domingo, 23 de outubro de 2016

A que Igreja, afinal, pertence o Papa Bergoglio?


Por Roberto de Mattei, Corrispondenza Romana, 19 de outubro de 2016 | FratresInUnum.com  – Duas celebrações se sucederão em 2017: os 100 anos das aparições de Fátima, ocorridas entre 13 de maio e 13 de outubro de 1917, e os 500 anos da revolta de Lutero, iniciada em Wittenberg, Alemanha, em 31 de outubro de 1517. Mas no próximo ano ocorrem também dois outros aniversários, dos quais se fala menos: os trezentos anos da fundação oficial da maçonaria (Londres, 24 de junho de 1717) e os cem anos da Revolução russa de 26 de outubro de 1917 (no calendário juliano, em uso no império russo; no dia 8 de novembro, segundo o calendário gregoriano). No entanto, entre a Revolução protestante e a comunista, passando pela Revolução francesa, filha da maçonaria, corre um ininterrupto fio vermelho que Pio XII, no famoso discurso Nel contemplare, de 12 de outubro de 1952, resumiu em três fases históricas, correspondentes ao protestantismo, ao iluminismo e ao ateísmo marxista: “Cristo sim, a Igreja não. Depois: Deus sim, Cristo não. Finalmente, o grito ímpio: Deus está morto; ou antes, Deus nunca existiu.”
Nas primeiras negações do protestantismo – observou Plinio Corrêa de Oliveira – já estavam implícitos os anelos anárquicos do comunismo: “Se, do ponto de vista da formulação explícita, Lutero não era senão Lutero, todas as tendências, todo o estado de alma, todos os imponderáveis da explosão luterana já traziam consigo, de modo autêntico e pleno, embora implícito, o espírito de Voltaire e de Robespierre, de Marx e de Lenine” (Revolução e Contra-Revolução, Parte I, Cap. 6, 1 B).
Sob  este aspecto, os erros difundidos pela Rússia soviética a partir de 1917 foram uma cadeia de aberrações ideológicas que de Marx e Lênin remontam aos primeiros hereges protestantes. A Revolução luterana de 1517 pode portanto ser considerada um dos eventos mais nefastos da história da humanidade, ao lado da revolução maçônica de 1789 e da comunista de 1917. E a Mensagem de Fátima, que previu a propagação dos erros comunistas no mundo, contém em si, implicitamente, a rejeição dos erros do protestantismo e da Revolução francesa.
O início do centenário das aparições de Fátima, em 13 de outubro de 2016, foi enterrado sob um manto de silêncio. Nesse mesmo dia, o Papa Francisco recebeu mil “peregrinos” luteranos na Sala Paulo VI, enquanto no Vaticano era homenageada uma estátua de Martinho Lutero, como aparece nas fotos que Antonio Socci difundiu em primeira mão em sua página do facebook. Além disso, o Papa Francisco viajará no próximo dia 31 de outubro a Lund, na Suécia, onde participará da cerimônia conjunta luterano-católico para comemorar o 500º aniversário do protestantismo. Como se lê no comunicado redigido pela Federação Luterana Mundial e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, o objetivo do evento é “expressar os dons da Reforma e pedir perdão pela divisão perpetuada pelos cristãos das duas tradições”.
O teólogo e pastor valdense Paolo Ricca, empenhado há décadas no diálogo ecumênico, manifestou a sua satisfação “porque é a primeira vez que um Papa comemora a Reforma. Isso, na minha opinião, constitui um passo à frente em relação às metas significativas que foram alcançadas pelo Concílio Vaticano II, o qual – incluindo em seus textos e valorizando assim alguns princípios e temas fundamentais da Reforma – marcou uma reviravolta decisiva nas relações entre católicos e protestantes. Participar da comemoração, como se dispõe a fazer o representante supremo da Igreja Católica, significa, a meu ver, considerar a Reforma um evento positivo na história da Igreja, que fez bem inclusive ao catolicismo. A participação na comemoração é um gesto de grande significado, porque o papa irá a Lund, no lar dos luteranos, como se fosse um da família. A minha impressão é de que ele, de uma maneira que eu não saberia definir, também se sente parte daquela porção de cristianismo que nasceu da Reforma”.
