretanto, não são poucos os obstáculos que impedem a razão de fazer uso eficaz e frutuoso dessa sua capacidade natural. De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus transcendem por completo a ordem dos seres sensíveis e, quando entram na prática da vida e a enformam, exigem o sacrifício e a abnegação própria. Ora, o entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, já pela ação dos sentidos e da imaginação, já pelas más inclinações, nascidas do pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro.
3. Por isso deve-se defender que a revelação divina é moralmente necessária para que, mesmo no estado atual do gênero humano, todos possam conhecer com facilidade, com firme certeza e sem nenhum erro, as verdades religiosas e morais que não são por si inacessíveis à razão.(1)
4. Ademais, por vezes, pode a mente humana encontrar dificuldade mesmo para formar juízo certo sobre a credibilidade da fé católica, não obstante os múltiplos e admiráveis indícios externos ordenados por Deus para se poder provar certamente, por meio deles, a origem divina da religião cristã, exclusivamente com a luz da razão. Isso ocorre porque o homem, levado por preconceitos, ou instigado pelas paixões e pela má vontade, não só pode negar a evidência desses sinais externos, mas também resistir às inspirações sobrenaturais que Deus infunde em nossas almas.
I. FALSAS DOUTRINAS ATUALMENTE EM VOGA
5. Se olharmos para fora do redil de Cristo, facilmente descobriremos as principais direções que seguem não poucos dos homens de estudo. Uns admitem sem discrição nem prudência o sistema evolucionista, que até no próprio campo das ciências naturais não foi ainda indiscutivelmente provado, pretendendo que se deve estendê-lo à origem de todas as coisas, e com ousadia sustentam a hipótese monista e panteísta de um mundo submetido a perpétua evolução. Dessa hipótese se valem os comunistas para defender e propagar seu materialismo dialético e arrancar das almas toda noção de Deus.
6. As falsas afirmações de semelhante evolucionismo pelas quais se rechaça tudo o que é absoluto, firme e imutável, vieram abrir o caminho a uma moderna pseudo-filosofia que, em concorrência contra o idealismo, o imanentismo e o pragmatismo, foi denominada existencialismo, porque nega as essências imutáveis das coisas e não se preocupa mais senão com a "existência" de cada uma delas.
7. Existe igualmente um falso historicismo, que se atém só aos acontecimentos da vida humana e, tanto no campo da filosofia como no dos dogmas cristãos, destrói os fundamentos de toda verdade e lei absoluta.
8. Em meio a tanta confusão de opiniões nos é de algum consolo ao ver os que hoje, não raramente, abandonando as doutrinas do racionalismo em que haviam sido educados, desejam voltar aos mananciais da verdade revelada e reconhecer e professar a palavra de Deus conservada na Sagrada Escritura como fundamento da ciência sagrada. Contudo, ao mesmo tempo, lamentamos que não poucos desses, quanto mais firmemente aderem à palavra de Deus, tanto mais rebaixam o valor da razão humana; e quanto mais entusiasticamente enaltecem a autoridade de Deus revelador, tanto mais asperamente desprezam o magistério da Igreja, instituído por nosso Senhor Jesus Cristo para defender e interpretar as verdades reveladas. Esse modo de proceder não só está em contradição aberta com a Sagrada Escritura, como ainda pela experiência se mostra equívoco. Tanto é assim que os próprios "dissidentes" com freqüência se lamentam publicamente da discórdia que entre eles reina em questões dogmáticas, a tal ponto que se vêem obrigados a confessar a necessidade de um magistério vivo.
II. INFILTRAÇÃO DESSES ERROS NO PENSAMENTO CATÓLICO
9. Os teólogos e filósofos católicos, que têm o grave encargo de defender e imprimir nas almas dos homens as verdades divinas e humanas, não devem ignorar nem desatender essas opiniões que, mais ou menos, se apartam do reto caminho. Pelo contrário, é necessário que as conheçam bem; pois não se podem curar as enfermidades antes de serem bem conhecidas; ademais, nas mesmas falsas afirmações se oculta por vezes um pouco de verdade; e, por fim, essas opiniões falsas incitam a mente a investigar e ponderar com maior diligência algumas verdades filosóficas ou teológicas.
10. Se nossos filósofos e teólogos somente procurassem tirar esse fruto daquelas doutrinas, estudando-as com cautela, não teria motivo para intervir o magistério da Igreja. Embora saibamos que os doutores católicos em geral evitam contaminar-se com tais erros, consta-nos, entretanto, que não faltam hoje os que, como nos tempos apostólicos, amando a novidade mais do que o devido e também temendo que os tenham por ignorantes dos progressos da ciência, intentam subtrair-se à direção do sagrado Magistério e, por esse motivo, acham-se no perigo de apartar-se insensivelmente da verdade revelada e fazer cair a outros consigo no erra.
11. Existe também outro perigo, que é tanto mais grave quanto se oculta sob a capa de virtude. Muitos, deplorando a discórdia do gênero humano e a confusão reinante nas inteligências dos homens e guiados por imprudente zelo das almas, sentem-se levados por interno impulso e ardente desejo a romper as barreiras que separam entre si as pessoas boas e honradas; e propugnam uma espécie de "irenismo" que, passando por alto as questões que dividem os homens, se propõe não somente a combater em união de forças contra o ateísmo avassalaste, senão também a reconciliar opiniões contrárias, mesmo no campo dogmático. E, como houve antigamente os que se perguntavam se a apologética tradicional da Igreja constituía mais impedimento do que ajuda para ganhar almas a Cristo, assim também não faltam agora os que se atreveram a propor seriamente a dúvida de que talvez seja conveniente não só aperfeiçoar mas também reformar completamente a teologia e o método que atualmente, com aprovação eclesiástica, se emprega no ensino teológico, a fim de que se propague mais eficazmente o reino de Cristo em todo o mundo, entre os homens de todas as civilizações e de todas as opiniões religiosas.
12. Se tais propugnadores não pretendessem mais do que acomodar, com alguma renovação, o ensino eclesiástico e seus métodos às condições e necessidades atuais, não haveria quase nada que temer; contudo, alguns deles, arrebatados por imprudente "irenismo", parecem considerar como óbice para restabelecer a unidade fraterna justamente aquilo que se fundamenta nas próprias leis e princípios legados por Cristo e nas instituições por ele fundadas, ou o que constitui a defesa e o sustentáculo da integridade da fé, com a queda do qual se uniriam todas as coisas, sim, mas somente na comum ruína.
13. Os que, ou por repreensível desejo de novidade, ou por algum motivo louvável, propugnam essas novas opiniões, nem sempre as propõem com a mesma intensidade, nem com a mesma clareza, nem com idênticos termos, nem sempre com unanimidade de pareceres; o que hoje ensinam alguns mais encobertamente, com certas cautelas e distinções, outros mais audazes propalarão amanhã abertamente e sem limitações, com escândalo de muitos, em especial do clero jovem, e com detrimento da autoridade eclesiástica. Mais cautelosamente é costume tratar dessas matérias nos livros que são postos à publicidade, já com maior liberdade se fala nos folhetos distribuídos privadamente e nas conferências e reuniões. E não se divulgam somente estas doutrinas entre os membros de um e outro clero, nos seminários e institutos religiosos, mas também entre os seculares, principalmente aqueles que se dedicam ao ensino da juventude.
III. CONSEQÜÊNCIAS
1. Desprezo da teologia escolástica
14. Quanto à teologia, o que alguns pretendem é diminuir o mais possível o significado dos dogmas e libertá­los da maneira de exprimi-los já tradicional na Igreja, e dos conceitos filosóficos usados pelos doutores católicos, a fim de voltar, na exposição da doutrina católica, às expressões empregadas pela Sagrada Escritura e pelos santos Padres. Esperam que, desse modo, o dogma, despojado de elementos que chamam extrínsecos à revelação divina, possa comparar-se frutuosamente com as opiniões dogmáticas dos que estão separados da unidade da Igreja, e que, por esse caminho, se chegue pouco a pouco à assimilação do dogma católico e das opiniões dos dissidentes.
15. Reduzindo a doutrina católica a tais condições, crêem que se abre também o caminho para obter, segundo exigem as necessidades atuais, que o dogma seja formulado com as categorias da filosofia moderna, quer se trate do imanentismo, ou do idealismo, ou do existencialismo, ou de qualquer outro sistema. Alguns mais audazes afirmam que isso se pode e se deve fazer também em virtude de que, segundo eles, os mistérios da fé nunca se podem expressar por conceitos plenamente verdadeiros, mas só por conceitos aproximativos e que mudam continuamente, por meio dos quais a verdade se indica, é certo, mas também necessariamente se desfigura. Por isso não pensam ser absurdo, mas antes, pelo contrário, crêem ser de todo necessário que a teologia, conforme os diversos sistemas filosóficos que no decurso do tempo lhe servem de instrumento, vá substituindo os antigos conceitos por outros novos; de sorte que, de maneiras diversas e até certo ponto opostas, porém, segundo eles, equivalentes, faça humanas aquelas verdades divinas. Acrescentam que a história dos dogmas consiste em expor as várias formas que sucessivamente foi tomando a verdade revelada, de acordo com as várias doutrinas e opiniões que através dos séculos foram aparecendo.
16. Pelo que foi dito é evidente que tais esforços não somente levam ao relativismo dogmático, mas já de fato o contém, pois o desprezo da doutrina tradicional e de sua terminologia favorece tal relativismo e o fomenta. Ninguém ignora que os termos empregados, tanto no ensino da teologia como pelo próprio magistério da Igreja, para expressar tais conceitos podem ser aperfeiçoados e enriquecidos. É sabido também que a Igreja não foi sempre constante no uso dos mesmos termos. Ademais, é evidente que a Igreja não se pode ligar a qualquer efêmero sistema filosófico; entretanto, as noções e os termos que os doutores católicos, com geral aprovação, foram compondo durante o espaço de vários séculos para chegar a obter alguma inteligência do dogma não se assentam, sem dúvida, sobre bases tão escorregadias. Fundam-se realmente em princípios e noções deduzidas do verdadeiro conhecimento das coisas criadas; dedução realizada à luz da verdade revelada, que, por meio da Igreja, iluminava, como uma estrela, a mente humana. Por isso, não há que admirar terem sido algumas dessas noções não só empregadas mas também sancionadas por concílios ecumênicos; de sorte que não é lícito apartar-se delas.
17. Abandonar, pois, ou repelir, ou negar valor a tantas e tão importantes noções e expressões que homens de talento e santidade não comuns, com esforço multissecular, sob a vigilância do sagrado magistério e com a luz e guia do Espírito Santo, conceberam, expressaram e aperfeiçoaram para exprimir as verdades da fé cada vez com maior exatidão, e substituí-las por noções hipotéticas e expressões flutuantes e vagas de uma filosofia moderna que, assim como a flor do campo, hoje existe e amanhã cairá, não só é de suma imprudência, mas também converte o dogma numa cana agitada pelo vento. O desprezo dos termos e noções que os teólogos escolásticos costumam empregar leva naturalmente a abalar a teologia especulativa, a qual, por fundar-se em razões teológicas, eles julgam carecer de verdadeira certeza.
