A Santa Missa centro e raiz da vida do cristão
Ángel García Ibáñez
«Sempre vos ensinei, queridíssimos filhas e filhos, que a raiz e o centro da vossa vida espiritual é o Santo Sacrifício do Altar» (1). São Josemaria ensinou inúmeras vezes, tanto pela palavra como pelos seus escritos, que a Eucaristia é o centro e a raiz da vida do cristão.
Costumava abordar, de um modo especial, este tema quando na sua pregação expunha a doutrina católica sobre o Sacrifício Eucarístico e quando se referia à vocação cristã como um viver em Cristo, com alma sacerdotal. “Se o Filho de Deus - escreveu em 1940 - se fez homem e morreu numa Cruz, foi para que todos nós, homens, sejamos uma só peça com Ele e com o Pai. Todos, portanto, somos chamados a fazer parte desta unidade divina. Com alma sacerdotal, fazendo da Santa Missa o centro da nossa vida interior, procuramos estar com Jesus, entre Deus e os homens” (2). A todos aconselhava a serem coerentes considerando a Eucaristia como o centro da vida da Igreja e de cada cristão, dedicando, em cada dia, a sua existência plena ao Sacrifício Eucarístico: “Luta por conseguir que o Santo Sacrifício do Altar seja o centro e a raiz da tua vida interior, de maneira que toda a jornada se converta num acto de culto - prolongamento da Missa que ouviste e preparação para a seguinte -,que vai transbordando em jaculatórias, em visitas ao Santíssimo, no oferecimento do teu trabalho profissional e da tua vida familiar...” (3). E a sua pregação era sempre acompanhada pelo exemplo da sua própria vida. É testemunho desta vivência D. Álvaro del Portillo: “Durante quarenta anos, dia após dia, fui sendo testemunha do seu empenho em transformar cada dia num holocausto, num prolongamento do Sacrifício do Altar. A Santa Missa era o centro da sua heróica dedicação ao trabalho e a raiz que vivificava a sua luta interior, a sua vida de oração e de penitência. Devido a essa união com o Sacrifício de Cristo, a sua actividade pastoral adquiriu um imenso valor santificante: na verdade, em cada um dos seus dias, tudo era operatio Dei, Opus Dei, um verdadeiro caminho de oração, de intimidade com Deus, de identificação com Cristo na sua entrega total para a salvação do mundo” (4).
Neste estudo proponho-me considerar, numa primeira fase, o fundamento dogmático e o conteúdo teológico da expressão "a Santa Missa é o centro e a raiz da vida do cristão", tão frequentemente utilizada por São Josemaria Escrivá; depois, tentarei demonstrar - socorrendo-me também dos seus ensinamentos, o que a referida expressão implica na existência quotidiana do cristão.
A Eucaristia, perpetuação no tempo da Igreja da corrente de Amor trinitário pelos homens
Quem aborda os textos de São Josemaria constata de imediato o profundo sentido da filiação divina que os mesmos reflectem e a perspectiva trinitária patente em todos os seus escritos (5). No que se refere à Eucaristia, na homilia A Eucaristia, mistério de fé e de amor, proferida em 14 de Abril de 1960, Quinta-feira Santa, leva-nos a considerar o Mistério Eucarístico nos seguintes termos:
”O Deus da nossa fé não é um ser longínquo, que contempla com indiferença a sorte dos homens, os seus afãs, as suas lutas, as suas angústias. É um Pai que ama os seus filhos até ao ponto de enviar o Verbo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a fim de, com a sua encarnação, morrer por nós e nos redimir. É Ele ainda o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente para Si, mediante a acção do Espírito Santo que habita nos nossos corações.
A alegria da Quinta-Feira Santa parte, portanto, do facto de nós compreendermos que o Criador se desfez em carinho pelas suas criaturas. Nosso Senhor Jesus Cristo, como se já não fossem suficientes todas as outras provas da sua misericórdia, institui a Eucaristia para que possamos tê-Lo sempre perto de nós e porque - tanto quanto nos é possível entender - movido pelo seu amor, Ele, que nada necessita, não quis prescindir de nós. A Trindade apaixonou-se pelo homem, elevado à ordem da graça e feito à sua imagem e semelhança, redimiu-o do pecado - do pecado de Adão que se propagou a toda a sua descendência e dos pecados pessoais de cada um - e deseja vivamente morar na nossa alma, como diz o Evangelho: se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e Nós viremos a Ele e faremos n'Ele morada... Esta corrente trinitária de amor pelos homens perpetua-se de maneira sublime na Eucaristia” (6).
A presença e a função da Trindade no Sacrifício Eucarístico constituem o núcleo central das suas reflexões. “A Santa Missa... é a própria doação da Trindade à Igreja. Compreende-se assim que a Missa seja o centro da vida espiritual do cristão” (7). Para São Josemaria a Eucaristia manifesta-nos e torna-nos participantes do amor do Pai que, no seu plano salvífico, enviou o seu Filho unigénito ao mundo para nos redimir e nos dar a vida eterna. Apresenta-nos e oferece-nos o amor do Filho, o Pão descido do Céu que, em obediência à vontade do Pai, entregou a sua vida por nós. Revela-nos e transmite-nos o amor do Espírito Santo, pelo qual o Verbo se fez carne e continua presente entre nós em cada celebração da Eucaristia, oferecendo-nos a Sua carne vivificada pelo Espírito.
”Toda a Trindade está presente no sacrifício do Altar. Por vontade do Pai, com a cooperação do Espírito Santo, o Filho oferece-Se em oblação redentora” (8). Todas as vezes que a Igreja celebra a Eucaristia, o Senhor está presente sob as espécies sacramentais do pão e do vinho, no acto de oferecimento da própria vida ao Pai a fim de libertar toda a humanidade da escravidão do pecado. Em Cristo e com Cristo torna-se presente a sua obra salvífica, o Sacrifício da nossa redenção na plenitude do Mistério Pascal, isto é, da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Não se trata de uma presença estática, puramente passiva do Senhor, uma vez que Ele se torna presente no dinamismo salvífico da sua Morte e da sua gloriosa Ressurreição; torna-se presente enquanto Pessoa que vem ao nosso encontro para nos redimir, para nos manifestar o seu amor, para nos dar a sua própria vida com o Pão da vida eterna e o Cálice da salvação eterna, para nos unir a Si e tornar possível que n'Ele - em Cristo e sob a acção do Espírito Santo - devolvamos ao Pai, em acção de graças, tudo o que procede do Pai.
”O amor da Trindade pelos homens faz com que, da presença de Cristo na Eucaristia, nasçam para a Igreja e para a humanidade todas as graças” (9). Desta corrente trinitária de amor que nos oferece o Santíssimo Sacramento, provem a força que permite aos cristãos viverem em Cristo, unidos num só Espírito, como Filhos do Único Pai, amando até ao dom total de si próprios, plenamente empenhados na construção da Igreja e na transformação do mundo de acordo com o plano divino. A Eucaristia não é, pois, um mistério que se possa venerar apenas à luz da fé; é infinitamente mais, porque neste sacramento Jesus Cristo nos convida a receber a salvação que Ele nos oferece, a receber os dons sacrificiais do seu Corpo e do seu Sangue como alimento de vida eterna, fazendo com que possamos estar em comunhão com Ele, com a sua Pessoa e o seu Sacrifício e, em comunhão com todos os membros do seu Corpo Místico, a Igreja.
