segunda-feira, 5 de outubro de 2009

CARTA ENCÍCLICA DO PAPA PIO XII FULGENS CORONA(*) INDICAÇÃO DO ANO MARIANO





CAPÍTULO II

20. Entretanto, essa celebração secular não deve apenas fortalecer no ânimo de todos os fiéis a fé católica e a piedade ardente para com a virgem Mãe de Deus, mas também levar especialmente os costumes dos cristãos à imitação da Virgem. Como todas as mães experimentam profundos sentimentos quando descobrem que as feições do seu filho reproduzem alguma semelhança com as suas, assim Maria, nossa dulcíssima Mãe, não pode ter maior desejo, nem maior alegria do que ver reproduzidos nos pensamentos, nas palavras e nas obras daqueles que ela recebeu por filhos aos pés da cruz do seu Unigênito os traços e as virtudes de sua alma.

21. Mas para que a piedade não permaneça apenas uma palavra vã, nem se torne uma simples imagem falaz da religião, nem um sentimento fraco e caduco de um momento, antes seja sincera, verdadeira e eficaz, deve estimular-nos todos, segundo as condições de cada um, à conquista da virtude. É necessário que, antes de mais nada, a todos excite àquela inocência e integridade de costumes que foge e aborrece até a mais pequena mancha de pecado, já que comemoramos o mistério da santíssima Virgem, cuja concepção foi imaculada e isenta de toda a culpa original.

22. Parece-nos que a santíssima Virgem, a qual em todo o curso de sua vida, nunca se afastou em nada dos preceitos e dos exemplos de seu divino Filho - quer nas alegrias de que foi suavemente inundada, quer nas tribulações e nas dores mais atrozes que a constituíram rainha dos mártires -, parece-nos, repetimos, que a todos e a cada um de nós diga aquelas palavras que proferiu nas bodas de Caná, apontando Jesus Cristo aos servos do banquete; "Fazei tudo o que ele vos disser" (Jo 2,5). Parece que cabe a nós repetir a todos hoje essa mesma exortação num sentido ainda mais vasto, visto que é de absoluta evidência que a raiz de todos os males com que são atormentados os homens, com tanta aspereza e veemência angustiados os povos e as nações, provém do fato de que muitos "abandonaram a fonte de água viva e abriram cisternas para si, cisternas desconjuntadas, que não podem conter água" (Jr 2,13) e abandonaram aquele que unicamente é o "caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6). Se, portanto, se errou, é necessário voltar ao caminho reto; se as trevas dos erros perturbaram as mentes, devem ser, sem demora, dissipadas pela luz da verdade; se aquela morte, que é a verdadeira morte, se apoderou das almas, é necessário recuperar a vida com vivo e eficaz desejo; referimo-nos àquela vida celeste que não conhece ocaso porque tem sua origem em Cristo Jesus, com quem gozaremos nos céus a bem-aventurança eterna, se com ânimo confiante e fiel o seguirmos nesta terra de exílio.

23. Isso nos ensina e exorta a bem-aventurada virgem Maria, nossa dulcíssima Mãe, que nos ama com verdadeiro amor, sem dúvida, mais do que todas as mães terrestres. Como sabeis, veneráveis irmãos, os homens de hoje têm grande necessidade dessas exortações e convites para que voltem para Cristo e se conformem diligente e eficazmente com seus ensinamentos, quando tantos tentam desarraigar da sua alma a fé cristã, ora astuciosamente e com insídias ocultas, ora com uma propaganda e exaltação clara e obstinada de seus erros, propalados com tanta ostentação como se fossem glória do progresso e do esplendor deste século. Mas, rejeitada a nossa santa religião e negadas as determinações divinas que sancionam o bem e o mal, é sumamente evidente que para quase nada servem as leis e como que fica reduzida ao mínimo a autoridade pública; por via de conseqüência os homens, perdidas a esperança e a certeza dos bens imortais, com essas enganadoras doutrinas, procuram imoderadamente, por sua própria natureza, os bens terrenos, cobiçam avidamente os do próximo e, quando a ocasião e a possibilidade se lhes proporcionar, apoderar-se-ão deles, mesmo pela força. Daqui nascem os ódios, as invejas, as rivalidades e as discórdias entre os cidadãos; daqui vem a perturbação da vida pública e privada, e gradualmente se arruinam os fundamentos do Estado que dificilmente poderão ser mantidos e reforçados pela autoridade das leis civis e dos governantes; daqui, finalmente, deriva a depravação dos costumes pelos espetáculos licenciosos, pelos livros, jornais e crimes sem conta.