2. Desprezo do magistério da Igreja
18. Desgraçamente, esses amigos de novidades facilmente passam do desprezo da teologia escolástica ao pouco caso e até mesmo ao desprezo do próprio magistério da Igreja, que tanto prestígio tem dado com a sua autoridade àquela teologia. Apresentam este magistério como empecilho ao progresso e obstáculo à ciência; e já existem acatólicos que o consideram como freio injusto, que impede alguns teólogos mais cultos de renovar a teologia. Embora este sagrado magistério, em questões de fé e moral, deva ser para todo teólogo a norma próxima e universal da verdade (visto que a ele confiou nosso Senhor Jesus Cristo a guarda, a defesa e a interpretação do depósito da fé, ou seja, das Sagradas Escrituras e da Tradição divina), contudo, por vezes se ignora, como se não existisse, a obrigação que têm todos os fiéis de fugir mesmo daqueles erros que se aproximam mais ou menos da heresia e, portanto, de observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões. (2) Alguns há que de propósito desconhecem tudo quanto os sumos pontífices expuseram nas encíclicas sobre o caráter e a constituição da Igreja, a fim de fazer prevalecer um conceito vago, que eles professam e dizem ter tirado dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os sumos pontífices, dizem eles, não querem dirimir questões disputadas entre os teólogos; e, assim, cumpre voltar às fontes primitivas e explicar com os escritos dos antigos as modernas constituições e decretos do magistério.
19. Esse modo de falar pode parecer eloqüente, mas não carece de falácia. Pois é verdade que os romanos pontífices em geral concedem liberdade aos teólogos nas questões controvertidas entre os mais acreditados doutores; porém, a história ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre discussão já não podem ser discutidas.
20. Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10,16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.
21. Também é verdade que os teólogos devem sempre voltar às fontes da revelação; pois, a eles cabe indicar de que maneira "se encontra, explícita ou implicitamente" na Sagrada Escritura e na divina Tradição o que ensina o magistério vivo. Ademais, ambas as fontes da doutrina revelada contêm tantos e tão sublimes tesouros de verdade que nunca realmente se esgotarão. Por isso, com o estudo das fontes sagradas rejuvenescem continuamente as sagradas ciências; ao passo que, pelo contrário, a especulação que deixa de investigar o depósito da fé se torna estéril, como vemos pela experiência. Entretanto, isto não autoriza a fazer da teologia, mesmo da chamada positiva, uma ciência meramente histórica. Pois, junto com as sagradas fontes, Deus deu à sua Igreja o magistério vivo para esclarecer também e salientar o que no depósito da fé não se acha senão obscura e como que implicitamente. E o divino Redentor não confiou a interpretação autêntica desse depósito a cada um dos fiéis, nem mesmo aos teólogos, mas exclusivamente ao magistério da Igreja. Se a Igreja exerce esse múnus (como o tem feito com freqüência no decurso dos séculos pelo exercício, quer ordinário, quer extraordinário desse mesmo ofício), é evidentemente falso o método que pretende explicar o claro pelo obscuro; antes, pelo contrário, faz-se mister que todos sigam a ordem inversa. Eis porque nosso predecessor de imortal memória, Pio IX, ao ensinar que é dever nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja está contida nas fontes, não sem grave motivo acrescentou aquelas palavras; "com o mesmo sentido com o qual foi definida pela Igreja".(3)
3. Desprezo das Sagradas Escrituras
22. Voltando às novas teorias de que acima tratamos, alguns há que propõem ou insinuam nos ânimos muitas opiniões que diminuem a autoridade divina da Sagrada Escritura. Pois atrevem-se a adulterar o sentido das palavras com que o concílio Vaticano define que Deus é o autor da Sagrada Escritura, e renovam uma teoria já muitas vezes condenada, segundo a qual a inerrância da Sagrada Escritura se estende unicamente aos textos que tratam de Deus mesmo, ou da religião, ou da moral. Ainda mais, sem razão falam de um sentido humano da Bíblia, sob o qual se oculta o sentido divino, que é, segundo eles, o único infalível. Na interpretação da Sagrada Escritura não querem levar em consideração a analogia da fé nem a tradição da Igreja; de modo que a doutrina dos santos Padres e do Sagrado magistério deveria ser aferida por aquela das Sagradas Escrituras explicadas pelos exegetas de modo puramente humano; o que seria preferível a expor a sagrada Escritura conforme a mente da Igreja, que foi constituída por nosso Senhor Jesus Cristo guarda e intérprete de todo o depósito das verdades reveladas.
23. Além disso, o sentido literal da Sagrada Escritura e sua exposição, que tantos e tão exímios exegetas, sob a vigilância da Igreja, elaboraram, deve ceder lugar, segundo essas falsas opiniões, a uma nova exegese a que chamam simbólica ou espiritual; por meio dela, os livros do Antigo Testamento, que seriam atualmente na Igreja uma fonte fechada e oculta, se abririam finalmente para todos. Dessa maneira, afirmam, desaparecerão todas as dificuldades que somente encontram os que se atêm ao sentido literal das Escrituras.
24. Todos vêem quanto se afastam essas opiniões dos princípios e normas de hermenêutica justamente estabelecidos por nossos predecessores de feliz memória, Leão XIII, na encíclica Providentissimus, e Bento XV, na encíclica Spiritus Paraclitus, e também por nós mesmo, na encíclica Divino Afflante Spiritu.
4 . Erros subseqüentes
25. E não há que admirar terem essas novidades produzido frutos venenosos em quase todos os capítulos da teologia. Põe-se em dúvida que a razão humana, sem o auxílio da divina revelação e da graça divina, possa demonstrar a existência de Deus pessoal, com argumentos tirados das coisas criadas; nega-se que o mundo tenha tido princípio e afirma-se que a criação do mundo é necessária, pois procede da necessária liberalidade do amor divino; nega-se também a Deus a presciência eterna e infalível das ações livres dos homens; opiniões de todo contrárias às declarações do concílio Vaticano.(4)
26. Alguns também põem em discussão se os anjos são pessoas; e se a matéria difere essencialmente do espírito. Outros desvirtuam o conceito de gratuidade da ordem sobrenatural, sustentando que Deus não pode criar seres inteligentes sem ordená-los e chamá-los à visão beatífica. E não só isso, mas, ainda, passando por cima das definições do concílio de Trento, destrói-se o conceito de pecado original juntamente com o de pecado em geral, como ofensa a Deus, e também o da satisfação que Cristo ofereceu por nós. Nem faltam os que defendem que a doutrina da transubstanciação, baseada como está num conceito filosófico já antiquado de substância, deve ser corrigida; de maneira que a presença real de Cristo na santíssima eucaristia se reduza a um simbolismo, no qual as espécies consagradas não são mais do que sinais externos da presença espiritual de Cristo e de sua união íntima com os féis, membros seus no corpo místico.
27. Alguns não se consideram obrigados a abraçar a doutrina que há poucos anos expusemos numa encíclica e que está fundamentada nas fontes da revelação, segundo a qual o corpo místico de Cristo e a Igreja católica romana são uma mesma coisa.(5) Outros reduzem a uma fórmula vã a necessidade de pertencer à Igreja verdadeira para conseguir a salvação eterna. E outros, malmente, não admitem o caráter racional da credibilidade da fé cristã.
28. Sabemos que esses e outros erros semelhantes serpenteiam entre alguns filhos nossos, desviados pelo zelo imprudente ou pela falsa ciência; e nos vemos obrigado a repetir-lhes, com tristeza, verdades conhecidíssimas e erros manifestos, e a indicar-lhes, não sem ansiedade, os perigos de erro a que se expõem.
5. Desprezo da filosofia escolástica
29. É coisa sabida o quanto estima a Igreja a humana razão, à qual compete demonstrar com certeza a existência de Deus único e pessoal, comprovar invencivelmente os fundamentos da própria fé cristã por meio de suas notas divinas, expressar de maneira conveniente a lei que o Criador imprimiu nas almas dos homens, e, por fim, alcançar algum conhecimento, por certo frutuosíssimo, dos mistérios.(6) Mas a razão somente poderá exercer tal oficio de modo apto e seguro se tiver sido cultivada convenientemente, isto é, se houver sido nutrida com aquela sã filosofia, que é já como que um patrimônio herdado das precedentes gerações cristãs e que por conseguinte goza de uma autoridade de ordem superior, porquanto o próprio Magistério da Igreja utilizou os seus princípios e os seus fundamentais assertos, manifestados e definidos lentamente por homens de grande talento, para comprovar a mesma revelação divina. Essa filosofia, reconhecida e aceita pela Igreja, defende o verdadeiro e reto valor do conhecimento humano, os inconcussos princípios metafísicos, a saber, os da razão suficiente, causalidade e finalidade, e a posse da verdade certa e imutável.
30. É verdade que em tal filosofia se expõem muitas coisas que, nem direta, nem indiretamente, se referem à fé ou aos costumes, e que, por isso mesmo, a Igreja deixa à livre disputa dos peritos; entretanto, em outras muitas não existe tal liberdade, principalmente no que diz respeito aos princípios e aos fundamentais assertos que há pouco recordamos. Mesmo nessas questões fundamentais pode-se revestir a filosofia com mais aptas e ricas vestes, reforçá-la com mais eficazes expressões, despojá-la de certos modos escolares menos adequados, enriquecê-la com cautela com certos elementos do progressivo pensamento humano; contudo, jamais é licito derrubá-la ou contaminá-la com falsos princípios, ou estimá-la como um grande monumento, mas já fora de moda. Pois a verdade e sua expressão filosófica não podem mudar com o tempo, principalmente quando se trata dos princípios que a mente humana conhece por si mesmos, ou daqueles juízos que se apóiam tanto na sabedoria dos séculos como no consenso e fundamento da revelação divina. Qualquer verdade que a mente humana, procurando com retidão, descobre não pode estar em contradição com outra verdade já alcançada, pois Deus, verdade suprema, criou e rege a humana inteligência, de tal modo que não opõe cada dia novas verdades às já adquiridas, mas, apartados os erros que porventura se tiverem introduzido, edifica a verdade sobre a verdade, de forma tão ordenada e orgânica como vemos estar constituída a própria natureza da qual se extrai a verdade. Por esse motivo o cristão, seja filósofo, seja teólogo, não abraça apressada e levianamente qualquer novidade que no decurso do tempo se proponha, mas deve sopesá-la com suma diligência e submetê-la a justo exame a fim de que não venha perder a verdade já adquirida ou a corrompa, com grave perigo e detrimento da mesma fé.