A participação no Sacrifício Eucarístico nos ensinamentos de São Josemaria Escrivá
Nos escritos de São Josemaria é evidente uma visão profundamente unitária dos diversos aspectos do Mistério Eucarístico. De um modo especial, acentua a dimensão sacrificial da liturgia eucarística, considerando-a numa perspectiva adequada, isto é, na ordem da sacramentalidade da Igreja: A Santa Missa é “o sacrifício sacramental do Corpo e do Sangue do Senhor” (33). Na mesma linha da Tradição da Igreja, identifica este sacrifício sacramental com o Sacrifício único do nosso Redentor: “É o sacrifício de Cristo, oferecido ao Pai com a cooperação do Espírito Santo: oblação de valor infinito, que eterniza em nós a Redenção” (34). E ao contemplar com os olhos da fé e do amor esta realidade, descobre que “neste Sacrifício [a Santa Missa] se encerra tudo aquilo que o Senhor quer de nós” (35). O que ele deseja, quando participamos na liturgia eucarística e em todos os momentos da nossa existência.
Com efeito, o nosso Pai Deus quer que vivamos como somos, como filhos no Filho, identificados com Cristo no amor e na obediência filial. Tal identificação realiza-se de maneira especial graças à eucaristia. Em Cristo Jesus, em comunhão com o seu ser teândrico (N. T.: união em Cristo da natureza divina e humana), podemos viver numa relação permanente de amor filial com o Pai; e o Pai lança sobre nós a sua paternidade que transborda de amor. Além disso, pela comunhão com o corpo de Cristo, com a sua humanidade vivificada pelo Espírito e vivificante, entramos também em comunhão com a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, recebendo a força do amor do Espírito Santo, que tudo cria, renova, inflama e santifica. Ele cristifica-nos e faz-nos sentir a nossa filiação divina em Cristo. Nesta linha de pensamento, São Josemaria escrevia "Na Santa Missa, a vida da graça encaminha-se para a sua plenitude, que foi depositada em nós pelo Baptismo, e que cresce, fortalecida pela Confirmação. "Quando participamos na Eucaristia, escreve São Cirilo de Jerusalém, experimentamos a espiritualização deificante do Espírito Santo, que, além de nos configurar com Cristo, como sucede no Baptismo, nos cristifca integralmente, associando-nos à plenitude de Cristo Jesus. A efusão do Espírito Santo, na medida em que nos cristifica, leva a reconhecermo-nos como filhos de Deus. O Paráclito, que é caridade, ensina-nos a fundir com essa virtude toda a vida. Por isso, feitos uma só coisa com Cristo, consummati in unum (Jo. XVII, 23), podemos ser entre os homens o que Santo Agostinho afirma da Eucaristia: "sinal de unidade, vínculo de Amor" (36).
A contemplação do amor que Cristo nos manifesta na Eucaristia e, sobretudo, a identificação com Ele próprio - pela fé, a graça 'cristoconformante' do sacramento e a acção do Paráclito na alma - não pode deixar indiferente e passivo qualquer cristão que participe no Sacrifício Eucarístico. “Para corresponder a tanto amor é preciso que haja da nossa parte uma entrega total do corpo e da alma” (37). Exige que nos entreguemos como Ele: por amor, com uma entrega total, incondicional, humilde, escondida, perseverante.
O que Deus espera de nós em cada celebração eucarística é que saibamos interiorizar na sua plenitude, as palavras de Jesus Cristo: tomai e comei... isto é o meu corpo que será entregue por vós; tomai e bebei... este é o cálice do meu sangue, que será derramado por vós e por todos os homens para a remissão dos pecados. O que o Senhor manda, fazei isto (o que Eu fiz) em memória de mim, exige que não só o sacerdote celebrante repita as suas palavras e gestos; Ele deseja que todos acolhamos com fé e amor o dom que nos oferece e, unidos com Ele, saibamos entregar-nos ao Pai, no Espírito, para a salvação do mundo.
Todos os fiéis - todo o povo sacerdotal de Deus e não só o sacerdote celebrante - são chamados a viver deste modo a Eucaristia, isto é, a renovar a sua entrega ao Senhor no momento da consagração dos dons, em que, com a presença da Pessoa de Cristo, se renova o seu acto de oferta sacrificial, e no momento da comunhão, quando chegamos a ser uma só coisa com a Vítima divina. Na verdade, embora só o ministro ordenado pelo sacramento - bispo ou presbítero - esteja preparado para celebrar o Sacrifício eucarístico in persona Christi, a celebração eucarística abrange e compromete cada um dos fiéis presentes, os quais, em virtude do seu sacerdócio comum (isto é, da sua participação no sacerdócio de Cristo, recebida no Baptismo) são chamados a prestar ao Pai um culto espiritual, o sacrifício das suas vidas, unidas ao Sacrifício de Cristo. Os fiéis não podem limitar-se a estar presentes como simples espectadores de um acto de culto realizado pelo sacerdote celebrante. Todos podem e devem participar na oferta do Sacrifício.
São Josemaria insistiu com tenacidade nesta doutrina da Igreja, ensinando a renovar na Santa Missa o oferecimento da própria vida e das obras de cada dia, tudo quanto somos e podemos: a inteligência, a vontade e a memória; o trabalho, as alegrias e as contradições. Tudo queria colocar no altar, para que o Senhor recebesse e lhe desse valor salvífico “nesse instante supremo - o tempo une-se com a eternidade - do Santo Sacrifício da Missa” (39). Queria dedicar toda a sua vida, dia após dia, ao Sacrifício eucarístico, e ensinava todos a viverem com alma sacerdotal. Antecipava, assim, o que o Concílio Vaticano II viria afirmar sobre os fiéis cristãos “todas as suas obras, as suas orações e iniciativas apostólicas, a vida conjugal e familiar, o trabalho quotidiano, o descanso da alma e do corpo, se forem feito no Espírito e inclusivamente as próprias provações da vida, se se carregam com paciência, convertem-se em sacrifícios espirituais, aceites por Deus através de Jesus Cristo, que na celebração eucarística se oferecem com devoção ao Pai juntamente com a oblação do corpo do Senhor” (40).
Aquilo que temos vindo a dizer até agora sobre os fiéis aplica-se, de um modo especial, ao sacerdote celebrante: porquanto na celebração eucarística celebra in persona Christi, é escolhido para se identificar, de um modo particular, com Cristo, Vítima e Sacerdote. O oferecimento da própria vida ao Pai, por Cristo e em Cristo, deve ser uma realidade para o sacerdote em cada celebração da Eucaristia. Neste sentido, é afirmado no Decreto Presbyterorum Ordinis que os sacerdotes “enquanto se unem ao acto [sacrificial] de Cristo sacerdote, se entregam, por inteiro, a Deus diariamente” (41). O que celebram como sacramento no altar compromete-os para toda a vida: são chamados a entregarem-se totalmente, em Cristo e com Cristo, ao Pai permitindo, deste modo, que o Senhor se "aproprie" de toda a sua vida e lhe dê a plenitude do sentido e valor redentor.