24. Reconhecemos que, nesse campo, a autoridade do Estado não pode fazer muito; na verdade, a sanação de todos esses males só pode encontrar-se noutra fonte mais elevada; é necessário recorrer a uma força mais forte que a humana, para que esclareça com a luz celeste os ânimos, penetre-os e os renove com a divina graça e os torne melhores com o seu auxílio.

25. Só então poderemos esperar que volte a florescer, por toda parte, a vida cristã; que os verdadeiros princípios sobre os quais se funda a sociedade se consolidem o mais possível; que reine entre as várias classes sociais uma mútua, reta e sincera valorização das coisas, juntamente com a justiça e a caridade; que desapareçam os ódios, cujos germes dão origem a novas misérias e muitas vezes impelem os ânimos exacerbados ao derramamento de sangue; que, finalmente, atenuados e aplacados os contrastes existentes entre as várias classes da sociedade, se harmonizem com imparcialidade os justos direitos de ambas as partes e possam coexistir e conformar-se com o mútuo consentimento e o devido respeito, para vantagem comum.

26. Sem dúvida, só a lei cristã, para cujo cumprimento ativo e frutuoso nos chama a virgem Mãe de Deus, poderá realizar tudo isso, com firmeza e segurança, desde que se ponha em prática. Tendo na devida consideração essas coisas, veneráveis irmãos, convidamo-vos todos e cada um, com a presente carta encíclica, a que, segundo as vossas funções, exorteis o clero e o povo que vos foi confiado a celebrar o ano mariano, que desejamos seja festejado por toda a parte, a partir do próximo mês de dezembro até ao mesmo mês do ano que vem, por ocasião do primeiro centenário, no qual a virgem Maria Mãe de Deus refulgiu com uma nova pérola, entre o aplauso do povo cristão, quando, como dissemos, o nosso predecessor, de imortal memória, Pio IX, decretou e sancionou solenemente a Imaculada concepção dela. Confiamos plenamente que esta celebração mariana produzirá aqueles muito desejados e salutares frutos por que todos vivamente suspiramos.

27. Para mais fácil e eficazmente conseguir esse fim, desejamos que se promovam, em todas as dioceses, conferências e discursos apropriados para esclarecer mais as mentes sobre esse ponto da doutrina cristã, de forma que a fé do povo se intensifique e nele se acenda cada vez mais a devoção à virgem Mãe de Deus; assim todos sigam intensa e decididamente os exemplos da nossa Mãe celeste.

28. E porque em todas as cidades, vilas e aldeias onde floresce o cristianismo existe sempre uma capela ou, ao menos, um altar no qual resplandece, de modo particular, a imagem de nossa Senhora exposta à veneração do povo cristão, desejamos, veneráveis irmãos, que os fiéis para lá se dirijam com a maior freqüência e elevem, num só coração e numa só voz, orações públicas à nossa suavíssima Mãe.

29. Mas onde existir um templo particularmente dedicado à virgem Mãe de Deus - o que se dá em quase todas as dioceses - a ele acorram, em determinados dias do ano, piedosas multidões de peregrinos, com edificantes manifestações públicas da fé comum e do amor para com a Virgem santíssima. Sem dúvida, que isso se realizará principalmente na gruta de Lourdes, onde se venera a Virgem imaculada com tão fervorosa piedade.

30. Mas que esta cidade de Roma preceda a todas, pois que desde os primeiros tempos do cristianismo teve um particular culto à Mãe celeste e sua padroeira. Aqui existem muitas igrejas, como é de todos conhecido, nas quais nossa Senhora é apresentada à piedade dos romanos, mas entre todas, sem dúvida, sobressai a Basílica Liberiana, onde ainda refulge o mosaico do nosso predecessor, de feliz memória, Sixto III, insigne monumento da divina maternidade da virgem Maria, onde benignamente sorri a imagem da "Salvação do povo romano". Que ali acorram especialmente os cidadãos romanos a orar e todos, diante da sagrada imagem, levantem súplicas, pedindo sobretudo que Roma, centro do orbe católico, seja a mestra de todos na fé, na devoção e na santidade. A vós, sobretudo, filhos de Roma, dirigimos as palavras do nosso predecessor de santa memória, Leão Magno: "Na verdade, embora todas as igrejas espalhadas sobre a terra devam florescer em todas as virtudes, vós especialmente deveis exceder os outros povos no mérito da piedade, vós que, fundados sobre a própria base da rocha apostólica e remidos com todos os outros por nosso Senhor Jesus Cristo, fostes instruídos, de preferência aos outros, pelo bem-aventurado apóstolo Pedro".(12)