31. Se tudo quanto expusemos for bem considerado, facilmente se compreenderá porque a Igreja exige que os futuros sacerdotes sejam instruídos nas disciplinas filosóficas, segundo o método, a doutrina e os princípios do Doutor Angélico,(7) visto que, através da experiência de muitos séculos, conhece perfeitamente que o método e o sistema do Aquinate se distinguem por seu valor singular, tanto para a educação dos jovens quanto para a investigação das mais recônditas verdades, e que sua doutrina está afinada como que em uníssono com a divina revelação e é eficacíssima para assegurar os fundamentos da fé e para recolher de modo útil e seguro os frutos do são progresso.(8)
32. E, pois, altamente deplorável que hoje em dia desprezem alguns a filosofia que a Igreja aceitou e aprovou, e que, imprudentemente, a tachem de antiquada em suas formas e racionalística, como dizem, em seus processos. Pois afirmam que essa nossa filosofa defende erroneamente a possibilidade de uma metafísica absolutamente verdadeira, ao passo que eles sustentam, contrariamente, que as verdades, principalmente as transcendentes, só podem ser expressas por doutrinas divergentes que mutuamente se completam, embora pareçam opor-se entre si. Pelo que, concedem que a filosofia ensinada em nossas escolas, com a lúcida exposição e solução dos problemas, com a exata precisão de conceitos e com as claras distinções, pode ser conveniente preparação ao estudo da teologia, como de fato o foi adaptando-se perfeitamente à mentalidade medieval; crêem, porém, que não é o método que corresponde à cultura e às necessidades modernas. Acrescentam, ainda, que a filosofia perene é só a filosofia das essências imutáveis, enquanto a mente moderna deve considerar a "existência" de cada um dos seres e a vida em sua fluência contínua. E, ao desprezarem esta filosofia, enaltecem outras, antigas ou modernas, orientais ou ocidentais, de forma tal a parecer insinuar que toda filosofia ou doutrina opinável, com o acréscimo de algumas correções ou complementos, se for necessário, harmonizar-se-á com o dogma católico; o que nenhum fiel pode duvidar seja de todo falso, principalmente quando se trata dos errôneos sistemas chamados imanentismo, ou idealismo, ou materialismo, seja histórico, seja dialético, ou também existencialismo, tanto no caso de defender o ateísmo, quanto no de impugnar o valor do raciocínio metafísico.
33. Por fim, acusam a filosofia ensinada em nossas escolas do defeito de atender só à inteligência no processo do conhecimento, sem levar em conta o papel da vontade e dos sentimentos. O que certamente não é verdade; de fato, a filosofia cristã jamais negou a utilidade e a eficácia das boas disposições de toda alma para conhecer e abraçar plenamente os princípios religiosos e morais; ainda mais, sempre ensinou que a falta de tais disposições pode ser a causa de que o entendimento, sufocado pelas paixões e pela má vontade, se obscureça a ponto de não mais ver como convém. E o Doutor Comum crê que o entendimento é capaz de perceber de certo modo os mais altos bens correspondentes à ordem moral, tanto natural como sobrenatural, enquanto experimentar no íntimo certa afetiva "conaturalidade" com esses mesmos bens, seja ela natural, seja fruto da graça; (9) e claro está quanto esse conhecimento, por assim dizer, subconsciente, ajuda as investigações da razão. Porém, uma coisa é reconhecer a força dos sentimentos para auxiliar a razão a alcançar conhecimento mais certo e mais seguro das realidades morais, e outra o que intentam esses inovadores, isto é, atribuir às faculdades volitiva e afetiva certo poder de intuição, e afirmar que o homem, quando, pelo exercício da razão, não pode discernir o que deva abraçar como verdadeiro, recorra à vontade, mediante a qual escolherá livremente entre as opiniões opostas, com inaceitável mistura de conhecimento e de vontade.
34. Nem há que admirar se ponham em perigo, com essas novas opiniões, as duas disciplinas filosóficas que, pela sua própria natureza, estão estreitamente relacionadas com a doutrina católica, a saber, a teodicéia e a ética, cuja função acreditam não seja demonstrar coisa alguma acerca de Deus ou de qualquer outro ser transcendente, mas antes mostrar que os ensinamentos da fé sobre Deus, ser pessoal, e seus preceitos, estão inteiramente de acordo com as necessidades da vida e que por isso mesmo todos devem aceitá-los para evitar a desesperação e obter a salvação eterna; tudo isso está em oposição aberta aos documentos de nossos predecessores Leão XIII e Pio X e não se pode conciliar com os decretos do concílio Vaticano. Não haveria, certamente, tais desvios da verdade que deplorar se também no terreno filosófico todos olhassem com a devida reverência ao magistério da Igreja, ao qual compete, por divina instituição, não só custodiar e interpretar o depósito da verdade revelada, mas também vigiar sobre as disciplinas filosóficas para que os dogmas católicos não sofram dano algum da parte das opiniões não corretas.
6. Erros relativos a certas ciências positivas
35. Resta-nos agora dizer algo acerca de algumas questões que, embora pertençam às disciplinas a que é costume chamar positivas, entretanto, se entrelaçam mais ou menos com as verdades da fé cristã. Não poucos rogam insistentemente que a religião católica tenha em máxima conta a tais ciências; o que é certamente digno de louvor quando se trata de fatos na realidade demonstrados, mas que hão de admitir-se com cautela quando se trata de hipóteses, ainda que de algum modo apoiadas na ciência humana, que tocam a doutrina contida na sagrada Escritura ou na tradição. Se tais conjecturas opináveis se opõem direta ou indiretamente à doutrina que Deus revelou, então esses postulados não se podem admitir de modo algum.
36. Por isso o magistério da Igreja não proíbe que nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos se trate da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente (pois a fé nos obriga a reter que as almas são diretamente criadas por Deus), segundo o estágio atual das ciências humanas e da sagrada teologia, de modo que as razões de uma e outra opinião, isto é, dos que defendem ou impugnam tal doutrina, sejam ponderadas e julgadas com a devida gravidade, moderação e comedimento, contanto que todos estejam dispostos a obedecer ao ditame da Igreja, a quem Cristo conferiu o encargo de interpretar autenticamente as Sagradas Escrituras e de defender os dogmas da fé.(10) Porém, certas pessoas, ultrapassam com temerária audácia essa liberdade de discussão, agindo como se a própria origem do corpo humano a partir de matéria viva preexistente fosse já certa e absolutamente demonstrada pelos indícios até agora achados e pelos raciocínios neles baseados, e como se nada houvesse nas fontes da revelação que exigisse a máxima moderação e cautela nessa matéria.
37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.(11)
38. Da mesma forma que nas ciências biológicas e antropológicas, há alguns que também nas históricas ultrapassam audazmente os limites e cautelas estabelecidos pela Igreja. De modo particular, é deplorável a maneira extraordinariamente livre de interpretar os livros históricos do Antigo Testamento. Os fautores dessa tendência, para defender a sua causa, invocam indevidamente a carta que há não muito tempo a Comissão Pontifícia para os estudos bíblicos enviou ao arcebispo de Paris.(12) Essa carta adverte claramente que os onze primeiros capítulos do Gênesis, embora não concordem propriamente com o método histórico usado pelos exímios historiadores greco-latinos e modernos, não obstante, pertencem ao gênero histórico em sentido verdadeiro, que os exegetas hão de investigar e precisar; e que os mesmos capítulos, com estilo singelo e figurado, acomodado à mente do povo pouco culto, contêm as verdades principais e fundamentais em que se apóia a nossa própria salvação, bem como uma descrição popular da origem do gênero humano e do povo escolhido. Mas, se os antigos hagiógrafos tomaram alguma coisa das tradições populares (o que se pode certamente conceder), nunca se deve esquecer que eles assim agiram ajudados pelo sopro da divina inspiração, a qual os tornava imunes de todo erro ao escolher e julgar aqueles documentos.
39. Todavia, o que se inseriu na Sagrada Escritura tirado das narrações populares, de modo algum deve comparar-se com as mitologias e outras narrações de tal gênero, as quais procedem mais de uma ilimitada imaginação do que daquele amor à simplicidade e à verdade que tanto resplandece nos livros do Antigo Testamento, a tal ponto que os nossos hagiógrafos devem ser tidos neste particular como claramente superiores aos antigos escritores profanos.
IV. DIRETRIZES
40. Sabemos, é verdade, que a maior parte dos doutores católicos, que com sumo proveito trabalham nas universidades, nos seminários e nos colégios religiosos, estão muito longe desses erros que hoje aberta e ocultamente se divulgam, ou por certo afã de novidades, ou por imoderado desejo de apostolado. Porém, sabemos também que tais opiniões novas podem atrair os incautos, e, por isso mesmo, preferimos nos opor aos começos do que oferecer remédio a uma enfermidade inveterada.
41. Pelo que, depois de meditar e considerar largamente diante do Senhor, para não faltar ao nosso sagrado dever, mandamos aos bispos e aos superiores religiosos, onerando gravissimamente suas consciências, que com a máxima diligência procurem que, nem nas classes, nem nas reuniões, nem em escritos de qualquer gênero, se exponham tais opiniões de modo algum, nem aos clérigos, nem aos fiéis cristãos.
42. Saibam quantos ensinam em institutos eclesiásticos que não poderão em consciência exercer o oficio de ensinar, que lhes foi comado, se não receberem religiosamente as normas que temos dado e se não as cumprirem escrupulosamente na formação dos discípulos. E procurem infundir nas mentes e nos corações dos mesmos aquela reverência e obediência que eles próprios em seu assíduo labor devem professar ao magistério da Igreja.
43. Esforcem-se com todo o alento e emulação por fazer avançar as ciências que professam; mas, evitem também ultrapassar os limites por nós estabelecidos para salvaguardar a verdade da fé e da doutrina católica. Às novas questões que a moderna cultura e o progresso do tempo suscitaram, apliquem sua mais diligente investigação, entretanto, com a conveniente prudência e cautela; e, finalmente, não creiam, cedendo a um falso "irenismo", que os dissidentes e os que estão no erro possam ser atraídos com pleno êxito, a não ser que a verdade íntegra que está viva na Igreja seja ensinada por todos sinceramente, sem corrupção nem diminuição alguma.
V. CONCLUSÃO
44. Fundados nessa esperança, que vossa pastoral solicitude ainda aumentará, concedemos, de todo o coração, como penhor dos dons celestiais e em sinal de nossa paterna benevolência, a todos vós, veneráveis irmãos, a vosso clero e a vosso povo, a bênção apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 12 de agosto de 1950, ano XII de nosso pontificado.
PIO PP. XII