São Josemaria tinha plena consciência desta verdade, lembrava-a frequentemente aos sacerdotes, vivia-a todos os dias no Sacrifício do Altar:
”Pelo sacramento da Ordem, o sacerdote torna-se efectivamente apto para emprestar a Nosso Senhor a voz, as mãos, todo o seu ser: é Jesus Cristo quem, na Santa Missa, com as palavras da consagração, transforma a substância do pão e do vinho no Seu Corpo, Alma, Sangue e Divindade.
Nisto se fundamenta a incomparável dignidade do sacerdote. Uma grandeza emprestada, compatível com a minha pequenez. Eu peço a Deus Nosso Senhor que nos dê, a todos os sacerdotes, a graça de realizar santamente as coisas santas, e de reflectir também na nossa vida as maravilhas das grandezas do Senhor. Nós, que celebramos os Mistérios da Paixão do Senhor, temos de imitar o que fazemos. E então a hóstia ocupará o nosso lugar diante de Deus, se nós mesmos nos fizermos hóstias” (42).
D. Álvaro del Portillo, testemunha privilegiada da fé e do amor com que São Josemaria celebrava todos os dias na Missa, diz-nos:
”Ao elevar o Pão eucarístico e o Sangue de Nosso Senhor, repetia sempre algumas orações - não em voz alta, porque as regras canónicas não o permitem, mas com a mente e o coração -, com uma perseverança heróica que durou dezenas de anos. Concretamente, enquanto tinha a Hóstia consagrada entre as mãos, dizia: "Meu Senhor e meu Deus", o acto de fé do apóstolo São Tomé. Depois, inspirando-se numa invocação evangélica, repetia lentamente: Adauge nobis fidem, spem et charitatem pedia ao Senhor, para toda a Obra, a graça de crescer na fé, na esperança e na caridade. Imediatamente depois, repetia uma oração dirigida ao Amor Misericordioso, que havia aprendido e meditado na juventude, mas que não utilizava nunca na sua pregação, e que, durante muitos anos, só de quando em quando nos disse que recitava: "Pai Santo, pelo Coração Imaculado de Maria, eu Vos ofereço Jesus, Vosso Filho muito amado, e me ofereço, a mim mesmo n'Ele, por Ele e com Ele, por todas as suas intenções e em nome de todas as criaturas". Depois, acrescentava a invocação: "Senhor, dá-nos a pureza e o gaudium cum pace, a mim e a todos", pensando, como é natural, nos seus filhos do Opus Dei. Por último, enquanto fazia a genuflexão, depois de ter elevado a Hóstia e o Cálice, recitava a primeira estrofe do hino Eucarístico Adoro te devote, latens deitas (Adoro-Te com amor, Deus escondido), e dizia ao Senhor: "Bem vindo ao Altar!"
Tudo isto, repito, não o fazia de vez em quando, mas diariamente, e nunca como um gesto mecânico, mas com todo o amor e vibração interior” (43).
É fácil compreender a alegria de São Josemaria ao ler no Decreto Presbyterorum Ordinis algo que vinha pregando há muitos anos: que a celebração do Sacrifício eucarístico «é o centro e a raiz de toda a vida do presbítero, de modo que a alma sacerdotal se esforça por repetir em si própria o que se realiza na ara do sacrifício” (44).
São Josemaria viveu e ensinou a viver esta entrega da própria vida ao Senhor na Santa Missa (“a "nossa" Missa, Jesus” escreverá em Caminho (45)), com uma radicalidade total, sem a limitar a um propósito interior, formulado no momento da celebração litúrgica. “Devemos amar a Santa Missa, que deve ser o centro do nosso dia. Se vivemos bem a Missa, como não havemos depois de continuar o resto da jornada com o pensamento no Senhor, com o desejo ardente de não nos distanciarmos da sua presença, para trabalhar como Ele trabalhava e amar como ele amava?” (46). Da sua parte procurava fazer, de todo o dia, uma Missa contínua, vivendo diariamente uma existência «totalmente! Eucarística» (47). Afirmava a este respeito em 1945: “deste modo, muito unidos a Jesus na Eucaristia, alcançaremos uma contínua presença de Deus, no meio das ocupações normais de cada um de nós neste peregrinar terreno, procurando o Senhor a toda a hora e em todas as coisas. Tendo nas nossas almas os mesmos sentimentos de Cristo na Cruz, conseguiremos que toda a nossa vida seja um acto de reparação incessante, uma oração contínua e um sacrifício permanente por toda a humanidade, porque o Senhor vos dará uma inspiração sobrenatural para purificar todas as acções, elevá-las à ordem da graça e convertê-las em instrumento de apostolado. Só assim, seremos almas contemplativas no meio do mundo, como exige a nossa vocação, e chegaremos a ser almas verdadeiramente sacerdotais, fazendo com que todas as nossas coisas sejam um contínuo louvor a Deus” (48).
Concretamente ensinou a colocar, de modo prático, a Santa Missa no centro da vida quotidiana: dividia as 24 horas do dia em duas partes: “Até ao meio-dia vivia a presença de Deus centrando-a na acção de graças pela Missa celebrada e, após rezar o Angelus , começava a preparar-se para a Missa do dia seguinte” (49). E neste tempo de preparação multiplicava actos de fé, esperança e amor a Deus; pedia-lhe incansavelmente "almas de apóstolo" e renovava a intenção de colocar sobre a patena todas as suas orações, trabalhos, pensamentos e afectos, alegrias e sofrimentos, para que o Senhor tudo assumisse e lhe desse valor redentor. São Josemaria considerou este ensinamento sobre a participação dos fiéis no Sacrifício Eucarístico parte essencial do ministério sacerdotal. “Todos os afectos e necessidades do coração do cristão encontram na Santa Missa, o melhor caminho, aquele que, por Cristo, chega ao Pai no Espírito Santo. O sacerdote deve pôr especial empenho em que todos o saibam e vivam. Não há actividade alguma que possa antepor-se normalmente à de ensinar e fazer amar e venerar a Sagrada Eucaristia» (50). E mais adiante, realçando a unidade de consagração e de missão no presbítero, dirá: «Um sacerdote que vive deste modo a Santa Missa - adorando, expiando, impetrando, dando graças, identificando-se com Cristo -, e que ensina os outros a fazer do Sacrifício do Altar o centro e a raiz da vida do cristão, demonstrará realmente a grandeza incomparável da sua vocação” (51).
Segundo os ensinamentos de São Josemaria, a centralidade da Eucaristia na existência quotidiana do cristão deve manifestar-se, de modo particular, no cuidado da liturgia eucarística, na fé e no amor com que tratamos a Deus e as coisas de Deus.
”Peço a todos os cristãos que rezem muito pelos sacerdotes, para que saibam realizar santamente o Santo Sacrifício. Rogo-lhes que mostrem um amor tão delicado à Santa Missa, que nos leve, a nós, sacerdotes, a celebrá-la com dignidade - com elegância - humana e sobrenatural: com asseio nos paramentos e nos objectos destinados ao culto, com devoção, sem pressas.
