quinta-feira, 1 de outubro de 2009

CARTA ENCÍCLICA DO PAPA PIO XII FULGENS CORONA(*) INDICAÇÃO DO ANO MARIANO






Aos veneráveis irmãos Patriarcas, Primazes,

Arcebispos, Bispos e outros Ordinários,

em paz e comunhão com a Sé Apostólica

1. A refulgente coroa de glória com que a puríssima fronte da virgem Mãe de Deus foi cingida por Deus mais nos parece resplandecer se recordarmos o dia em que, há cem anos, nosso predecessor de feliz memória, Pio IX, rodeado de um imponente cortejo de cardeais e de bispos, declarou, proclamou e definiu solenemente com infalível autoridade "que a doutrina que defende que a beatíssima virgem Maria foi preservada de toda a mancha do pecado original desde o primeiro instante da sua concepção, por singular graça e privilégio de Deus onipotente e em atenção aos merecimentos de Jesus Cristo salvador do gênero humano, foi revelada por Deus e que, por isso, deve ser admitida com fé firme e constante por todos os fiéis".(1)

2. A Igreja universal que, de há tanto tempo, esperava esta decisão pontifícia, recebeu-a com a maior alegria; e, despertada desta forma, a devoção dos fiéis para com a virgem Mãe de Deus, que faz florescer no mais alto grau os costumes dos cristãos, fortaleceu-se; surgiram igualmente, com grande ardor, novos estudos em que apareceram na sua mais brilhante luz a dignidade e a santidade da Mãe de Deus.

3. Parece até que a mesma beatíssima virgem Maria quis confirmar de uma forma prodigiosa a determinação que o vigário do seu divino Filho tinha sancionado, com o aplauso da Igreja universal. Com efeito, não tinham ainda passado quatro anos, quando a virgem Mãe de Deus, com juvenil e inocente semblante, se apresentou, de vestido e manto cândidos e cingida com uma faixa azul, a uma inocente e simples menina, na gruta de Massabielle, próxima de uma povoação, nas faldas dos Pireneus; à inocente menina que insistentemente perguntava o seu nome, a celeste visão, levantando os olhos ao céu e com um suave sorriso, responde: "Eu sou a Imaculada Conceição".

4. Assim o compreenderam, como é natural, os fiéis que afluíram de todas as partes do mundo em piedosas peregrinações à gruta de Lourdes, reavivaram a sua fé, intensificaram a sua piedade e procuraram conformar sua vida com os preceitos cristãos. Ali alcançaram, muitas vezes, milagres que suscitaram a admiração de todos e confirmaram a religião católica como única aprovada por Deus.

5. Assim o compreenderam de forma peculiar os romanos pontífices, que enriqueceram com privilégios espirituais e com benefícios da sua benevolência o maravilhoso templo que a piedade do clero e do povo aí levantou poucos anos depois.

CAPÍTULO I

6. Na verdade, naquela carta apostólica citada, com que o nosso predecessor decretou que este ponto da doutrina cristã devia ser firme e fielmente admitido por todos os féis, não fez outra coisa mais do que recolher diligentemente e consagrar, com a sua autoridade, a voz dos santos Padres e de toda a Igreja, a qual, desde a antiguidade, tinha como que sobrevoado o curso dos séculos sucessivos.

7. Em primeiro lugar, o fundamento desta doutrina encontra-se nas Sagradas Escrituras, na qual Deus criador de todas as coisas, depois da miserável queda de Adão, dirige à tentadora e corruptora serpente estas palavras que muitos santos Padres, Doutores da Igreja e autorizados intérpretes aplicam à virgem Mãe de Deus: "Porei inimizades entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela..." (Gn 3,15). Ora, se, por algum tempo, a bem-aventurada virgem Maria fosse privada da graça divina, como inquinada, na sua concepção, pela mancha hereditária do pecado, ao menos naquele momento, embora brevíssimo, não haveria entre ela e a serpente aquela perpétua inimizade de que se fala, desde a mais antiga tradição até à solene definição da Imaculada Conceição, mas, ao contrário, haveria certa sujeição.

8. Além disso, como a santíssima Virgem é saudada com as palavras "cheia de graça" (Lc 1,28) - isto é kekaritoméne e "bendita entre todas as mulheres", claramente se manifesta com essas palavras, como aliás sempre a tradição católica entendeu, que, com essa singular e solene saudação, nunca até então ouvida, se quer significar que a Mãe de Deus foi a sede de todas as graças divinas, e ornada com todos os carismas do Espírito Santo, e, mais ainda, com o tesouro quase infinito e inexaurível abismo deles, de tal forma que nunca esteve sujeita à maldição.2)

9. Os santos Padres, desde os primeiros anos da Igreja, claramente ensinaram esta doutrina, sem que nenhum a contradissesse, e afirmaram que a santíssima virgem Maria foi "lírio entre espinhos, terra absolutamente intacta, imaculada, sempre bendita, livre de todo contágio do pecado, lenho incorruptível, fonte sempre límpida, a única e a só filha da vida e não da morte, o germe não da ira mas da graça, completamente ilibada, santa, alheia a toda espécie de pecado, mais bela que a beleza, mais santa que a santidade, a única santa, superior a todos, com exceção de Deus, por natureza mais bela, mais formosa, mais santa que os próprios querubins, serafins e todo o exército dos anjos".(3)

10. Considerados diligentemente, como convém, esses louvores da bem-aventurada virgem Maria, quem ousará duvidar de que aquela que é mais pura que os anjos, que sempre permaneceu pura(4), estivesse sujeita a qualquer espécie de pecado, em qualquer momento, por mínimo que fosse? Com toda a razão s. Efrém se dirige ao divino Filho dela com estas palavras: "Na realidade, só vós e vossa Mãe é que sois completamente belos. Não há em vós, Senhor, e nem em vossa Mãe mancha alguma".(5) Com essas palavras, claramente se vê que entre todos os santos e santas, somente de uma se pode dizer, quando se fala de qualquer mancha do pecado, que nem sequer é possível a questão, e que este singularíssimo privilégio, a mais ninguém concedido, o alcançou do Senhor, porque foi elevada à dignidade de Mãe de Deus. Com efeito, esta excelsa missão que foi solenemente reconhecida e sancionada no Concílio de Éfeso contra a heresia de Nestório,(6) e acima da qual nenhuma outra maior parece existir, exige a graça divina em toda a sua plenitude e a alma libertada de qualquer mancha e requer, depois de Cristo, a mais alta dignidade e santidade. Na verdade, dessa sublime missão da Mãe de Deus, nascem, como duma misteriosa e limpidíssima fonte, todos os privilégios e graças que adornam, duma forma admirável e numa abundância extraordinária, a sua alma e a sua vida. Por isso, com razão declara s. Tomás de Aquino: "A bem-aventurada virgem Maria, pelo fato de ser Mãe de Deus, tem do bem infinito, que é Deus, certa dignidade infinita".(7) E um ilustre escritor desenvolve e explica esse mesmo pensamento, com estas palavras: "A bem-aventurada virgem Maria... é Mãe de Deus: por isso, é puríssima e santíssima, de tal maneira que, depois de Deus, não podemos conceber outra pureza maior".(8)