Notas
1. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de Fide Cath., c. 2, "De revelatione".
2. CIC, cân.1324; cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius, de Fide cath., c. 4, "De fide et ratione", post canones.
3. Pio IX, Inter gravissimas, de 28 de outubro de 1870, Pio IX P.M. Acta, vol. V, p. 260.
4. Cf. Conc.Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. l, "De Deo rerum omnium creatore".
5. Cf. Carta. Enc. Mystici Corporis Christi, AAS 35(1943), p.193ss.
6. Cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. 4 "De fide et ratione".
7. CIC, cân.1366, § 2.
8. AAS 38 (1946), p. 387.
9. Cf. S. Tomás, Summa Theol, II-II, q. l, a. 4 ad 3; q. 45, a. 2, in c.
10. Cf. Aloc. Pont. aos membros da Academia das Ciências, 30 nov 1941; AAS, 33(1941), p. 506.
11. Cf. Rm 5,12-19; Conc. Trid., sess. V, cân. l - 4.
12. Dia 16 de janeiro de 1948, AAS 40(1948), pp. 45-48.
fonte:vaticano

A CRUZADA DO SÉCULO XX de Plinio Corrêa de Oliveira


Plinio Corrêa de Oliveira


"Catolicismo" reproduz hoje o artigo de apresentação de seu nº 1, escrito pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Passaram-se 20 anos... A luta entre os cruzados do século XX e o comunismo tende para o auge. Uma bomba terrorista explodiu na sede da Presidência do Conselho Nacional da TFP, atingindo uma imagem de Nossa Senhora da Conceição ( esta é agora venerada em oratório que a entidade instalou no mesmo local da explosão - nossa primeira página ). Cruzados do século XX desfilam pelas artérias centrais da maior cidade industrial da América do Sul ( foto abaixo ). Toda a vida de "Catolicismo", como a vida da TFP, constituem uma vitoriosa transposição, para o terreno concreto, dos princípios enunciados neste artigo.


Na Idade Média, os cruzados derramaram seu sangue para libertar das mãos dos infiéis o Sepulcro de N. S. Jesus Cristo, e instituir um Reino Cristão na Terra Santa.

Senhora da Conceição, venerada no oratório da TFP, aceitai benigna a homenagem de "Catolicismo" em seu 20º aniversário

Hoje, corre de novo o sangue dos filhos da Igreja, na Hungria, e na Polônia, como na Checoslováquia e na China. Para que? Para libertar a Cristandade do jugo do anti-Cristo comunista, e restaurar no mundo o Reino de Cristo. Mas o que é o Reino de Cristo, ideal supremo dos católicos, e, pois, meta constante desta folha?

É o que procuramos definir na enumeração de princípios, marco luminar de nossa atividade.

O Reino de Cristo

● A Igreja Católica foi fundada por N. S. Jesus Cristo para perpetuar entre os homens os benefícios da Redenção. Sua finalidade se identifica, pois, com a da própria Redenção: expiar os pecados dos homens pelos méritos infinitamente preciosos do Homem-Deus; restituir assim a Deus a glória extrínseca que o pecado Lhe havia roubado; e abrir aos homens as portas do Céu. Esta finalidade se realiza toda no plano sobrenatural, e com ordem à vida eterna. Ela transcende absolutamente tudo quanto é meramente natural, terreno, perecível. Foi o que N. S. Jesus Cristo afirmou, quando disse a Pôncio Pilatos "meu Reino não é deste mundo" (João, 18-36).

● A vida terrena se diferencia, assim, e profundamente, da vida eterna. Mas estas duas vidas não constituem dois planos absolutamente isolados um do outro. Há nos desígnios da Providência uma relação íntima entre a vida terrena e a vida eterna. A vida terrena é o caminho, a vida eterna é o fim. O Reino de Cristo não é deste mundo, mas é neste mundo que está o caminho pelo qual chegaremos até ele.

● Assim como a Escola Militar é o caminho para a carreira das armas, ou o noviciado é o caminho para o definitivo ingresso numa Ordem Religiosa, assim a terra é o caminho para o Céu.

Temos uma alma imortal, criada à imagem e semelhança de Deus. Esta alma é criada com um tesouro de aptidões naturais para o bem, enriquecidas pelo batismo com o dom inestimável da vida sobrenatural da graça. Cumpre-nos, durante a vida, desenvolver até a sua plenitude estas aptidões para o bem.

Com isto, nossa semelhança com Deus, que era em algum sentido ainda incompleta e meramente potencial, torna-se plena e atual.

A semelhança é a fonte do amor. Tornando-nos plenamente semelhantes a Deus, somos capazes de O amar plenamente, e de atrair sobre nós a plenitude de Seu amor.

Ficamos, assim, preparados para a contemplação de Deus face a face, e para aquele eterno ato de amor, plenamente feliz, para o qual somos chamados no Céu.

A vida terrena é, pois, um noviciado em que preparamos nossa alma para seu verdadeiro destino, que é ver a Deus face a face, e amá-Lo por toda a eternidade.

● Apresentando a mesma verdade em outros termos, podemos dizer que Deus é infinitamente puro, infinitamente justo, infinitamente forte, infinitamente bom. Para O amarmos, devemos amar a pureza, a justiça, a fortaleza, a bondade. Se não amamos a virtude, como podemos amar a Deus que é o Bem por excelência? De outro lado, sendo Deus o Sumo Bem, como pode amar o mal? Sendo a semelhança a fonte do amor, como pode Ele amar a quem é totalmente dessemelhante dEle, a quem é consciente e voluntariamente injusto, covarde, impuro, mau?

Deus deve ser adorado e servido sobretudo em espírito e em verdade (João 4,25). Assim, cumpre que sejamos puros, justos, fortes, bons, no mais íntimo de nossa alma. Mas se nossa alma é boa, todas as nossas ações o devem ser necessariamente, pois que a árvore boa não pode produzir senão bons frutos (Mat.7,17-18). Assim, é absolutamente necessário, para que conquistemos o Céu, não só que em nosso interior amemos o bem e detestemos o mal, mas que por nossas ações pratiquemos o bem e evitemos o mal.

● Mas a vida terrena é mais do que o caminho da eterna bem-aventurança. O que faremos no Céu? Contemplaremos Deus face a face, à luz da glória, que é a perfeição da graça, e O amaremos inteiramente e sem fim. Ora, o homem já goza da vida sobrenatural nesta terra, pelo Batismo. A Fé é uma semente da visão beatífica. O amor de Deus, que ele pratica crescendo na virtude e evitando o mal, já é o próprio amor sobrenatural com que ele adorará a Deus no Céu.