Porquê pressas? Têm-na por acaso os namorados ao despedir-se? Parece que se vão embora e não vão: voltam uma vez e outra, repetem palavras correntes como se acabassem de as descobrir? Não receeis aplicar exemplos do amor humano, nobre e limpo, às coisas de Deus. Se amarmos o Senhor com este coração de carne - não temos outro - não sentiremos pressa em terminar esse encontro, essa entrevista amorosa com Ele” (52).
O seu exemplo ficou bem gravado na vida das suas filhas e dos seus filhos no Opus Dei. “Desde o princípio do seu ministério sacerdotal, esforçou-se por não dar cabimento nem à rotina nem à precipitação ao celebrar o Santo Sacrifício, apesar da sua habitual escassez de tempo para levar a cabo as suas múltiplas actividades pastorais. Pelo contrário, a sua tendência espontânea era para dizer a Missa com muito sossego, penetrando em cada texto e no sentido de cada gesto litúrgico, até ao ponto que, durante muitos anos, teve de se esforçar positivamente - de acordo com o que lhe aconselhavam na direcção espiritual - por ir mais depressa, para não chamar a atenção e por se saber ao serviço dos fiéis que contavam, para a Missa, com um tempo reduzido. Neste contexto, entende-se o que escreveu em 1932, como um suspiro que se lhe escapou da alma: "Ao dizer a Santa Missa, os relógios deviam parar"” (53).
Os que foram testemunhas de como São Josemaria Escrivá celebrava a Santa Missa são unânimes em afirmar que externamente nunca houve nada de extraordinário ou singular na sua Missa, embora fosse impossível não apreciar a sua profunda devoção (54). A sua piedade alimentava-se dos textos litúrgicos e manifestava-se numa infinidade de gestos - indicados na própria liturgia eucarística - como os beijos na mesa do altar, símbolo de Cristo, as inclinações de cabeça, as genuflexões pausadas com que adorava o Santo dos Santos (55). Vivia a Santa Missa, e ensinou todos a vivê-la, como um encontro pessoalíssimo com Cristo, nosso Amor, e com todo o seu Corpo Místico, a Igreja: “Viver a Santa Missa é manter-se em oração contínua, convencermo-nos de que, para cada um de nós, este é um encontro pessoal com Deus, em que O adoramos, O louvamos, Lhe pedimos, Lhe damos graças, reparamos os nossos pecados, nos purificamos e nos sentimos uma só coisa em Cristo com todos os cristãos” (56). “Esta intensidade - escreveu D. Álvaro del Portillo - com a qual se unia pessoalmente ao Sacrifício do Senhor na Eucaristia, culminou em algo que não duvido em considerar um dom místico peculiar, e que o próprio Padre contou, com grande simplicidade, no dia 24 de Outubro de 1966: "com os meus sessenta e cinco anos, fiz uma descoberta maravilhosa. Fico encantado sempre que celebro a Santa Missa, mas ontem deu-me um imenso trabalho. Que esforço! Vi que a Missa é verdadeiramente Opus Dei, trabalho, como foi um trabalho para Jesus Cristo a sua Missa: a Cruz. Vi que o ofício do sacerdote, a celebração da Santa Missa, é um trabalho para confeccionar a Eucaristia; que se experimenta dor, e alegria, e cansaço. Senti na minha carne o esgotamento de um trabalho divino"” (57).
Graças à Eucaristia o cristão pode ser verdadeiramente cristóforo, portador de Cristo, Cristo que passa entre os homens. Assim o considerava São Josemaria na homilia proferida no dia 28 de Maio de 1964, festa do Corpo de Deus:
”A procissão do Corpo de Deus torna Cristo presente nas aldeias e cidades do mundo. Mas essa presença, repito, não deve ser coisa de um dia, ruído que se ouve e se esquece. Essa passagem de Jesus lembra-nos que temos também de descobri-Lo nos nossos afazeres quotidianos. A par da procissão solene desta quinta-feira. deve ir a procissão silenciosa e simples da vida corrente de cada cristão, homem entre os homens, mas com a felicidade de ter recebido a fé e a missão divina de se comportar de tal modo que renove a mensagem do Senhor sobre a Terra. Não nos faltam erros, misérias, pecados. Mas Deus está com os homens, e temos de nos dispor a que se sirva de nós e se torne contínua a sua passagem entre as criaturas.
Vamos, pois, pedir ao Senhor que nos conceda sermos almas de Eucaristia, que a nossa relação pessoal com Ele se traduza em alegria, em serenidade, em desejo de justiça. E facilitaremos aos outros o trabalho de reconhecer Cristo, contribuiremos para colocá-lo no cume de todas as actividades humanas. Cumprir-se-á a promessa de Jesus: "Eu, quando for levantado sobre a terra, atrairei tudo a mim"” (61).
Na Eucaristia temos o princípio que promove a evangelização do mundo, o fundamento da eficácia do apostolado que os discípulos de Cristo levam a cabo (62). Enxertados na corrente de vida e amor do Deus Uno e Trino, procuram cumprir, no Filho e pelo Espírito Santo, a vontade do Pai que quer que todos os homens se salvem.
A Eucaristia, ao unir-nos a Cristo, ao único Pão de que participam todos os cristãos, une-nos entre nós e com Ele, edificando a Igreja como um único Corpo. Por esta razão, participando na celebração eucarística «sentimo-nos uma única coisa com em Cristo com todos os cristãos» (63). A Eucaristia faz-nos estar mais unidos com toda a família de Deus que é a Igreja.
A Eucaristia, por conter o Verbo incarnado, o crucificado que ressuscitou e está glorioso à direita do Pai, possui uma eficácia salvífica que transcende o tempo e penetra na realidade escatológica. “A felicidade eterna, para o cristão que se conforta com o maná definitivo da Eucaristia, começa já agora. Passou o que era velho: deixemos de lado tudo o que é caduco, seja tudo novo para nós - os corações, as palavras e as obras. Esta é a Boa Nova porque, de alguma maneira e de um modo indescritível, nos antecipa a eternidade» (64).
”Jesus, na Eucaristia, é penhor seguro da sua presença nas nossas almas; do seu poder, que sustenta o mundo; das suas promessas de salvação, que ajudarão a que a família humana, quando chegar o fim dos tempos, habite perpetuamente na casa do Céu, em torno de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo: Santíssima Trindade, Deus único” (65). Na Eucaristia está presente in nuce, de um modo incoado, a realização do plano salvífico universal de Deus: com Cristo ressuscitado faz-se presente a nova criação, "os novos céus e a nova terra", a nova humanidade. Com efeito, na transfiguração gloriosa de Jesus Cristo já se havia inaugurado a renovação escatológica do mundo: no Senhor ressuscitado, o eschaton - Aquele que representa as realidades últimas - já está presente o oitavo dia, a eternidade que se manifesta no presente, fazendo com que saboreemos já o que iremos encontrar na vida eterna (66).
