segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Homilia do cardeal Audrys J. Card. Backis, a 13 de Outubro 22008 em Fátima

Venho hoje como simples peregrino para me unir à imensa multidão de peregrinos de Portugal e de outros países, vindos para venerar Nossa Senhora de Fátima, Mãe de Jesus Cristo, Mãe da Igreja, Mãe nossa.
Falando recentemente aos jovens reunidos em Sidney para a Jornada Mundial da Juventude, o Papa Bento XVI descreveu a bela cena da anunciação do anjo a Maria como uma proposta de matrimónio da parte de Deus. O anjo Gabriel, em nome de Deus, convida a Virgem Maria “a uma particular doação de si mesma, da própria vida, do próprio futuro de mulher e de mãe”. Naquele momento, Maria diante do Senhor representava toda a humanidade. “Era Deus a avançar com uma proposta de matrimónio com a humanidade. Em nosso nome, Maria disse sim”.
Esta cena constitui verdadeiramente o momento fundamental da relação de Deus com o povo eleito, com a humanidade inteira. Que maravilha este sim, este fiat de Maria, que mudou a história da relação de Deus com a humanidade, a história do mundo!
Um sim, com o qual Maria, jovem mulher, cheia de ânsia e a tremer, aceitou o convite do Anjo em nome de Deus. “Como é possível isso?” O anjo teve que a tranquilizar: “Não temas, Maria, porque achaste graça diante de Deus... O Espírito Santo descerá sobre ti...” A proposta de Deus perturbava-a, mas Maria, com a força do Espírito Santo teve a coragem de dizer sim em nome de todos nós.
Maria teve que repetir este sim a Deus em cada dia da sua vida, aceitando participar nas vicissitudes do Filho. Um sim que provocou a incompreensão de José, homem justo. Um sim que teve de voltar a dizer em Belém, onde não havia lugar para dar à luz o seu filho, o Filho de Deus; um sim, quando o velho Simeão profetizou que uma espada lhe havia de trespassar o coração; um sim durante a vida vivida silenciosamente na pequena aldeia da Palestina, onde Maria conheceu a monotonia, a preocupação com o pão de cada dia, os sofrimentos e as lágrimas, e também as pequenas alegrias da vida em Família. Quanta angústia experimentou depois o coração de Maria ao ver a crescente hostilidade da gente de Nazaré, do povo, das autoridades religiosas!
Um sim aos pés da cruz, sofrendo por ver a crucifixão e agonia do seu Filho, sem poder fazer nada para aliviar a sua dor. Um sim, quando ouviu Jesus dizer ao apóstolo João “Eis a tua mãe” e a Maria, “Eis o teu filho”. O sim pronunciado naquela hora envolve-nos a todos, porque Cristo morrendo na cruz confiou a Maria todos os homens.
Desde aquele momento, Maria não podia mais desinteressar-se do caminho dos seus filhos. O coração da Mãe de Deus é um coração humano, um coração de mulher, um coração de mãe. Neste coração materno, Deus pôs tudo o que há de mais belo, de mais doce, de mais nobre. Em Fátima, Maria apareceu tendo na mão direita o seu Coração imaculado, “sinal do amor que salva”, como o explicou a Irmã Lúcia. Por isso, desde há séculos nos lábios dos fiéis de qualquer idade, sejam crianças, adolescentes, adultos, idosos e mesmo moribundos, surge espontânea a oração Ave Maria. Hoje, reunidos em Fátima, repetimos a saudação do anjo, Ave Maria, Ave mãe nossa, sempre próxima dos teus filhos, pronta a alegrar-se ou a chorar com os teus filhos, a consolar-nos, a escutar as nossas orações.
As aparições de Maria aos três pastorinhos na Cova da Iria são uma prova do seu amor materno por Portugal, pela Europa, pelo mundo inteiro.
A cada um de nós Deus confiou uma missão, uma vocação à qual devemos dar o nosso sim, empreendendo como Maria o caminho, a peregrinação da fé.
Um sim que significa fidelidade à voz da consciência, a fim de que as nossas palavras sejam sempre sinceras. “Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal”, disse Jesus (Mt 5,37). Isto vale também para as nossas acções, que devem ser sempre coerentes, conformes com as nossas palavras. Há sempre o perigo de procurar mil desculpas perante as exigências de uma vida autenticamente cristã. Hoje mais do que nunca sente-se a necessidade de um corajoso testemunho cristão para conservar uma fé robusta perante os perigos da indiferença ou da ignorância. É tão importante viver na verdade, não sermos surdos à voz de Deus que ressoa na nossa consciência. O nosso sim quer dizer a aceitação da vontade de Deus concreta, em cada dia da nossa vida.