O Reino de Deus se realiza na sua plenitude no outro mundo. Mas para todos nós ele começa a se realizar em estado germinativo já neste mundo. Tal como em um noviciado, já se pratica a vida religiosa, embora em estado preparatório; e em uma escola militar um jovem se prepara para o Exército... vivendo a própria vida militar.

E a Santa Igreja Católica já é neste mundo uma imagem, e mais do que isto, uma verdadeira antecipação do Céu.

Por isto, tudo quanto os Santos Evangelhos nos dizem do Reino dos Céus pode com toda a propriedade e exatidão ser aplicado à Igreja Católica, à Fé que ela nos ensina a cada uma das virtudes que ela nos inculca.

Cruzados do século XX desfilam pelo centro de S. Paulo

Visão de conjunto do magnífico desfile com que a TFP inaugurou sua campanha pelo Natal dos pobres. Avançando pelo Viaduto do Chá, no coração de São Paulo, vêem-se em primeiro lugar 16 tambores; logo depois as farpas, como foram chamadas as formações em "V" inauguradas neste desfile. Segue-se o Conselho Nacional, com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira à testa, e um bloco de sócios e militantes. De tempos em tempos eram erguidas grandes hastes de metal em forma de "V" e de cruz, que enquadravam as farpas, enquanto todos bradavam em coro: - "Violência - não! Vence a Cruz e a caridade!". Outros slogans eram alternados com o canto do hino "Queremos Deus", acompanhado de tambores.

● É este o sentido da festa de Cristo Rei. Rei Celeste antes de tudo. Mas Rei cujo governo já se exerce neste mundo. É Rei quem possui de direito a autoridade suprema e plena. O Rei legisla, dirige e julga. Sua realeza se torna efetiva quando os súditos reconhecem seus direitos, e obedecem a suas leis. Ora, Jesus Cristo possui sobre nós todos os direitos. Ele promulgou leis, dirige o mundo e julgará os homens. Cabe-nos tornar efetivo o Reino de Cristo obedecendo a suas leis.

● Este reinado é um fato individual, enquanto considerado na obediência que cada alma fiel presta a N. S. Jesus Cristo. Com efeito, o Reinado de Cristo se exerce sobre as almas; e, pois, a alma de cada um de nós é parcela do campo de jurisdição de Cristo Rei. O Reinado de Cristo será um fato social se as sociedades humanas Lhe prestarem obediência.

Pode-se dizer, pois, que o Reino de Cristo se torna efetivo na terra, individual e social, quando os homens no íntimo de sua alma como em suas ações, e as sociedades em suas instituições, leis, costumes, manifestações culturais e artísticas, se conformam com a Lei de Cristo.

● Por mais concreta, brilhante e tangível que seja a realidade terrena do Reino de Cristo — no século XIII, por exemplo — é preciso não esquecer que este Reino não é senão preparação e proêmio. Na sua plenitude, o Reino de Deus se realizará no Céu: "O meu Reino não é deste mundo..." (João, 18-36).

Ordem, harmonia, paz, perfeição

● A ordem, a paz, a harmonia, são características essenciais de toda a alma bem formada, de toda a sociedade humana bem constituída. Em certo sentido, são valores que se confundem com a própria noção de perfeição.

Todo o ser tem um fim próprio, e uma natureza adequada à obtenção deste fim. Assim, uma peça de relógio tem fim próprio, e, por sua forma e composição, é adequada à realização deste fim.

● A ordem é a disposição das coisas, segundo sua natureza. Assim, um relógio está em ordem quando todas as suas peças estão ordenadas segundo a natureza e o fim que lhes é próprio. Diz-se que há ordem no universo sideral porque todos os corpos celestes estão ordenados segundo sua natureza e fim.

● Existe harmonia quando as relações entre dois seres são conformes à natureza e o fim de cada qual. A harmonia é o operar das coisas umas em relação às outras, segundo a ordem.

● A ordem engendra a tranqüilidade. A tranqüilidade da ordem é a paz. Não é qualquer tranqüilidade que merece ser chamada paz mas apenas a que resulta da ordem. A paz de consciência é a tranqüilidade da consciência reta: não pode confundir-se com o letargo da consciência embotada. O bem estar orgânico produz uma sensação de paz que não pode ser confundida com a inércia do estado de coma.

● Quando um ser está inteiramente disposto segundo sua natureza, está em estado de perfeição. Assim uma pessoa com grande capacidade de estudo, grande desejo de estudar, posta em uma Universidade em que haja todos os meios para fazer os estudos que deseja, está posta, do ponto de vista dos estudos, em condições perfeitas.

● Quando as atividades de um ser são inteiramente conformes à sua natureza, e tendem inteiramente para seu fim, estas atividades são, de algum modo, perfeitas. Assim, a trajetória dos astros é perfeita, porque corresponde inteiramente à natureza e ao fim de cada qual.

● Quando as condições em que um ser se encontra são perfeitas, suas operações o são também, e ele tenderá necessariamente para o seu fim, com o máximo da constância, do vigor e do acerto. Assim se um homem está em condições perfeitas para andar, isto é, sabe, quer e pode andar, andará de modo irrepreensível.

● O verdadeiro conhecimento do que seja a perfeição do homem e das sociedades depende de uma noção exata sobre a natureza e fim do homem.

● O acerto, a fecundidade, o esplendor das ações humanas, quer individuais, quer sociais, também está na dependência do conhecimento de nossa natureza e fim.

● Em outros termos, a posse da verdade religiosa é a condição essencial da ordem, da harmonia, da paz e da perfeição.

A perfeição cristã

● O Evangelho nos aponta um ideal de perfeição "sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito" (Mat. 5,48). Este conselho que nos foi dado por N. S. Jesus Cristo, Ele mesmo no-lo ensina a realizar. Com efeito, Jesus Cristo é a semelhança absoluta da perfeição do Pai Celeste; o modelo supremo que todos devemos imitar.

N. S. Jesus Cristo, suas virtudes, seus ensinamentos, suas ações, são o ideal definido da perfeição para o qual o homem deve tender.

● As regras desta perfeição se encontram na Lei de Deus, que N. S. Jesus Cristo "não veio abolir, mas completar" (Mat. 5,17), nos preceitos e conselhos evangélicos. E para que o homem não caísse em erro no interpretar os mandamentos e os conselhos, N. S. Jesus Cristo instituiu uma Igreja infalível, que tem o amparo divino para nunca errar em matéria de Fé e moral. A fidelidade de pensamento e de ações em relação ao magistério da Igreja é pois o modo pelo qual todos os homens podem conhecer e praticar o ideal de perfeição que é N.S. Jesus Cristo.

● Foi o que fizeram os Santos que praticando de modo heróico as virtudes que a Igreja ensina, realizaram a imitação perfeita de N.S. Jesus Cristo e do Pai Celeste. É tão verdadeiro que os Santos chegaram à mais alta perfeição moral que próprios inimigos da Igreja quando não os cega a impiedade, o proclamam. De São Luís, Rei da França, por exemplo, escreveu Voltaire: "Não é possível ao homem levar mais longe a virtude". O mesmo se poderia dizer de todos os Santos.

● Deus é o autor de nossa natureza, e, pois, de todas as aptidões e excelências que nela se encontram. Em nós, só o que não provém de Deus são os defeitos, frutos do pecado original ou dos pecados atuais.

O Decálogo não poderia ser contrário à natureza que Ele próprio criou em nós: pois, sendo Deus perfeito, não pode haver contradição em suas obras.

Por isto, o Decálogo nos impõe ações que a nossa própria razão nos mostra serem conformes com a natureza, como honrar pai e mãe, e nos proíbe ações que pela simples razão vemos serem contrárias à ordem natural, como a mentira.

● Nisto consiste, no plano natural, a perfeição intrínseca da Lei, e a perfeição pessoal que adquirimos praticando-a. É que todas as operações conformes à natureza do agente são boas.

● Em conseqüência do pecado original, ficou o homem com propensão de praticar ações contrárias à sua natureza retamente entendida. Assim, ficou sujeito ao erro no terreno da inteligência, e ao mal no campo da vontade.

Tal propensão é tão acentuada, que, sem o auxílio da graça, não seria possível aos homens conhecer nem praticar, duravelmente e em sua totalidade, os preceitos da ordem natural. Revelando-os, no alto do Sinai, instituindo, na Nova Aliança, uma Igreja destinada a protegê-los contra os sofismas e as transgressões do homem, e os Sacramentos e outros meios de piedade destinados a fortalecê-lo com a graça, remediou esta insuficiência do homem.

A graça é um auxílio sobrenatural, destinado a robustecer a inteligência e a vontade do homem para lhe permitir a prática da perfeição. Deus não recusa a graça a ninguém. A perfeição é, pois, acessível a todos.

● Pode um infiel conhecer e praticar a Lei de Deus? Recebe ele a graça de Deus? Cumpre distinguir. Em princípio, todos os homens que têm contato com a Igreja Católica recebem graça suficiente para conhecer que ela é verdadeira, nela ingressar, e praticar os Mandamentos. Se, pois, alguém se mantém voluntariamente fora da Igreja, se é infiel porque recusa a graça da conversão, que é o ponto de partida de todas as outras graças, fecha para si as portas da salvação. Mas se alguém não tem meios de conhecer a Santa Igreja — um pagão, por exemplo, cujo país não tenha recebido a visita de missionários — tem a graça suficiente para conhecer, pelo menos os princípios mais essenciais da Lei de Deus, e os praticar, pois Deus a ninguém recusa a salvação.