Podemos, pois, dizer que cada celebração eucarística é Páscoa, caminho da Igreja e de toda a criação em direcção ao seu fim. Em cada Eucaristia «Jesus, com gesto de sacerdote eterno, atrai a si todas as coisas, para as colocar, divino afflante Spiritu, por intermédio do sopro do Espírito Santo, na presença de Deus Pai» (67).Costumava abordar, de um modo especial, este tema quando na sua pregação expunha a doutrina católica sobre o Sacrifício Eucarístico e quando se referia à vocação cristã como um viver em Cristo, com alma sacerdotal. “Se o Filho de Deus - escreveu em 1940 - se fez homem e morreu numa Cruz, foi para que todos nós, homens, sejamos uma só peça com Ele e com o Pai. Todos, portanto, somos chamados a fazer parte desta unidade divina. Com alma sacerdotal, fazendo da Santa Missa o centro da nossa vida interior, procuramos estar com Jesus, entre Deus e os homens” (2). A todos aconselhava a serem coerentes considerando a Eucaristia como o centro da vida da Igreja e de cada cristão, dedicando, em cada dia, a sua existência plena ao Sacrifício Eucarístico: “Luta por conseguir que o Santo Sacrifício do Altar seja o centro e a raiz da tua vida interior, de maneira que toda a jornada se converta num acto de culto - prolongamento da Missa que ouviste e preparação para a seguinte -,que vai transbordando em jaculatórias, em visitas ao Santíssimo, no oferecimento do teu trabalho profissional e da tua vida familiar...” (3). E a sua pregação era sempre acompanhada pelo exemplo da sua própria vida. É testemunho desta vivência D. Álvaro del Portillo: “Durante quarenta anos, dia após dia, fui sendo testemunha do seu empenho em transformar cada dia num holocausto, num prolongamento do Sacrifício do Altar. A Santa Missa era o centro da sua heróica dedicação ao trabalho e a raiz que vivificava a sua luta interior, a sua vida de oração e de penitência. Devido a essa união com o Sacrifício de Cristo, a sua actividade pastoral adquiriu um imenso valor santificante: na verdade, em cada um dos seus dias, tudo era operatio Dei, Opus Dei, um verdadeiro caminho de oração, de intimidade com Deus, de identificação com Cristo na sua entrega total para a salvação do mundo” (4).
Neste estudo proponho-me considerar, numa primeira fase, o fundamento dogmático e o conteúdo teológico da expressão "a Santa Missa é o centro e a raiz da vida do cristão", tão frequentemente utilizada por São Josemaria Escrivá; depois, tentarei demonstrar - socorrendo-me também dos seus ensinamentos, o que a referida expressão implica na existência quotidiana do cristão.
A Eucaristia, perpetuação no tempo da Igreja da corrente de Amor trinitário pelos homens
Quem aborda os textos de São Josemaria constata de imediato o profundo sentido da filiação divina que os mesmos reflectem e a perspectiva trinitária patente em todos os seus escritos (5). No que se refere à Eucaristia, na homilia A Eucaristia, mistério de fé e de amor, proferida em 14 de Abril de 1960, Quinta-feira Santa, leva-nos a considerar o Mistério Eucarístico nos seguintes termos:
”O Deus da nossa fé não é um ser longínquo, que contempla com indiferença a sorte dos homens, os seus afãs, as suas lutas, as suas angústias. É um Pai que ama os seus filhos até ao ponto de enviar o Verbo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, a fim de, com a sua encarnação, morrer por nós e nos redimir. É Ele ainda o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente para Si, mediante a acção do Espírito Santo que habita nos nossos corações.
A alegria da Quinta-Feira Santa parte, portanto, do facto de nós compreendermos que o Criador se desfez em carinho pelas suas criaturas. Nosso Senhor Jesus Cristo, como se já não fossem suficientes todas as outras provas da sua misericórdia, institui a Eucaristia para que possamos tê-Lo sempre perto de nós e porque - tanto quanto nos é possível entender - movido pelo seu amor, Ele, que nada necessita, não quis prescindir de nós. A Trindade apaixonou-se pelo homem, elevado à ordem da graça e feito à sua imagem e semelhança, redimiu-o do pecado - do pecado de Adão que se propagou a toda a sua descendência e dos pecados pessoais de cada um - e deseja vivamente morar na nossa alma, como diz o Evangelho: se alguém Me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e Nós viremos a Ele e faremos n'Ele morada... Esta corrente trinitária de amor pelos homens perpetua-se de maneira sublime na Eucaristia” (6).
A presença e a função da Trindade no Sacrifício Eucarístico constituem o núcleo central das suas reflexões. “A Santa Missa... é a própria doação da Trindade à Igreja. Compreende-se assim que a Missa seja o centro da vida espiritual do cristão” (7). Para São Josemaria a Eucaristia manifesta-nos e torna-nos participantes do amor do Pai que, no seu plano salvífico, enviou o seu Filho unigénito ao mundo para nos redimir e nos dar a vida eterna. Apresenta-nos e oferece-nos o amor do Filho, o Pão descido do Céu que, em obediência à vontade do Pai, entregou a sua vida por nós. Revela-nos e transmite-nos o amor do Espírito Santo, pelo qual o Verbo se fez carne e continua presente entre nós em cada celebração da Eucaristia, oferecendo-nos a Sua carne vivificada pelo Espírito.
”Toda a Trindade está presente no sacrifício do Altar. Por vontade do Pai, com a cooperação do Espírito Santo, o Filho oferece-Se em oblação redentora” (8). Todas as vezes que a Igreja celebra a Eucaristia, o Senhor está presente sob as espécies sacramentais do pão e do vinho, no acto de oferecimento da própria vida ao Pai a fim de libertar toda a humanidade da escravidão do pecado. Em Cristo e com Cristo torna-se presente a sua obra salvífica, o Sacrifício da nossa redenção na plenitude do Mistério Pascal, isto é, da sua Paixão, Morte e Ressurreição. Não se trata de uma presença estática, puramente passiva do Senhor, uma vez que Ele se torna presente no dinamismo salvífico da sua Morte e da sua gloriosa Ressurreição; torna-se presente enquanto Pessoa que vem ao nosso encontro para nos redimir, para nos manifestar o seu amor, para nos dar a sua própria vida com o Pão da vida eterna e o Cálice da salvação eterna, para nos unir a Si e tornar possível que n'Ele - em Cristo e sob a acção do Espírito Santo - devolvamos ao Pai, em acção de graças, tudo o que procede do Pai.
”O amor da Trindade pelos homens faz com que, da presença de Cristo na Eucaristia, nasçam para a Igreja e para a humanidade todas as graças” (9). Desta corrente trinitária de amor que nos oferece o Santíssimo Sacramento, provem a força que permite aos cristãos viverem em Cristo, unidos num só Espírito, como Filhos do Único Pai, amando até ao dom total de si próprios, plenamente empenhados na construção da Igreja e na transformação do mundo de acordo com o plano divino. A Eucaristia não é, pois, um mistério que se possa venerar apenas à luz da fé; é infinitamente mais, porque neste sacramento Jesus Cristo nos convida a receber a salvação que Ele nos oferece, a receber os dons sacrificiais do seu Corpo e do seu Sangue como alimento de vida eterna, fazendo com que possamos estar em comunhão com Ele, com a sua Pessoa e o seu Sacrifício e, em comunhão com todos os membros do seu Corpo Místico, a Igreja.