Segundo o mesmo Ricca, o principal contributo oferecido pelo Papa Francisco é “o seu esforço para reinventar o papado, ou seja, a busca de um modo novo e diferente de entender e viver o ministério do bispo de Roma. Esta busca – supondo que a minha leitura acerte ao menos um pouco no alvo – poderia levar muito longe, porque o papado – pelo modo como foi entendido e vivido nos últimos 1000 anos – é um dos grandes obstáculos à unidade dos cristãos. Parece-me que o Papa Francisco está se movendo rumo a um modelo de papado diferente do tradicional, em relação ao qual as outras Igrejas cristãs poderiam assumir novas posições. Se assim fosse, este tema  poderia ser completamente repensado em âmbito ecumênico”.
O fato de a entrevista ter sido publicada em 9 de outubro pelo Vatican Insider, considerado um site semi-oficioso do Vaticano, sugere que esta interpretação da viagem a Lund e das intenções pontifícias seja autorizada e bem-vinda ao Papa Francisco.
Em 13 de outubro, no decurso da  audiência aos luteranos, o papa Bergoglio também disse que o proselitismo, é“o veneno mais forte contra o ecumenismo”. E acrescentou:  “Os maiores reformadores são os santos e a Igreja deve ser sempre reformada.” Estas palavras contêm ao mesmo tempo, como é comum em seus discursos, uma verdade e um engano. A verdade é que os santos, de São Gregório VII a São Pio X, foram os maiores reformadores. O engano consiste em insinuar que os pseudo-reformadores, como Lutero, devem ser considerados santos. A afirmação de que o proselitismo ou o espírito missionário é “o veneno mais forte contra o ecumenismo” deve, pelo contrário, ser invertida: o ecumenismo, como entendido hoje, é o veneno mais forte contra o espírito missionário da Igreja. Os santos foram sempre movidos pelo espírito missionário, começando por aqueles jesuítas que no século XVI aportavam no Brasil, no Congo e nas Índias, enquanto seus irmãos Diego Lainez, Alfonso Salmeron e Pedro Canísio, reunidos no Concílio de Trento, combatiam os erros do luteranismo e do calvinismo.
Mas, para o Papa Francisco, quem está fora da Igreja Católica não deve ser convertido. Na audiência de 13 de outubro, respondendo de improviso às perguntas dos jovens, disse: “Eu gosto muito dos bons luteranos, dos luteranos que seguem verdadeiramente a fé de Jesus Cristo. No entanto, não gosto dos católicos mornos e dos luteranos mornos.” Com outra deformação da linguagem, o  papa Bergoglio define como “luteranos bons” aqueles protestantes que não seguem a fé de Jesus Cristo, mas uma deformação dela, e como “católicos mornos” aqueles filhos fervorosos da Igreja que rejeitam a equiparação entre a verdade da religião católica e o erro do luteranismo.
Tudo isso leva a perguntar o que acontecerá em Lund no dia 31 de outubro. Sabemos que a comemoração compreendeerá uma celebração comum, fundada no guia litúrgico católico-luterano Common Prayer (Oração Comum), elaborado com base no documento Do conflito à comunhãoComemoração comum luterano-católica da Reforma em 2017, elaborado pela Comissão católico-luterana pela unidade dos Cristãos. Há quem tema com razão uma “intercomunhão” entre católicos e luteranos, que seria sacrílega porque os luteranos não acreditam na transubstanciação. Mas, sobretudo, se dirá que Lutero não é um heresiarca, mas um reformador injustamente perseguido, e que a Igreja deve recuperar os “dons da reforma”. Quem se obstinar a considerar justa a condenação de Lutero e heréticos e cismáticos seus seguidores, deve ser severamente condenado e excluído da igreja do Papa Francisco. Mas a que Igreja, afinal, pertence Jorge Mario Bergoglio?