● Cumpre entretanto observar que, se a fidelidade à Lei exige sacrifícios por vezes heróicos dos próprios católicos que vivem no seio da Igreja banhados pela superabundância da graça e de todos os meios de santificação, muito maior ainda é a dificuldade que têm em praticá-la os que vivem longe da Igreja, e fora desta superabundância. É o que explica serem tão raros — verdadeiramente excepcionais — os gentios que praticam a Lei.

O ideal cristão da perfeição social

● Se admitirmos que em determinada população a generalidade dos indivíduos pratica a Lei de Deus, que efeito se pode esperar daí para a sociedade? Isto equivale a perguntar se, em um relógio, cada peça trabalha segundo sua natureza e seu fim, que efeito se pode esperar daí para o relógio? Ou, se cada parte de um todo é perfeita, o que se deve dizer do todo?

● Há sempre algum risco em exemplificar com coisas mecânicas, em assuntos humanos. Atenhamo-nos à imagem de uma sociedade em que todos os membros fossem bons católicos, traçada por Santo Agostinho: imaginemos "um exército constituído de soldados como os forma a doutrina de Jesus Cristo, governadores, maridos, esposos, pais, filhos, mestres, servos, reis, juizes, contribuintes, cobradores de impostos como os quer a doutrina cristã! E ousem (os pagãos) ainda dizer que essa doutrina é oposta aos interesses do Estado! Pelo contrário, cumpre-lhes reconhecer sem hesitação que ela é uma grande salvaguarda para o Estado, quando fielmente observada" (Epíst. CXXXVIII al. 5 ad Marcellinum, cap. II, n. 15).

E em outra obra o Santo Doutor, apostrofando a Igreja Católica, exclama: "Conduzes e instrues as crianças com ternura, os jovens com vigor, os anciãos com calma, como comporta a idade não só do corpo mas da alma. Submetes as esposas a seus maridos, por uma casta e fiel obediência, não para saciar a paixão, mas para propagar a espécie e constituir a sociedade doméstica. Conferes autoridade aos maridos sobre as esposas, não para que abusem da fragilidade do seu sexo, mas para que sigam as leis de um sincero amor. Subordinas os filhos aos pais por uma terna autoridade. Unes não só em sociedade, mas em uma como que fraternidade os cidadãos aos cidadãos, as nações às nações, e os homens entre si, pela recordação de seus primeiros pais. Ensinas aos reis a velar pelos povos, e prescreves aos povos que obedeçam os reis. Ensinas com solicitude a quem se deve a honra, a quem o afeto, a quem o respeito, a quem o temor, a quem o consolo, a quem a advertência, a quem o encorajamento, a quem a correção, a quem a reprimenda, a quem o castigo; e fazes saber de que modo, se nem todas as coisas a todos se devem, a todos de deve a caridade e a ninguém a injustiça" (De Moribus Ecclesiae, cap. XXX, n. 63).

● Seria impossível descrever melhor o ideal de uma sociedade inteiramente cristã. Poderia em uma sociedade a ordem, a paz, a harmonia, a perfeição ser levada a limite mais alto? Uma rápida observação nos baste para completar o assunto. Se hoje em dia todos os homens praticassem a Lei de Deus, não se resolveriam rapidamente todos os problemas políticos, econômicos, sociais, que nos atormentam? E que solução se poderá esperar para eles enquanto os homens viverem na inobservância habitual da Lei de Deus?

● A sociedade humana realizou alguma vez este ideal de perfeição? Sem dúvida. Di-lo o imortal Leão XIII: operada a Redenção e fundada a Igreja, "como que despertando de antiga, longa e mortal letargia, o homem percebeu a luz da verdade, que tinha procurado e desejado em vão durante tantos séculos; reconheceu sobretudo que tinha nascido para bens muito mais altos e muito mais magníficos do que os bens frágeis e perecíveis que são atingidos pelos sentidos, e em torno dos quais tinha até então circunscrito seus pensamentos e suas preocupações. Compreendeu ele que toda a constituição da vida humana, a lei suprema, o fim a que tudo se deve sujeitar, é que, vindos de Deus, um dia devamos retornar a Ele.

"Desta fonte, sobre este fundamento, viu-se renascer a consciência da dignidade humana; o sentimento de que a fraternidade social é necessária fez então pulsar os corações; em conseqüência, os direitos e deveres atingiram sua perfeição, ou se fixaram integralmente, e, ao mesmo tempo, em diversos pontos, se expandiram virtudes tais, como a filosofia dos antigos sequer pôde jamais imaginar. Por isto, os desígnios dos homens, a conduta da vida, os costumes tomaram outro rumo. E, quando o conhecimento do Redentor se espalhou ao longe, quando sua virtude penetrou até os veios íntimos da sociedade, dissipando as trevas e os vícios da Antigüidade, então se operou aquela transformação que, na era da Civilização Cristã, mudou inteiramente a face da terra" ( Leão XIII, Encíclica "Tametsi Futura Prospiscientibus", I-XI-1900 ).

A civilização cristã, a cultura cristã

● Foi esta luminosa realidade, feita de uma ordem e uma perfeição antes sobrenatural e celeste, do que natural e terrestre, que se chamou a civilização cristã, produto da cultura cristã, a qual por sua vez é filha da Igreja Católica.

● Por cultura do espírito podemos entender o fato de que determinada alma não se encontra abandonada ao jogo desordenado e espontâneo das operações de suas potências — inteligência, vontade, sensibilidade — mas, pelo contrário, por um esforço ordenado e conforme à reta razão adquiriu nestas três potências algum enriquecimento: assim como o campo cultivado não é aquele que faz frutificar todas as sementes que o vento nele caoticamente deposita, mas o que, por efeito do trabalho reto do homem, produz algo de útil e bom.

● Neste sentido, a cultura católica é o cultivo da inteligência, da vontade e da sensibilidade segundo as normas da moral ensinada pela Igreja. Já vimos que ela se identifica com a própria perfeição da alma. Se ela existir na generalidade dos membros de uma sociedade humana (embora em graus e modos acomodados à condição social e à idade de cada qual), ela será um fato social e coletivo. E constituirá um elemento — o mais importante — da própria perfeição social.

● Civilização é o estado de uma sociedade humana que possui uma cultura, e que criou, segundo os princípios básicos desta cultura, todo um conjunto de costumes, de leis, de instituições, de sistemas literários e artísticos próprios.

Uma civilização será católica, se for a resultante fiel de uma cultura católica e se, pois, o espírito da Igreja, for o próprio princípio normativo e vital de seus costumes, leis instituições, e sistemas literários e artísticos.

● Se Jesus Cristo é o verdadeiro ideal de perfeição de todos os homens, uma sociedade que aplique todas as Suas leis tem de ser uma sociedade perfeita, a cultura e a civilização nascidas da Igreja de Cristo tem de ser forçosamente, não só a melhor civilização, mas, a única verdadeira. Di-lo o Santo Pontífice Pio X: "Não há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há verdadeira civilização moral senão com a Religião verdadeira" ( Carta ao Episcopado Francês, de 28-VIII-1910, sobre "Le Sillon" ). De onde decorre com evidência cristalina que não há verdadeira civilização senão como decorrência e fruto da verdadeira Religião.

A Igreja e a civilização cristã

● Engana-se singularmente quem supuser que a ação da Igreja sobre os homens é meramente individual, e que ela forma pessoas, não povos, nem culturas, nem civilizações.

● Com efeito, Deus criou o homem naturalmente sociável, e quis que os homens, em sociedade, trabalhassem uns pela santificação dos outros. Por isto, também, criou-nos influenciáveis. Temos todos, pela própria pressão do instinto de sociabilidade, a tendência a comunicar em certa medida nossas idéias aos outros, e, em certa medida, em receber a influência deles. Isto se pode afirmar nas relações de indivíduo a indivíduo, e do indivíduo com a sociedade. Os ambientes, as leis, as Instituições em que vivemos exercem efeito sobre nós, têm sobre nós uma ação pedagógica.

● Resistir inteiramente a este ambiente, cuja ação ideológica nos penetra até por osmose e como que pela pele, é obra de alta e árdua virtude. E por isto os primitivos cristãos não foram mais admiráveis enfrentando as feras do Coliseu, do que mantendo íntegro seu espírito católico embora vivessem no seio de uma sociedade pagã.

Assim, a cultura e a civilização são fortíssimos meios para agir sobre as almas. Agir para a sua ruína, quando a cultura e a civilização são pagãs. Para a sua edificação e sua salvação, quando são católicas.

Como, pois, pode a Igreja desinteressar-se em produzir uma cultura e uma civilização, contentando-se em agir sobre cada alma a título meramente individual?

● Aliás, toda a alma sobre a qual a Igreja age, e que corresponde generosamente a tal ação, é como que um foco ou uma semente desta civilização, que ela expande ativa e energicamente em torno de si. A virtude transparece e contagia. Contagiando, propaga-se. Agindo e propagando-se tende a transformar-se em cultura e civilização católica.

● Como vemos, o próprio da Igreja é de produzir uma cultura e uma civilização cristã. É de produzir todos os seus frutos numa atmosfera social plenamente católica. O católico deve aspirar a uma civilização católica como o homem encarcerado num subterrâneo deseja o ar livre, e o pássaro aprisionado anseia por recuperar os espaços infinitos do Céu.

