11. Mas se considerarmos atentamente as coisas e principalmente se atendermos ao profundíssimo e suavíssimo amor com que Deus, sem dúvida, amou e continua a amar a Mãe de seu unigênito Filho, como poderemos pensar sequer que ela esteve, ainda que por brevíssimo tempo, sujeita ao pecado e privada da graça? Na realidade, Deus podia conceder-lhe, em atenção aos merecimentos do Redentor, esse singular privilégio; por isso, nem sequer podemos pensar que não o tenha feito. Convinha, na verdade, que a Mãe do Redentor fosse o mais digna possível dele. Ora, se Maria fosse manchada com o pecado original, ainda que só no primeiro instante da sua concepção, não seria digna, porque estaria sujeita ao triste domínio do demônio.
12. Nem se diga que por esse motivo se diminui a redenção de Cristo, porque não se estenderia a toda a descendência de Adão, e que, por isso, algo seria tirado ao múnus e à dignidade do Divino Redentor. Se considerarmos profunda e diligentemente essa questão, na realidade, facilmente verificamos que Cristo Senhor nosso, de fato, remiu, e de forma perfeitíssima, sua Mãe, pois que Deus a preservou de toda a mancha hereditária do pecado, no primeiro momento da sua conceição, em atenção aos merecimentos de Cristo. Por isso, a infinita dignidade de Jesus Cristo e o múnus da sua redenção universal não diminuem nem se enfraquecem com essa questão doutrinal, mas, ao contrário, muito se elevam.
13. É, portanto, injusta a crítica e a censura que, por esse motivo, fazem não poucos acatólicos e protestantes à nossa devoção para com a virgem Mãe de Deus, como se tirássemos alguma coisa do culto devido somente a Deus e a Jesus Cristo; muito ao contrário, tudo que for de honra e veneração a nossa Mãe celeste, sem dúvida que redunda em glória para o seu divino Filho, não só porque dele vêm, como de primeira fonte, todas as graças e dons, mesmo excelsos, mas ainda porque "os pais são a glória dos filhos" (Pr 17,6).
14. Por isso mesmo, desde os mais remotos tempos da Igreja, esse ponto de doutrina mais se esclareceu e cada vez mais se confirmou, quer entre os pastores sagrados, quer na convicção e no espírito dos féis. Atestam-no, como dissemos, os escritos dos santos Padres, os concílios e os atos dos romanos pontífices; testemunham-no, enfim, as antigas liturgias, cujos livros, desde os mais antigos, consideram essa festa como legada pelos nossos antepassados.
15. Finalmente, também em todas as comunidades dos cristãos orientais, que de há longos anos se separaram da unidade da Igreja católica, nunca faltaram nem faltam aqueles que, embora eivados de preconceitos e opiniões adversas, acolheram esta doutrina e todos os anos celebram a festa da Virgem imaculada. Certamente, nada disso se daria se não tivessem recebido esta verdade dos tempos mais antigos, isto é, antes de se terem separado do único redil.
16. Ao completar-se, pois, um século desde que o pontífice máximo, Pio IX, de imortal memória, definiu solenemente esse singular privilégio da virgem Mãe de Deus, apraz-nos resumir e concluir toda a questão com estas palavras do mesmo pontífice, quando afirmou que esta doutrina, segundo o juízo dos Padres, foi consignada na Sagrada Escritura, por eles mesmos transmitida, expressa por tantos e tão graves testemunhos e celebrada por tantos monumentos célebres da veneranda antigüidade e finalmente proposta pelo mais alto e autorizado juízo da Igreja, (9) de forma que nada é mais doce e mais querido para os sagrados pastores e para os féis do "que honrar, venerar, invocar e pregar, por toda a parte, com o mais fervoroso ardor, a virgem Mãe de Deus concebida sem pecado original". (10)
17. Parece-nos, portanto, que essa preciosíssima pérola, com que foi enriquecido, há cem anos, o sagrado diadema da bem-aventurada virgem Maria, hoje brilha com luz mais esplendorosa, tendo-nos cabido a feliz sorte, por disposição da divina Providência, de definir, no ano jubilar de 1950 de que conservamos gratíssima recordação na alma, que a Mãe de Deus foi elevada ao céu em corpo e alma; dessa forma pudemos corresponder aos votos do povo cristão formulados já, de forma particular, quando foi definida solenemente a imaculada conceição da Virgem. Já então, na verdade, como escrevemos na Constituição Apostólica "Munificentissimus Deus"; os corações dos fiéis se sentiram animados da mais viva esperança de que o dogma da assunção corpórea da virgem Maria ao céu seria, o mais depressa possível, definido pelo supremo magistério eclesiástico.(11)
18. Parece, pois, que todos os fiéis podem levantar o pensamento e o coração mais profunda e eficazmente ao próprio mistério da imaculada conceição da Virgem. Na verdade, pela estreitíssima relação existente entre esses dois mistérios, depois de promulgada solenemente e posta em toda a sua luz a assunção da Virgem ao céu - o que constitui como que a coroa e o complemento do outro privilégio mariano - manifestou-se, com maior clareza e esplendor, a sabedoria, a harmonia daquele plano divino com que Deus quis que a bem-aventurada virgem Maria fosse preservada de toda a mancha original.
19. Por isso, devido a esses dois insignes privilégios concedidos a nossa Senhora, tanto o início da sua vida como o seu ocaso se iluminaram com brilhantíssima luz; à perfeita inocência da alma preservada de toda a mancha, corresponde, de forma admirável e maravilhosa, a mais perfeita glorificação do seu corpo virginal; e como esteve Maria junto com seu Filho unigênito na luta contra a serpente infernal, assim juntamente com ele participou do glorioso triunfo sobre o pecado e suas tristes conseqüências.
CAPÍTULO II
20. Entretanto, essa celebração secular não deve apenas fortalecer no ânimo de todos os fiéis a fé católica e a piedade ardente para com a virgem Mãe de Deus, mas também levar especialmente os costumes dos cristãos à imitação da Virgem. Como todas as mães experimentam profundos sentimentos quando descobrem que as feições do seu filho reproduzem alguma semelhança com as suas, assim Maria, nossa dulcíssima Mãe, não pode ter maior desejo, nem maior alegria do que ver reproduzidos nos pensamentos, nas palavras e nas obras daqueles que ela recebeu por filhos aos pés da cruz do seu Unigênito os traços e as virtudes de sua alma.