Sabemos que o Salvador é o Padre principal do sacrifício da Missa, e que a oblação interior que foi a alma do sacrifício da Cruz, dura para sempre no Coração do Cristo que quer nossa salvação. É assim que Ele se oferece a si mesmo em todas as missas que, em cada dia, são celebradas. Qual é o valor de cada uma dessas? É preciso que se tenha uma idéia justa para se unir mais intimamente cada dia ao santo sacrifício e receber seus frutos mais abundantemente.
Ensina-se comumente na Igreja que o Sacrifício da Missa, considerado em si mesmo, tem um valor infinito, mas que o efeito que produz em nós, por mais elevado que seja, é proporcionado às nossas disposições interiores. São estes os dois pontos de doutrina que convém explicar.
O sacrifício da Missa considerado em si mesmo tem um valor infinito.
A razão é que o sacrifício da missa é o mesmo em substância que o sacrifício da Cruz, que tem um valor infinito, por causa da vítima oferecida e do padre que a oferece, já que é o Verbo feito carne que, sobre a Cruz, era, ao mesmo tempo, padre e vítima [1]. É Ele que continua na Missa, como padre principal e a vítima realmente presente e realmente oferecida e sacramentalmente imolada.
Mas enquanto que os efeitos da Missa imediatamente relativos a Deus, como a adoração reparadora e a ação de graças, se produzem sempre infalivelmente em sua plenitude infinita, mesmo sem o nosso concurso, seus efeitos relativos a nós só se espalham na medida de nossas disposições interiores.
Em cada Missa são oferecidas a Deus, e infalivelmente, uma adoração, uma reparação, e uma ação de graças de um valor sem limites; isto é, em razão da vítima oferecida e do Padre principal, independentemente mesmo das orações da Igreja universal e do fervor do celebrante.
É impossível adorar melhor a Deus, reconhecer melhor seu domínio soberano sobre todas as coisas, sobre todas as almas, do que pela imolação sacramental do Salvador morto por nós na Cruz. É esta a adoração que o Glória exprime. “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade... Nós vos louvamos. Nós vos bendizemos. Nós vos adoramos. Nós vos glorificamos”. É esta a adoração que o Sanctus exprime novamente e ainda a dupla Consagração.
É a realização perfeita do preceito: “Tu adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás” (Dt 6, 13). Foi com estas palavras que Nosso Senhor respondeu a Satanás que lhe dizia: “Eu lhe darei todos os reinos do mundo, se te prostrares a meus pés e me adorares, si cadens adoraveis me" [2]. Somente a infinita grandeza de Deus merece este culto de latria. Aqui, na Missa, lhe é oferecida uma adoração em espírito e em verdade de um valor sem medida.
Do mesmo modo, é impossível oferecer a Deus uma reparação mais perfeita pelas faltas que se cometem todos os dias, como diz o Concílio de Trento. sess. XXII, c.I. Não é uma reparação distinta daquela da Cruz, o Cristo ressuscitado não morre mais e não sofre mais; mas, segundo o mesmo Concílio [3], o sacrifício do altar, sendo substancialmente o mesmo que o sacrifício do Calvário, agrada mais a Deus do que lhe desgostam todos os pecados reunidos [4]. Assim como a humanidade do Salvador, que era passível ou sujeita à dor e à morte, e que já não o é mais, continua substancialmente a mesma, assim também o sacrifício do Cristo é assim também perpetuado em substância. O direito imprescritível de Deus, Soberano Bem, de ser amado sobre todas as coisas, não poderia ser melhor reconhecido do que pela oblação do Cordeiro que apaga os pecados do mundo.
Enfim, é impossível agradecer melhor os benefícios recebidos: “Quid retribuam Domino pro omnibus quæ retribuit mihi? Calicem salutaris accipiam, et nomen Domini invocabo”; Como retribuirei a Deus todos os benefícios recebidos? Tomarei o cálice da salvação e invocarei o nome do Senhor” (Sl 65, 12). Muitas vezes esquecemos de agradecer a Deus suas graças, como aqueles leprosos curados por Jesus; dos dez, um só veio agradecer. É conveniente oferecer sempre missas de ação de graças. Um costume piedoso começa a se espalhar atualmente, o de celebrar missas de ação de graças na segunda sexta-feira de cada mês, para reparar nossas ingratidões.
A adoração, a reparação e ação de graças são efeitos do Sacrifício da missa em relação a Deus mesmo e são infalíveis. Em cada missa celebrada, pela oblação e imolação sacramental do Salvador sobre o altar, Deus obtém infalivelmente uma adoração infinita, uma reparação e uma ação de graças sem limites. Isto é assim devido à dignidade da Vítima e à dignidade do Padre principal; a oblação interior que dura para sempre no coração do Cristo, é um ato teândrico, ato humano de sua vontade humana, que tira da pessoa do Verbo um valor propriamente infinito.
No momento da consagração, na paz do santuário, há como um grande arroubo de adoração que sobe para Deus. O prelúdio está no Glória e no Sanctus, cuja beleza é sublinhada pelo canto gregoriano, o mais elevado, o mais simples e o mais puro de todos os cânticos religiosos, ou às vezes pela magnificência da música polifônica; mas quando chega o momento da dupla consagração, tudo se cala: o silêncio exprime à sua maneira o que o canto não pode dizer.
Este silêncio é a imagem daquele que, segundo o Apocalipse (8, 1), se produziu no céu, quando o Cordeiro abriu o livro fechado por sete selos, o livro dos decretos de Deus relativos a seu reino. Que este silêncio da consagração seja nosso repouso e nossa força [6].
Assim é perpetuada em substância a adoração, a reparação e o Consumatum est do sacrifício da Cruz. E esta adoração que sobe assim para Deus de todas as missas quotidianas, recai de algum modo como orvalho fecundo sobre nossa pobre terra, para fertilizá-la espiritualmente.
Não esqueçamos que o fim mais alto do santo Sacrifício é a Glória de Deus, a manifestação de sua bondade, e este é o próprio fim do universo. Assim, por uma missa, é de alguma maneira toda a criação que, em uma prece de adoração e reparação e de ação de graças, sobe de volta para seu Criador.
Se estes efeitos são relativos ao próprio Deus, outros são relativos a nós. A Missa pode nos obter todas as graças necessárias à nossa salvação. “O Cristo sempre vivo, não cessa de interceder por nós” (Heb 7, 25), e a sua intercessão não tem menor valor do que sua adoração.
(De “Le Sauveur et son amour por nous”, Les Editions du Cedre, Paris. Tradução: PERMANÊNCIA)
[1] O valor da vítima dá a este sacrifício um valor objetivo infinito, e a dignidade da pessoa do Cristo, um valor pessoal infinito, que é o principal. Quando Maria apresenta seu filho no templo, esta oblação tinha um valor objetivo infinito, mas não um valor pessoal infinito; muito superior é a oblação feita pelo próprio Cristo.
[2] Mt 4, 9.
[3] Sess. XXII, cap. 2 “initio” et can. 3 (Denzinger, 940 e 950).
[4] Cf. S. Tomás, IIIª., q. 48, a.2.
[5] “Quando o Cordeiro abriu o sétimo selo, fez-se no céu um silêncio de uma meia hora” (Ap 7, 1).
fonte:http://permanencia.org.br/