E é esta nossa finalidade, o nosso grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém. Porque, se nossos maiores souberam morrer para reconquistar o sepulcro de Cristo, como não queremos nós – filhos da Igreja como eles – lutar e morrer para restaurar algo que vale infinitamente mais do que o preciosíssimo Sepulcro do Salvador, isto é, seu reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou e salvou para O amarem eternamente.

fonte:http://www.pliniocorreadeoliveira.info/

Cardeal Siri: PIO XII A 25 ANNI DALLA SUA MORTE Discorso pronunciato dal Card. Giuseppe Siri in Vaticano, nell’Aula Sinodale, l’8 ottobre 1983



Beatissimo Padre,

permetta la Santità Vostra che io ringrazi di cuore. Decidendo Voi di promuovere la commemorazione di due Vostri Venerati Antecessori, avete dato un esempio a tutti. Molti si dimenticano di quello che devono a chi ha prima lavorato il campo; spero che l’esempio sia seguito.

Si compiono venticinque anni dalla morte del Servo di Dio Pio XII. Nella storia la lontananza permette di leggere meglio i fatti. Quando una grande figura si spegne alla Terra, prevale la cronaca, il particolare, l’aneddoto e - non meno - o l’entusiasmo o il livore. Alla distanza di venticinque anni si vede meglio e si vede in un ambiente più sereno e veritiero.

Il mio compito non è dire di Pio XII quello che dissi allorché il Vostro venerato Antecessore Giovanni XXIII mi affidò il compito di commemorarlo, ma di proporre quello che si vede col beneficio di 25 anni di distanza. La visione a questo punto privilegia la sostanza della storia.

Pio XII, in un’epoca di guerra, la più orribile finora conosciuta dal genere umano, con un’azione magisteriale intensa, precisa, logica mirò a salvaguardare la verità rivelata e quella in qualche modo collegata alla verità rivelata. Non si tratta solo di una accolta di interventi e di affermazioni; si tratta di un disegno, forse maturato a poco a poco, nel qual caso indicherebbe dove era anzitutto volta la preoccupazione del Vicario di Cristo.

La guerra moderna corrompe tutto; nessuno si sottrae alle incisure profonde che essa figge nella psicologia degli uomini singoli e associati. Lo sconvolgimento è totale, anche se talune apparenze ne possono sembrare per qualche tempo indenni. La emotività del sentimento, la integrità fisica, la stessa lucidità logica dell’intelligenza comune ne escono contagiati.

Per questo il Pontefice che resse la Chiesa durante tutto il clamore bellico e per tredici anni dopo la sua fine, non può essere visto al di fuori di questo grande spaventoso contesto. Gli anni che seguono la guerra, sono una guerra di tipo diverso.

Se la figura di Pio XII non si fosse levata pura, inattaccabile per la sua saggezza, non avrebbe potuto compiere la difficile missione del Suo pontificato.

Questa opera magisteriale si volse in più direzioni tra loro collegate.

La prima fu quella della verità rivelata. Essa è intoccabile. Quando Pio fu gravemente ammalato nel 1954 ricevendo brevi istanti un prelato e stringendogli le mani, disse: “Depositum custodi”. Lui era la scolta vigilante. Della Rivelazione toccò in maniera decisa punti fondamentali, intaccati i quali tutto poteva essere intaccato. Questa opera magisteriale fu disegno e non pura casualità. Era la guerra ed era una tal guerra che poteva suggerire a chiunque di occuparsi solo di essa. Le rovine hanno bagliori sinistri, non splendori accecanti.

Il 24 agosto 1939 lanciò l’incisivo messaggio: “Nulla è perduto colla pace; tutto può essere perduto colla guerra”.

Ma Egli vide quello che la guerra stava scavando nel fisico e nel morale degli uomini. Gli altri, i più avrebbero capito solamente dopo a rovine fumanti. Egli vide subito. La rivolta degli spiriti contro l’immane sforzo di una sopportazione bestiale, avrebbe impressa una spinta verso le cose materiali; le voci del mondo, in questa sete di godimento reattiva a tutto, avrebbero oscurato le cose soprannaturali; le tracce della sofferenza prolungata avrebbero scavato segni nei caratteri degli individui e nella collettività; la Chiesa avrebbe sofferto.

In piena guerra, quando tutta l’Europa gemeva sotto i bombardamenti a tappeto, Pio XII, il 29 giugno 1943 pubblicava l’Enciclica “Mystici Corporis”. Si trattava soprattutto della vita interiore della Chiesa, quella che per divina disposizione dà ragione e sostanza alla costituzione gerarchica e giuridica, la più esposta a risentire del frantumarsi di ogni autorità terrena sotto la violenza bruta della forza. Ebbe ragione! Le sequenze del temporale non sono ancora finite oggi!

L’anelito di pace e godimento materiale, reazione al lungo, estenuante patire, avrebbe reso duro il soprannaturale. Egli questo volle ricordare. Anche gli intelligenti avrebbero avuto conseguenze di spasmi interiori e l’avrebbero avuti proprio su questo punto. Quella Enciclica prevenne. La barca di Pietro non può affondare, ma deve essere cullata dalle onde, anche se non la possono risucchiare; ma non è piacevole mantenere l’equilibrio in una barca quando le onde si fanno capricciose.

Nello stesso anno 1943, il 30 settembre, memoria liturgica di San Girolamo, Pio XII pubblicò la “Divino affiante Spiritu”. Meraviglia che durante la guerra Egli abbia rivolto lo sguardo alle Sacre Scritture, aprendo giuste porte agli studi, ma mettendo limiti vigorosi di rispetto verso la parola di Dio. Chi legge il documento può capire che il senso critico col quale in modo non sempre scientifico si era guazzato nel XIX secolo, sarebbe stato un punto debole alla intelligenza provata del dopoguerra. Ed Egli doveva far rispettare il deposito della Fede. Ci si meraviglia che abbia previsto. Quando si aprono le porte, bisogna sempre preoccuparsi che esse non sbattano.

Le due Encicliche che parvero allora fuori tempo, furono semplicemente profetiche.

La guerra finì ed essa, colle sue conseguenze, ebbe ad attirare l’attenzione con particolari interventi dei quali dirò appresso.

Nel 1947 Pio XII pubblicò la “Sacramentum Ordinis” in cui decise per sempre della materia e forma del sacramento. Fu un atto di Magistero solenne mentre chiudeva dispute teologiche durate troppo tempo; ma è il documento che più di tutti gli altri forse dimostrò il coraggio di questo Pontefice che pur vedevamo sbiancato in volto quando nelle canonizzazioni doveva pronunciare la formula, espressione di infallibilità, che ascriveva nell’albo dei Santi.

Il 1° novembre 1950 colla “Munificentissimus Deus” definì il dogma dell’Assunzione. Fu un atto di coraggio, perché un mondo che non ama i precettori, ma piuttosto gli artisti e gli atleti, con una definizione infallibile, Egli lo affrontava direttamente. E in quella limpidissima mattina di novembre nel cielo di Piazza San Pietro c’erano tutte e due: il sole da una parte e la luna calante dall’altra. Nel suo voto, richiesto prima della definizione, un Padre aveva scritto di “opinare che un simile gesto per la Madre di Dio avrebbe allontanata la guerra che allora pareva di nuovo incombere sul mondo”.

Ed eccoci alla Enciclica “Humani Generis”. Si tratta di un documento che va letto con cura. In verità tale Enciclica non solo spazia contro errori perniciosi, ma costituisce una affermazione di rispetto per la verità totale, sia quella che la ragione umana ricava dall’ordine naturale, sia quella che riceve dalla Rivelazione. Ogni verità viene da Dio e pertanto rientra in quella armonia che riflette la perfezione divina. Questa armonia impone il metodo di studio e di ricerca ed indica i limiti che sono posti al lavoro dell’intelligenza, riaffermando la natura, la forza, il beneficio del Magistero della Chiesa.

L’Enciclica “Humani Generis” rappresenta una “Summa” che deve essere tenuta presente, perché la verità non è labile: è superiore agli uomini e non viene da essi forgiata secondo le voglie e secondo i loro ristretti orizzonti.

Ricordo che un giorno Giovanni XXIII disse a me che Pio XII aveva compiuto, nel suo pontificato, un’enciclopedia teologica. Di fatto se si studiano gli indici del Concilio Vaticano II, si può agevolmente rilevare che dopo quelle tratte dalla Sacra Scrittura, le citazioni più numerose sono quelle ricavate dagli scritti di questo Pontefice.

La “mariologia” ebbe la massima attenzione di Pio XII. Ritorno sulla definizione del dogma dell’Assunzione. Non tutti allora capirono quale significato, sia pure secondario, portava quella definizione. Di fronte al mormorio che per allora si levava lontano contro la Chiesa e la sua divina autorità, oppose la sfida di una definizione dogmatica, con un solenne atto di magistero infallibile che poteva sembrare audace. Ed è specialmente in questa circostanza che ricordo quel pallore del Suo volto prima di pronunciare la formula definitoria e il rifluire del sangue non appena pronunciata la formula.

Il campo poteva sembrare sereno, ma non era così. Fu lui ad accorgersene e questo spiega alcuni grandi atti del Magistero. Quando si tratta di obbedire a Cristo, non contano i dissensi di tutti gli altri. E proseguì implacabile.

Avvertì che gli errori filosofici avrebbero tentato di entrare a scardinare la teologia. Sapeva che, avendo Dio data l’intelligenza agli uomini, essi dovevano servirsene per comprendere più utilmente nella verità il dato rivelato e colpì. Le reazioni non furono tutte favorevoli. Lui però proseguì indomito.