A participação no Sacrifício Eucarístico nos ensinamentos de São Josemaria Escrivá
Nos escritos de São Josemaria é evidente uma visão profundamente unitária dos diversos aspectos do Mistério Eucarístico. De um modo especial, acentua a dimensão sacrificial da liturgia eucarística, considerando-a numa perspectiva adequada, isto é, na ordem da sacramentalidade da Igreja: A Santa Missa é “o sacrifício sacramental do Corpo e do Sangue do Senhor” (33). Na mesma linha da Tradição da Igreja, identifica este sacrifício sacramental com o Sacrifício único do nosso Redentor: “É o sacrifício de Cristo, oferecido ao Pai com a cooperação do Espírito Santo: oblação de valor infinito, que eterniza em nós a Redenção” (34). E ao contemplar com os olhos da fé e do amor esta realidade, descobre que “neste Sacrifício [a Santa Missa] se encerra tudo aquilo que o Senhor quer de nós” (35). O que ele deseja, quando participamos na liturgia eucarística e em todos os momentos da nossa existência.
Com efeito, o nosso Pai Deus quer que vivamos como somos, como filhos no Filho, identificados com Cristo no amor e na obediência filial. Tal identificação realiza-se de maneira especial graças à eucaristia. Em Cristo Jesus, em comunhão com o seu ser teândrico (N. T.: união em Cristo da natureza divina e humana), podemos viver numa relação permanente de amor filial com o Pai; e o Pai lança sobre nós a sua paternidade que transborda de amor. Além disso, pela comunhão com o corpo de Cristo, com a sua humanidade vivificada pelo Espírito e vivificante, entramos também em comunhão com a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, recebendo a força do amor do Espírito Santo, que tudo cria, renova, inflama e santifica. Ele cristifica-nos e faz-nos sentir a nossa filiação divina em Cristo. Nesta linha de pensamento, São Josemaria escrevia "Na Santa Missa, a vida da graça encaminha-se para a sua plenitude, que foi depositada em nós pelo Baptismo, e que cresce, fortalecida pela Confirmação. "Quando participamos na Eucaristia, escreve São Cirilo de Jerusalém, experimentamos a espiritualização deificante do Espírito Santo, que, além de nos configurar com Cristo, como sucede no Baptismo, nos cristifca integralmente, associando-nos à plenitude de Cristo Jesus. A efusão do Espírito Santo, na medida em que nos cristifica, leva a reconhecermo-nos como filhos de Deus. O Paráclito, que é caridade, ensina-nos a fundir com essa virtude toda a vida. Por isso, feitos uma só coisa com Cristo, consummati in unum (Jo. XVII, 23), podemos ser entre os homens o que Santo Agostinho afirma da Eucaristia: "sinal de unidade, vínculo de Amor" (36).
A contemplação do amor que Cristo nos manifesta na Eucaristia e, sobretudo, a identificação com Ele próprio - pela fé, a graça 'cristoconformante' do sacramento e a acção do Paráclito na alma - não pode deixar indiferente e passivo qualquer cristão que participe no Sacrifício Eucarístico. “Para corresponder a tanto amor é preciso que haja da nossa parte uma entrega total do corpo e da alma” (37). Exige que nos entreguemos como Ele: por amor, com uma entrega total, incondicional, humilde, escondida, perseverante.
O que Deus espera de nós em cada celebração eucarística é que saibamos interiorizar na sua plenitude, as palavras de Jesus Cristo: tomai e comei... isto é o meu corpo que será entregue por vós; tomai e bebei... este é o cálice do meu sangue, que será derramado por vós e por todos os homens para a remissão dos pecados. O que o Senhor manda, fazei isto (o que Eu fiz) em memória de mim, exige que não só o sacerdote celebrante repita as suas palavras e gestos; Ele deseja que todos acolhamos com fé e amor o dom que nos oferece e, unidos com Ele, saibamos entregar-nos ao Pai, no Espírito, para a salvação do mundo.
Todos os fiéis - todo o povo sacerdotal de Deus e não só o sacerdote celebrante - são chamados a viver deste modo a Eucaristia, isto é, a renovar a sua entrega ao Senhor no momento da consagração dos dons, em que, com a presença da Pessoa de Cristo, se renova o seu acto de oferta sacrificial, e no momento da comunhão, quando chegamos a ser uma só coisa com a Vítima divina. Na verdade, embora só o ministro ordenado pelo sacramento - bispo ou presbítero - esteja preparado para celebrar o Sacrifício eucarístico in persona Christi, a celebração eucarística abrange e compromete cada um dos fiéis presentes, os quais, em virtude do seu sacerdócio comum (isto é, da sua participação no sacerdócio de Cristo, recebida no Baptismo) são chamados a prestar ao Pai um culto espiritual, o sacrifício das suas vidas, unidas ao Sacrifício de Cristo. Os fiéis não podem limitar-se a estar presentes como simples espectadores de um acto de culto realizado pelo sacerdote celebrante. Todos podem e devem participar na oferta do Sacrifício.
São Josemaria insistiu com tenacidade nesta doutrina da Igreja, ensinando a renovar na Santa Missa o oferecimento da própria vida e das obras de cada dia, tudo quanto somos e podemos: a inteligência, a vontade e a memória; o trabalho, as alegrias e as contradições. Tudo queria colocar no altar, para que o Senhor recebesse e lhe desse valor salvífico “nesse instante supremo - o tempo une-se com a eternidade - do Santo Sacrifício da Missa” (39). Queria dedicar toda a sua vida, dia após dia, ao Sacrifício eucarístico, e ensinava todos a viverem com alma sacerdotal. Antecipava, assim, o que o Concílio Vaticano II viria afirmar sobre os fiéis cristãos “todas as suas obras, as suas orações e iniciativas apostólicas, a vida conjugal e familiar, o trabalho quotidiano, o descanso da alma e do corpo, se forem feito no Espírito e inclusivamente as próprias provações da vida, se se carregam com paciência, convertem-se em sacrifícios espirituais, aceites por Deus através de Jesus Cristo, que na celebração eucarística se oferecem com devoção ao Pai juntamente com a oblação do corpo do Senhor” (40).
Aquilo que temos vindo a dizer até agora sobre os fiéis aplica-se, de um modo especial, ao sacerdote celebrante: porquanto na celebração eucarística celebra in persona Christi, é escolhido para se identificar, de um modo particular, com Cristo, Vítima e Sacerdote. O oferecimento da própria vida ao Pai, por Cristo e em Cristo, deve ser uma realidade para o sacerdote em cada celebração da Eucaristia. Neste sentido, é afirmado no Decreto Presbyterorum Ordinis que os sacerdotes “enquanto se unem ao acto [sacrificial] de Cristo sacerdote, se entregam, por inteiro, a Deus diariamente” (41). O que celebram como sacramento no altar compromete-os para toda a vida: são chamados a entregarem-se totalmente, em Cristo e com Cristo, ao Pai permitindo, deste modo, que o Senhor se "aproprie" de toda a sua vida e lhe dê a plenitude do sentido e valor redentor.
