sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

pe. Fernando Leite, que foi director espiritual do pe. Abílio Gomes Correia

 Resultado de imagem para escritos, PADRE ABÍLIO GOMES CORREIA

Para os nossos leitores, pode explicarnos como se encontra o processo de beatificação do pe. Abílio Correia?

Encontra-se na fila de espera, na Congregação para a Causa dos Santos. Graças a Deus que temos muitos aspirantes a santos, e o pe. Abílio é um deles. À medida que os processos vão sendo analisados, vão subindo na fila. Presentemente o Vaticano está a pedir a comprovação de um milagre para a beatificação do pe. Abílio e outro para a canonização – eu creio que isto não está certo, é tentar a Deus. O que importa são as virtudes heroicas da pessoa, se a pessoa viveu com heroísmo; então, na minha maneira de ver como teólogo, essa é a prova fundamental. Já por duas vezes fizemos inquéritos acerca das virtudes do pe. Abílio: desses inquéritos eu destacaria três. Um, do pe. Fernando Leite, que foi director espiritual do pe. Abílio, e que publicou 2 volumes sobre a vida do pe. Abílio; outro, do mons. Osório, que foi reitor do Bom Jesus; e sobretudo, o inquérito do actual pároco de Gualtar, pe. Domingos Brandão. Este conviveu muito com o pe. Abílio porque, como bom músico, foi frequentemente chamado pelo pe. Abílio para as festas celebradas em S. Mamede. O testemunho do pe. Brandão sobre o pe. Abílio foi extraordinário, para mim esse testemunho seria suficiente para a beatificação.

O ministério do pe. Abílio Correia foi vivido essencialmente na paróquia de S. Mamede de Este, com uma breve passagem como capelão do Hospital de S. Marcos. Ainda hoje, que frutos encontra da vida do pe. Abílio Correia nas pessoas desta paróquia?

Foram precisamente os paroquianos que me levaram à descoberta do pe. Abílio – eu fiquei envergonhado! Sendo professor de sacramentos e responsável pela formação dos ministros extraordinários da comunhão, eu não sabia que o pe. Abílio tinha existido! Quando cheguei a S. Mamede em 1996, vi que era uma paróquia diferente das outras: nas outras paróquias por onde tinha passado, os homens, antes da missa, estavam à espera que dessem as 3 pancadas para apagar os cigarros e entrar apressados na igreja; em S. Mamede não: 20 minutos antes de começar a missa já os homens estavam na igreja a rezar. Na visita que comecei a fazer aos idosos eles falavam-me muito em frases lapidares da Sagrada Escritura e eu perguntava-lhes quem é que lhes ensinou isso; eles respondiamme «o sr.º padre Abíio». «E quem foi o sr.º padre Abílio?», perguntava. «Ah, esse continua a ser o nosso pároco: vocês, os que vieram depois, uns seguem-no, outros não; mas o nosso pároco é o pe. Abílio». Comecei a mexer no arquivo paroquial, e na Faculdade de Teologia encontrei todos os números do Mensageiro Eucarístico, tendo enviado fotocópias para Roma. Havia muitos sacerdotes que tinham assinado e encadernado o Mensageiro, tendo-me oferecido quando se iniciou o processo de beatificação no tribunal eclesiástico em 1997, por D. Eurico. Em S. Mamede de Este as pessoas são muito sentimentais, na relação umas com as outras: houve épocas em que rezavam o terço de janela para janela. A frequência religiosa é muito numerosa, as crianças – e lá a população não tem diminuído, pelo contrário – frequentam em 99% a catequese, e os jovens vêm ser confirmados à Sé no dia de Pentecostes – e esta prática já acontece desde 1907. Neste momento estou a terminar a organização do arquivo paroquial. Outra dimensão é a do Lausperene: em 1957, no salão nobre do Seminário Conciliar, D. Francisco Silva, levado pelo pe. Abílio, divulgou o Lausperene diocesano; S. Mamede d’Este escolheu o dia 25 de Abril! Em S. Mamede há oito festas: o Lausperene é a festa que mais valorizam, sobretudo durante a noite a igreja está sempre cheia. E faz-se a adoração contínua durante 24 horas. É uma maravilha paroquiar em S. Mamede, pois eles dão muito trabalho mas é um gosto trabalhar com eles.

