CARTA ENCÍCLICA DO PAPA PIO XII
MEDIATOR DEI
SOBRE A SAGRADA LITURGIA
V. Tal progresso não pode ser deixado ao arbítrio dos particulares
52. Por isso, somente o sumo pontífice tem o direito de reconhecer e estabelecer quaisquer praxes do culto, de introduzir e aprovar novos ritos, e mudar aqueles que julgar devem ser mudados;(50) os bispos têm o direito e o dever de vigiar diligentemente para que as prescrições dos sagrados cânones relativamente ao culto divino sejam pontualmente observadas.(51) Não é possível deixar ao arbítrio dos particulares, ainda que sejam membros do clero, as coisas santas e venerandas relativas à vida religiosa da comunidade cristã, ao exercício do sacerdócio de Jesus Cristo e ao culto divino, à honra que se deve à santíssima Trindade, ao Verbo encarnado, à sua augusta Mãe e aos outros santo, e à salvação dos homens; pelo mesmo motivo a ninguém é permitido regular neste campo ações externas que têm nexo íntimo com a disciplina eclesiástica, com a ordem, a unidade, a concórdia do corpo místico e, não raro, com a própria integridade da fé católica. Certamente, a Igreja é um organismo vivo e, por isso, ainda no que diz respeito à sagrada liturgia, firme a integridade de seu ensinamento, cresce e se desenvolve, adaptando-se e conformando-se às circunstâncias e às exigências que se verificam no correr dos tempos; deve-se, todavia, reprovar severamente a temerária audácia daqueles que introduzem de propósito novos costumes litúrgicos ou fazem reviver ritos já caídos em desuso e que não concordam com as leis e as rubricas vigentes. Assim, não sem grande pesar, sabemos que isso acontece não somente em coisas de pouca monta, mas ainda de gravíssima importância; não falta, com efeito, quem use a língua vulgar na celebração do sacrifício eucarístico, quem transfira para outros tempos festas fixadas já por razões ponderáveis; quem exclua dos legítimos livros da oração pública os escritos sagrados do Antigo Testamento, reputando-os pouco adaptados e pouco oportunos para os nossos tempos.
53. O uso da língua latina vigente em grande parte da Igreja, é um caro e nobre sinal de unidade e um eficaz remédio contra toda corruptela da pura doutrina. Em muitos ritos o uso da língua vulgar pode ser assaz útil para o povo, mas somente a Sé Apostólica tem o poder de concedê-lo, e por isso, neste campo, nada é lícito fazer sem o seu juízo e a sua aprovação, porque, como havíamos dito, a regulamentação da sagrada liturgia é de sua exclusiva competência.
54. Do mesmo modo se devem julgar os esforços de alguns para revigorar certos antigos ritos e cerimônias. A liturgia da época antiga é, sem dúvida, digna de veneração, mas o uso antigo não é, por motivo somente de sua antiguidade, o melhor, seja em si mesmo, seja em relação aos tempos posteriores e às novas condições verificadas. Os ritos litúrgicos mais recentes também são respeitáveis, pois que foram estabelecidos por influxo do Espírito Santo que está com a Igreja até à consumação dos séculos, (52) e são meios dos quais se serve a ínclita esposa de Jesus Cristo para estimular e conseguir a santidade dos homens.
55. É certamente coisa sábia e muito louvável retornar com a inteligência e com a alma às fontes da sagrada liturgia, porque o seu estudo, reportando-se às origens, auxilia não pouco a compreender o significado das festas e a penetrar com maior profundidade e agudeza o sentido das cerimônias, mas não é certamente coisa tão sábia e louvável reduzir tudo e de qualquer modo ao antigo. Assim, para dar um exemplo, está fora do caminho quem quer restituir ao altar a antiga forma de mesa; quem quer eliminar dos paramentos litúrgicos a cor negra; quem quer excluir dos templos as imagens e as estátuas sagradas; quem quer suprimir na representação do Redentor crucificado as dores acérrimas por ele sofridas; quem repudia e reprova o canto polifônico, ainda quando conforme às normas emanadas da santa sé.
56. Como, em verdade, nenhum católico fiel pode rejeitar as fórmulas da doutrina cristã compostas e decretadas com grande vantagem em época mais recente da Igreja, inspirada e dirigida pelo Espírito Santo, para voltar às antigas fórmulas dos primeiros concílios, ou repudiar as leis vigentes para voltar às prescrições das antigas fontes do direito canônico; assim, quando se trata da sagrada liturgia, não estaria animado de zelo reto e inteligente aquele que quisesse voltar aos antigos ritos e usos, recusando as recentes normas introduzidas por disposição da divina Providência e por mudança de circunstâncias.
57. Este modo de pensar e de proceder, com efeito, faz reviver o excessivo e insano arqueologismo suscitado pelo ilegítimo concílio de Pistóia, e se esforça em revigorar os múltiplos erros que foram as bases daquele conciliábulo e os que se lhe seguiram com grande dano das almas, e que a Igreja - guarda vigilante do "depósito da fé" confïado pelo seu divino Fundador - condenou com todo o direito.(53) De fato, deploráveis propósitos e iniciativas tendem a paralisar a ação santificadora com a qual a sagrada liturgia orienta salutarmente ao Pai celeste os filhos de adoção.
58. Tudo, pois, seja feito em indispensável união com a hierarquia eclesiástica. Ninguém se arrogue o direito de ser lei para si mesmo e de impô-la aos outros por sua vontade. Somente o sumo pontífice, na qualidade de sucessor de Pedro, ao qual o divino Redentor confiou o rebanho universal, (54) e juntamente os bispos, que sob a dependência da Sé Apostólica "o Espírito Santo colocou para reger a Igreja de Deus",(55) têm o direito e o dever de governar o povo cristão. Por isso, veneráveis irmãos, toda vez que defendeis a vossa autoridade - oportunamente, ainda que com severidade salutar não somente cumpris o vosso dever, mas defendeis a própria vontade do Fundador da Igreja.