São Josemaria tinha plena consciência desta verdade, lembrava-a frequentemente aos sacerdotes, vivia-a todos os dias no Sacrifício do Altar:
”Pelo sacramento da Ordem, o sacerdote torna-se efectivamente apto para emprestar a Nosso Senhor a voz, as mãos, todo o seu ser: é Jesus Cristo quem, na Santa Missa, com as palavras da consagração, transforma a substância do pão e do vinho no Seu Corpo, Alma, Sangue e Divindade.
Nisto se fundamenta a incomparável dignidade do sacerdote. Uma grandeza emprestada, compatível com a minha pequenez. Eu peço a Deus Nosso Senhor que nos dê, a todos os sacerdotes, a graça de realizar santamente as coisas santas, e de reflectir também na nossa vida as maravilhas das grandezas do Senhor. Nós, que celebramos os Mistérios da Paixão do Senhor, temos de imitar o que fazemos. E então a hóstia ocupará o nosso lugar diante de Deus, se nós mesmos nos fizermos hóstias” (42).
D. Álvaro del Portillo, testemunha privilegiada da fé e do amor com que São Josemaria celebrava todos os dias na Missa, diz-nos:
”Ao elevar o Pão eucarístico e o Sangue de Nosso Senhor, repetia sempre algumas orações - não em voz alta, porque as regras canónicas não o permitem, mas com a mente e o coração -, com uma perseverança heróica que durou dezenas de anos. Concretamente, enquanto tinha a Hóstia consagrada entre as mãos, dizia: "Meu Senhor e meu Deus", o acto de fé do apóstolo São Tomé. Depois, inspirando-se numa invocação evangélica, repetia lentamente: Adauge nobis fidem, spem et charitatem pedia ao Senhor, para toda a Obra, a graça de crescer na fé, na esperança e na caridade. Imediatamente depois, repetia uma oração dirigida ao Amor Misericordioso, que havia aprendido e meditado na juventude, mas que não utilizava nunca na sua pregação, e que, durante muitos anos, só de quando em quando nos disse que recitava: "Pai Santo, pelo Coração Imaculado de Maria, eu Vos ofereço Jesus, Vosso Filho muito amado, e me ofereço, a mim mesmo n'Ele, por Ele e com Ele, por todas as suas intenções e em nome de todas as criaturas". Depois, acrescentava a invocação: "Senhor, dá-nos a pureza e o gaudium cum pace, a mim e a todos", pensando, como é natural, nos seus filhos do Opus Dei. Por último, enquanto fazia a genuflexão, depois de ter elevado a Hóstia e o Cálice, recitava a primeira estrofe do hino Eucarístico Adoro te devote, latens deitas (Adoro-Te com amor, Deus escondido), e dizia ao Senhor: "Bem vindo ao Altar!"
Tudo isto, repito, não o fazia de vez em quando, mas diariamente, e nunca como um gesto mecânico, mas com todo o amor e vibração interior” (43).
É fácil compreender a alegria de São Josemaria ao ler no Decreto Presbyterorum Ordinis algo que vinha pregando há muitos anos: que a celebração do Sacrifício eucarístico «é o centro e a raiz de toda a vida do presbítero, de modo que a alma sacerdotal se esforça por repetir em si própria o que se realiza na ara do sacrifício” (44).
São Josemaria viveu e ensinou a viver esta entrega da própria vida ao Senhor na Santa Missa (“a "nossa" Missa, Jesus” escreverá em Caminho (45)), com uma radicalidade total, sem a limitar a um propósito interior, formulado no momento da celebração litúrgica. “Devemos amar a Santa Missa, que deve ser o centro do nosso dia. Se vivemos bem a Missa, como não havemos depois de continuar o resto da jornada com o pensamento no Senhor, com o desejo ardente de não nos distanciarmos da sua presença, para trabalhar como Ele trabalhava e amar como ele amava?” (46). Da sua parte procurava fazer, de todo o dia, uma Missa contínua, vivendo diariamente uma existência «totalmente! Eucarística» (47). Afirmava a este respeito em 1945: “deste modo, muito unidos a Jesus na Eucaristia, alcançaremos uma contínua presença de Deus, no meio das ocupações normais de cada um de nós neste peregrinar terreno, procurando o Senhor a toda a hora e em todas as coisas. Tendo nas nossas almas os mesmos sentimentos de Cristo na Cruz, conseguiremos que toda a nossa vida seja um acto de reparação incessante, uma oração contínua e um sacrifício permanente por toda a humanidade, porque o Senhor vos dará uma inspiração sobrenatural para purificar todas as acções, elevá-las à ordem da graça e convertê-las em instrumento de apostolado. Só assim, seremos almas contemplativas no meio do mundo, como exige a nossa vocação, e chegaremos a ser almas verdadeiramente sacerdotais, fazendo com que todas as nossas coisas sejam um contínuo louvor a Deus” (48).
Concretamente ensinou a colocar, de modo prático, a Santa Missa no centro da vida quotidiana: dividia as 24 horas do dia em duas partes: “Até ao meio-dia vivia a presença de Deus centrando-a na acção de graças pela Missa celebrada e, após rezar o Angelus , começava a preparar-se para a Missa do dia seguinte” (49). E neste tempo de preparação multiplicava actos de fé, esperança e amor a Deus; pedia-lhe incansavelmente "almas de apóstolo" e renovava a intenção de colocar sobre a patena todas as suas orações, trabalhos, pensamentos e afectos, alegrias e sofrimentos, para que o Senhor tudo assumisse e lhe desse valor redentor. São Josemaria considerou este ensinamento sobre a participação dos fiéis no Sacrifício Eucarístico parte essencial do ministério sacerdotal. “Todos os afectos e necessidades do coração do cristão encontram na Santa Missa, o melhor caminho, aquele que, por Cristo, chega ao Pai no Espírito Santo. O sacerdote deve pôr especial empenho em que todos o saibam e vivam. Não há actividade alguma que possa antepor-se normalmente à de ensinar e fazer amar e venerar a Sagrada Eucaristia» (50). E mais adiante, realçando a unidade de consagração e de missão no presbítero, dirá: «Um sacerdote que vive deste modo a Santa Missa - adorando, expiando, impetrando, dando graças, identificando-se com Cristo -, e que ensina os outros a fazer do Sacrifício do Altar o centro e a raiz da vida do cristão, demonstrará realmente a grandeza incomparável da sua vocação” (51).
Segundo os ensinamentos de São Josemaria, a centralidade da Eucaristia na existência quotidiana do cristão deve manifestar-se, de modo particular, no cuidado da liturgia eucarística, na fé e no amor com que tratamos a Deus e as coisas de Deus.