Um sim nas nossas relações com os irmãos e as irmãs, para poder estabelecer relações humanas verdadeiras, sinceras, inspiradas na caridade. Venho da Lituânia, país que, durante mais de cinquenta anos, esteve sob o jugo do comunismo ateu. Posso testemunhar que, quando se perde o sentido de Deus, se perde também o sentido do homem. Quando se viveu durante anos num clima de mentira, de medo, de suspeita, de falta de sinceridade, de desconfiança no outro, parece que não mais se pode acreditar na possibilidade de estabelecer uma relação fundada no respeito, na sinceridade, na verdade, da abertura ao outro, do amor cristão. Ouso falar de ferida antropológica, de um obscurecimento da consciência e da poluição da mente. Confio, porém, que se sairá desta letargia, deste nevoeiro e alegro-me por encontrar tantas pessoas, tantos jovens que buscam autenticidade, coerência de vida, que procuram a verdade e querem viver na verdade.
É preciso coragem para dizer sim à vida matrimonial, verdadeira vocação selada pelo sacramento com o qual se pronuncia diante de Deus e diante dos homens um sim definitivo, um sim abençoado pelo próprio Deus, um sim para toda a vida: “O que Deus uniu não o separe o homem (Mt 19,6). Isto parece superar as forças humanas, mas precisamente por isso, nos momentos de crise, é preciso dirigir-se a Deus, implorar a ajuda de Maria. A família que reza unida, permanece unida.
Dizer sim ao chamamento ao sacerdócio, à vida consagrada a Deus e ao serviço do próximo, esquecendo-se de si mesmo para seguir Cristo.
Um sim às promessas do nosso baptismo, conscientes de formarmos uma comunidade de irmãos e irmãs empenhada em edificar o Reino de Deus já na terra, um povo em caminho para o Reino celeste. A nossa fé em Deus não se reduz a uma relação privada, íntima com Deus, mas dever permear toda a nossa vida, vida pessoal, vida em família, vida na Igreja, vida na sociedade, procurando o bem comum. O cristão não pode permanecer passivo, indiferente, mas deve empenhar-se na construção de um mundo mais justo e mais fraterno.
Penso na nossa Europa, que esquece as suas raízes cristãs, onde se defendem ideias e mesmo ideologias contrárias ao direito natural, que não correspondem certamente ao desígnio do Criador.
Se alargamos o nosso olhar ao mundo inteiro, vemos em cada dia imagens de guerra, de terrorismo, crianças que morrem de fome, populações inteiras reduzidas a uma extrema insegurança e miséria, às quais devemos oferecer a nossa solidariedade.
Porquê vos falo de tudo isto, aqui, em Fátima? Porque penso que as aparições de Nossa Senhora em Fátima são a expressão da dor do Coração de Maria, do coração da Mãe, ao ver como é pisada a lei divina, e quantas ofensas são feitas ao Seu Filho.
As aparições de Fátima assumem um significado único, profético. Em termos muito concretos, Maria intervém na história do continente europeu, advertindo-nos para os perigos terríveis do comunismo ateu, que semeou tanto mal, ódio, guerras no século passado. No início do século XX, Maria procurou fazer-nos sair do torpor espiritual, anunciando castigos, sofrimentos terríveis para nações inteiras por causa da ideologia ateia, que, rejeitando Deus, pisava também a dignidade do homem, os seus direitos fundamentais e, em particular, a liberdade religiosa. Foi verdadeiramente um século de mártires!
Em Fátima, a Mãe de Deus dirigiu um convite forte à conversão, à penitência, à oração, que podem mudar o curso da história, o destino da Europa e do mundo. O apelo de Maria não foi suficientemente escutado e oportunamente recebido. Hoje ecoam nos nossos ouvidos as advertências de Nossa Senhora de Fátima, que nos convida a rezar com ela o rosário, a fazer penitência, a convertermo-nos.
As suas aparições são um sinal da misericórdia de Maria, da Divina Misericórdia, que não quer a morte mas sim a conversão e a salvação dos pecadores. O servo de Deus João Paulo II, cuja vida esteve profundamente ligada aos mistérios de Fátima, disse-nos que a Divina misericórdia é o último limite posto ao mal no mundo.
Confiemo-nos todos a Maria com a bela oração de João Paulo II:
“Maria, Mãe de Misericórdia, vela por todos, para que não se torne vã a cruz de Cristo, para que o homem não se afaste do caminho do bem, não perca a consciência do pecado, cresça na esperança em Deus rico de misericórdia (Ef 2,4) (Encíclica Veritatis Splendor).



† Audrys J. Card. Backis
Arcebispo de Vilnius