 O Pe. Abílio Correia foi também um grande promotor do Congresso Eucarístico Nacional que teve lugar em Braga em 1932. Que ensinamentos poderemos hoje retirar da espiritualidade eucarística do pe. Abílio Correia?

 O Congresso no Sameiro terminou, segundo os jornais de Lisboa da época, com 400 mil pessoas. O pe. Abílio foi ao essencial da doutrina cristã: a morte sacrificial redentora de Cristo  e  a sua ressurreição gloriosa, tudo compendiado na santíssima Eucaristia – quer na celebração, quer na adoração ao Santíssimo Sacramento. O pe. Abílio seguiu a doutrina da Igreja. O Vaticano II afirmou que as verdades religiosas não têm todas o mesmo valor: há uma hierarquia de verdades, como é dito na constituição Dei Verbum. Há algumas mais fundamentais, e outras mais periféricas. Entre as verdades fundamentais temos a Santíssima Trindade, a Encarnação de Jesus Cristo e a Redenção operada na sua morte e Ressurreição, e a vinda do Espírito. A orientação da Igreja foi sempre esta ao longo do tempo. Outra afirmação do Vaticano II, que o pe. Abílio seguiu (e antecipando-se à formulação) foi a de que cada um deve fazer só o que lhe compete (e da melhor maneira possível) – Sacrossanctum Concilium 28 e n.º 56 da Instrução Geral do Missal Romano. O pe. Abílio, logo que chegou a S. Mamede, centrou a sua vida na ss.ma Eucaristia, pois levava já do Seminário uma formação eucarística: destacou-se na devoção ao Coração Eucarístico de Jesus e na relação com os Jesuítas.

Num discurso aos seminaristas da Arquidiocese, pronunciado no dia 16 de Novembro, D. Jorge Ortiga pediu a imitação do exemplo do pe. Abílio Correia. Que espiritualidade presbiteral poderemos retirar da vida do pe. Abílio?

Atendendo aos documentos da Santa Sé, acerca da formação espiritual e do perfil desejado pela Igreja para os nossos dias, eu creio que o pe. Abílio é um modelo. E vejo na Capela Árvore da Vida o símbolo da espiritualidade e da maneira de ser do sacerdote, onde podemos encontrar uma imagem do Cura d’Ars. Ali chamou-me a atenção a linguagem simbólica. A imagem do Cura d’Ars acompanhou sempre a mesa de trabalho do pe. Abílio, tendo oferecido essa imagem a um senhor que a guardou, tendo-ma oferecido quando eu era pároco de S. Mamede há 2 anos. Trata-se, portanto, de uma imagem com 105 anos. Temos também duas relíquias, uma do Cura d’Ars e outra de S. Julião Eymard, fundador da Congregação dos Padres Sacramentinos. O modelo do pe. Abílio foi o Cura d’Ars: por isso o pe. Fernando Leite lhe chama «O Cura d’Ars» português; e se formos a ver há muitas coincidências entre a vida do pe. Abílio e a vida do Cura d’Ars: por exemplo, o Cura d’Ars fugiu do exército napoleónico, pois caso contrário teria  vindo invadir a Península Ibérica; o pe. Abílio foi perseguido pela Carbonária na I República por ter relido na paróquia a Nota Pastoral do Episcopado logo a seguir à Lei da Separação do Afonso Costa. O pe. Abílio foi avisado, passou a noite num curral de ovelhas, e na madrugada quatro caçadores armados levaram-no até às Cerdeirinhas, tendo-se escondido numa casa no Gerês; vinha a S. Mamede ao fim-de-semana, celebrando ora na capela de S. Simão, ora na capela de S. Sebastião, mas celebrava também nas casas particulares, com a devida participação das pessoas. Quando as coisas começaram a serenar, ele, que era das poucas pessoas que sabia escrever, assumia a função de presidente da junta da paróquia e continuava a fazer as actas – ainda hoje conservadas – com as leis publicadas pela República, sem se notar qualquer agressividade, fossem nas actas ou no boletim do Mensageiro Eucarístico – ele não sabia dizer mal. Em 1977 fizeram em S. Mamede a celebração das bodas de ouro paroquiais do pe. Abílio: e num momento de maior emoção, ele deixou escapar que dormia apenas três horas, passando o resto das noites a trabalhar e a adorar o Ssmo. Sacramento.

fonte