”Peço a todos os cristãos que rezem muito pelos sacerdotes, para que saibam realizar santamente o Santo Sacrifício. Rogo-lhes que mostrem um amor tão delicado à Santa Missa, que nos leve, a nós, sacerdotes, a celebrá-la com dignidade - com elegância - humana e sobrenatural: com asseio nos paramentos e nos objectos destinados ao culto, com devoção, sem pressas.
Porquê pressas? Têm-na por acaso os namorados ao despedir-se? Parece que se vão embora e não vão: voltam uma vez e outra, repetem palavras correntes como se acabassem de as descobrir? Não receeis aplicar exemplos do amor humano, nobre e limpo, às coisas de Deus. Se amarmos o Senhor com este coração de carne - não temos outro - não sentiremos pressa em terminar esse encontro, essa entrevista amorosa com Ele” (52).
O seu exemplo ficou bem gravado na vida das suas filhas e dos seus filhos no Opus Dei. “Desde o princípio do seu ministério sacerdotal, esforçou-se por não dar cabimento nem à rotina nem à precipitação ao celebrar o Santo Sacrifício, apesar da sua habitual escassez de tempo para levar a cabo as suas múltiplas actividades pastorais. Pelo contrário, a sua tendência espontânea era para dizer a Missa com muito sossego, penetrando em cada texto e no sentido de cada gesto litúrgico, até ao ponto que, durante muitos anos, teve de se esforçar positivamente - de acordo com o que lhe aconselhavam na direcção espiritual - por ir mais depressa, para não chamar a atenção e por se saber ao serviço dos fiéis que contavam, para a Missa, com um tempo reduzido. Neste contexto, entende-se o que escreveu em 1932, como um suspiro que se lhe escapou da alma: "Ao dizer a Santa Missa, os relógios deviam parar"” (53).
Os que foram testemunhas de como São Josemaria Escrivá celebrava a Santa Missa são unânimes em afirmar que externamente nunca houve nada de extraordinário ou singular na sua Missa, embora fosse impossível não apreciar a sua profunda devoção (54). A sua piedade alimentava-se dos textos litúrgicos e manifestava-se numa infinidade de gestos - indicados na própria liturgia eucarística - como os beijos na mesa do altar, símbolo de Cristo, as inclinações de cabeça, as genuflexões pausadas com que adorava o Santo dos Santos (55). Vivia a Santa Missa, e ensinou todos a vivê-la, como um encontro pessoalíssimo com Cristo, nosso Amor, e com todo o seu Corpo Místico, a Igreja: “Viver a Santa Missa é manter-se em oração contínua, convencermo-nos de que, para cada um de nós, este é um encontro pessoal com Deus, em que O adoramos, O louvamos, Lhe pedimos, Lhe damos graças, reparamos os nossos pecados, nos purificamos e nos sentimos uma só coisa em Cristo com todos os cristãos” (56). “Esta intensidade - escreveu D. Álvaro del Portillo - com a qual se unia pessoalmente ao Sacrifício do Senhor na Eucaristia, culminou em algo que não duvido em considerar um dom místico peculiar, e que o próprio Padre contou, com grande simplicidade, no dia 24 de Outubro de 1966: "com os meus sessenta e cinco anos, fiz uma descoberta maravilhosa. Fico encantado sempre que celebro a Santa Missa, mas ontem deu-me um imenso trabalho. Que esforço! Vi que a Missa é verdadeiramente Opus Dei, trabalho, como foi um trabalho para Jesus Cristo a sua Missa: a Cruz. Vi que o ofício do sacerdote, a celebração da Santa Missa, é um trabalho para confeccionar a Eucaristia; que se experimenta dor, e alegria, e cansaço. Senti na minha carne o esgotamento de um trabalho divino"” (57).
Graças à Eucaristia o cristão pode ser verdadeiramente cristóforo, portador de Cristo, Cristo que passa entre os homens. Assim o considerava São Josemaria na homilia proferida no dia 28 de Maio de 1964, festa do Corpo de Deus:
”A procissão do Corpo de Deus torna Cristo presente nas aldeias e cidades do mundo. Mas essa presença, repito, não deve ser coisa de um dia, ruído que se ouve e se esquece. Essa passagem de Jesus lembra-nos que temos também de descobri-Lo nos nossos afazeres quotidianos. A par da procissão solene desta quinta-feira. deve ir a procissão silenciosa e simples da vida corrente de cada cristão, homem entre os homens, mas com a felicidade de ter recebido a fé e a missão divina de se comportar de tal modo que renove a mensagem do Senhor sobre a Terra. Não nos faltam erros, misérias, pecados. Mas Deus está com os homens, e temos de nos dispor a que se sirva de nós e se torne contínua a sua passagem entre as criaturas.
Vamos, pois, pedir ao Senhor que nos conceda sermos almas de Eucaristia, que a nossa relação pessoal com Ele se traduza em alegria, em serenidade, em desejo de justiça. E facilitaremos aos outros o trabalho de reconhecer Cristo, contribuiremos para colocá-lo no cume de todas as actividades humanas. Cumprir-se-á a promessa de Jesus: "Eu, quando for levantado sobre a terra, atrairei tudo a mim"” (61).
Na Eucaristia temos o princípio que promove a evangelização do mundo, o fundamento da eficácia do apostolado que os discípulos de Cristo levam a cabo (62). Enxertados na corrente de vida e amor do Deus Uno e Trino, procuram cumprir, no Filho e pelo Espírito Santo, a vontade do Pai que quer que todos os homens se salvem.
A Eucaristia, ao unir-nos a Cristo, ao único Pão de que participam todos os cristãos, une-nos entre nós e com Ele, edificando a Igreja como um único Corpo. Por esta razão, participando na celebração eucarística «sentimo-nos uma única coisa com em Cristo com todos os cristãos» (63). A Eucaristia faz-nos estar mais unidos com toda a família de Deus que é a Igreja.
A Eucaristia, por conter o Verbo incarnado, o crucificado que ressuscitou e está glorioso à direita do Pai, possui uma eficácia salvífica que transcende o tempo e penetra na realidade escatológica. “A felicidade eterna, para o cristão que se conforta com o maná definitivo da Eucaristia, começa já agora. Passou o que era velho: deixemos de lado tudo o que é caduco, seja tudo novo para nós - os corações, as palavras e as obras. Esta é a Boa Nova porque, de alguma maneira e de um modo indescritível, nos antecipa a eternidade» (64).
”Jesus, na Eucaristia, é penhor seguro da sua presença nas nossas almas; do seu poder, que sustenta o mundo; das suas promessas de salvação, que ajudarão a que a família humana, quando chegar o fim dos tempos, habite perpetuamente na casa do Céu, em torno de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo: Santíssima Trindade, Deus único” (65). Na Eucaristia está presente in nuce, de um modo incoado, a realização do plano salvífico universal de Deus: com Cristo ressuscitado faz-se presente a nova criação, "os novos céus e a nova terra", a nova humanidade. Com efeito, na transfiguração gloriosa de Jesus Cristo já se havia inaugurado a renovação escatológica do mundo: no Senhor ressuscitado, o eschaton - Aquele que representa as realidades últimas - já está presente o oitavo dia, a eternidade que se manifesta no presente, fazendo com que saboreemos já o que iremos encontrar na vida eterna (66).