Ed ecco la seconda direzione nella quale adempì il suo dovere magisteriale. Si era in guerra; ma dopo la guerra che sorta di pace sarebbe stata concessa al genere umano? Bisognava ripresentare ed eventualmente completare gli elementi della sociologia naturale e cristiana. Usò la via più diretta del messaggio natalizio. Per molti non era difficile capire da che parte la grande tenzone si sarebbe risolta. Era certo che le acredini sociali avrebbero ripreso vigore nel poco rassicurante tacere delle armi. Ed insegnò. Il messaggio del Natale 1941 presentò un piano generale. Si compiva mezzo secolo dalla Enciclica “Rerum Novarum” di Leone XIII, ma la questione sociale si era enormemente allargata oltre il fondamentale impegno di giustizia dei salari e salari familiari. Il quadro che presentò era comprensivo e nitido: la giustizia dei salari era una somma di adempimenti di giustizia in molti altri livelli e situazioni umane. In tal modo proseguì per i restanti anni del terribile conflitto. Vide con chiarezza che “dopo” sarebbe venuto il più difficile; e il più difficile venne. Il Suo sguardo planava da intelletto sovrano sull’immenso rogo e sulle spietate delinquenze. Invece di facili denunce, presentò completi rimedi.

Il Magistero volse ad eliminare le false affermazioni di incompatibilità tra la Fede e le scienze. Molti congressi od equivalenti riunioni di carattere internazionale, si tennero a Roma. Generalmente tali congressi chiedevano di vedere il Papa e di ascoltarlo. A parlare in tali circostanze, Egli, Pio, si preparava da lontano. Voleva avere tutto quanto era ultimo grido circa l’oggetto in causa. A tal fine era stato fatto un accordo con una casa specializzata che Gli forniva il “dernier cri” sull’argomento, e leggeva. Diceva: “Bisogna rispettare ogni verità”. Questi interventi hanno un raggio amplissimo e sono testimoni dei sacrifici per rispettare il criterio della verità. Tale lavoro, a distanza di venticinque anni, bisogna vederlo nell’insieme e diviene dimostrativo. Egli ebbe la intuizione del suo tempo. La parete che divide i due campi, della Fede e della scienza, era diventata molto sorda. Dalla parte di questa si dava per dimostrato che incomunicabilità ci fosse; dall’altra molti non facevano caso alle affermazioni gratuite. La diffusione della cultura o della cosiddetta cultura non permetteva si tacesse.

Le manifestazioni magisteriali di Pio XII in questo campo non restarono soltanto nei limiti dei grandi congressi di alta scienza, ma scesero al livello della professionalità, nella quale, oltre alla chiarezza delle idee, erano facilmente in gioco i problemi morali e deontologici. Basta vedere anche solo il volume che porta i discorsi di Pio XII ai medici, ai paramedici per rendersi conto con quanta diligenza e saggezza Egli abbia affrontato i problemi.

Non sarebbe bastata sulle rovine una riedificazione materiale, specialmente nella ingordigia di chi successe a regimi caduti. Tutto il mondo delle idee, sul quale si edifica poi il costume buono o cattivo dei popoli, era sconvolto dalla guerra e dal periodo spiritualmente peggiore del dopoguerra. La chiarezza delle idee e della Fede e di quanto in qualche modo connesso colla Fede, doveva essere difeso. Egli vide questo ed agì di conseguenza. Sottilmente la generosità mal collocata di taluni pensatori cattolici studiò o credette studiare uno sfruttamento apostolico delle filosofie anche contraddittorie tra loro e venute a maturazione sconvolgente nel secolo scorso: hegelianismo, positivismo ed esistenzialismo. Queste domandavano si pagasse un conto ai danni del soprannaturale e si ebbe così il pericolo maggiore.

Le questioni non furono piamente coperte con un velo di falsa carità. Meglio una lotta aperta e cosciente che una facile anestesia, incapace di reazioni e contestazioni.

Mi chiedo che sarebbe accaduto se fosse mancata al Concilio Vaticano II questa preparazione e se lo spirito di quella non lo avesse condotto per le vie della prudenza e del giusto criterio. So bene che Dio ha resa indefettibile la Sua Chiesa e, per questo appunto, infallibile; ma tutti sappiamo che gli uomini debbono fare in essa la loro parte. Che tutto questo non sia stato anche opera di cultura, nessuno vorrebbe negare, dato che la cultura resterebbe come una statua vuota se non ha idee da proporre. Ma il raggio dell’azione di Pio XII in questo campo è tale che si può logicamente pensare aver Egli con tutta la sua opera voluto affermare che nessuna cultura umana è completa se non si arricchisce del dato rivelato. La natura non può che allietarsi nell’assimilare quello che storicamente le viene dal di sopra della natura. Tanto dico rispettando la libertà di ciascuno di continuare le dispute sulla natura della cultura stessa.

Sarebbe contrario ai fatti negare che durante il pontificato di Pio XII non si sia sentito, da chi aveva orecchie, tuonare molto lontano una qualche tempesta; ma c’era una compostezza, una forza, un equilibrio nell’azione magisteriale di questo Pontefice, che tempesta serpeggiante se c’era, per allora fu tenuta lontana.

***

Il mio breve “excursus” non mi dispensa dal toccare aspetti di un pontificato che non fu soltanto magisteriale. Naturalmente lo guardo a 25 anni di distanza. La distanza permette di vedere lo stile. Questo partiva dall’interno e proprio per tale ragione lo rendeva austero, mai duro, equilibrato e mai sospinto da emotività subitanee, educatissimo e controllato nella forma. È straordinario come Egli sia riuscito, continuando il costume di Pio XI, ad apparire alle folle come una visione superiore, con una straordinaria forza di intesa colle moltitudini che lo applaudivano e lo sentivano “Pastor Angelicus”.

Era lo stesso stile che conquideva allorché si trattava con Lui in privato e che costituiva il vero alone attorno al Suo grande magistero, gli dava una credibilità, lo mostrava nella perfetta armonia e coerenza. La precisione e il senso del dovere non lo abbandonavano mai ed erano fortissimi, capaci di renderlo leone, mentre naturalmente aveva una certa timidezza, tempestivo per la vivacità della Sua intelligenza. Azione e uomo apparvero una cosa sola.

Era la aureola che strappava alle folle l’entusiasmo e che ha suggerito al successore Paolo di iniziare, Lui, a Concilio aperto, la causa di Beatificazione e Canonizzazione.

Fu quell’equilibrio affinato dalla lunghissima pratica curiale e diplomatica a segnargli la difficile e coerente strada durante il conflitto mondiale, quando qualunque estrapolazione e qualunque gesto inconsulto avrebbero provocato la ricorrente risposta dei momenti di guerra: distruzione e morte.

Gli fu meno difficile questo perché era il padrone di se stesso. Dopo, per più anni, Gli venne addebitato il silenzio. Quando allora qualcuno ebbe il coraggio di fargli osservare la necessità di alzare, per taluni crimini, la voce, ebbe una risposta illuminante: “I tali hanno parlato fuori luogo; la reazione al loro dire è stata di duecentomila vittime”. Oggi la lontananza del tempo permette di vedere che cosa sia stato di saggezza il silenzio in taluni momenti. Quando la reazione oltraggiosa sugli altri si allontanava, quando poté trattare coi singoli senza il rimbombo di una pubblica opinione, altrettanto imbarazzante quanto inopportuna, parlò da leone. Ne seppe qualcosa qualche grande personaggio che volle trattare direttamente con Lui.

In questo singolare equilibrio, la guerra divenne quello che deve essere per chi ragiona con Cristo: l’occasione della carità. Poteva fare da intermediario al di sopra della linea del fuoco. Il Vaticano diventò il legittimo esportatore delle notizie che potevano diminuire le ansietà; ristabilì per una moltitudine di uomini i rapporti degli affetti familiari al di qua e al di là del fuoco.

Questa realtà, considerata nel complesso di una guerra - la più disumana della storia -, sta a dimostrare come l’equilibrio del quale ho parlato, abbia permesso a Lui di essere il Padre comune.

Tutto fu destinato alla carità; durante la guerra si sottomise ai limiti dei poveri e così fu con loro non a parole.

In mezzo al fuoco e ai contrasti la figura di Pio XII si elevò sui fatti umani come un preludio sereno di pace e di ordine. Tenne la disciplina colla precisione che gli era naturale e non per questo cessò di essere il “Pastor Angelicus”.

L’Anno Santo del 1950 gli permise di abbracciare il mondo, di averne la fiducia e il rispetto, non turbato dalle voci cattive che qualche scrittore diffuse tentando di farne un soggetto letterariamente rilevato, ma rilevato per coprirlo di esecrazione. Oggi sul celebre episodio delle fosse Ardeatine si è fatto chiaro: Egli seppe quando già tutto era deciso ed almeno in parte eseguito. Non c’era più tempo e spazio. Coloro che sotto la guerra orrenda ebbero, in minore scala, le stesse questioni e le stesse parti da compiere, comprendono benissimo il contegno tenuto dal Papa. Si può credere che a salvare Roma da una distruzione come quella di Montecassino sia stato Lui. Ma nessuno può dimenticare che quando Roma fu bombardata il 19 luglio 1943, fu Lui ad accorrere immediatamente tra il popolo terrorizzato, mentre ancora cadevano le bombe e fu Lui ancora a tingersi di sangue le vesti bianche per recar soccorso e conforto a qualche ferito. Roma fu salva.

Molte altre cose si dovrebbero dire, ma i 25 anni che ci separano dal Commemorato, evidenziano le linee ed amano lasciare nell’ombra molti dettagli. Pietro era stato al suo posto, colla dignità che l’armonia delle virtù conferiva, spesso vero eremita nell’immensa casa per evitare conseguenze lamentevoli, vicino a Dio e a tutto il mondo con lo sguardo amoroso d’un padre. Le macchie di sangue del 19 luglio si levavano a simbolo di quanto nella serena dignità, attraverso un lungo pontificato, Egli avesse sofferto!

A venticinque anni di distanza la Sua figura si leva mostrando la statura dell’uomo, lo stile di un Papa.

fonte:http://www.cardinalsiri.it/