sábado, 20 de novembro de 2010

CARTA ASCÉTICA – Sto. Antônio Maria Claret.: Certamente que não basta, nem é suficiente, cumprirmos, como bons cristãos, o mandato da assistência à santa missa e da comunhão nela para fazer-nos mais participantes dos méritos de Jesus Cristo; é, além disso, indispensável que sejamos sacerdotes ou sacrificadores, não só na missa, juntamente com Jesus Cristo, sacrificador invisível e o sacerdote, sacrificador visível, devemos oferecer-nos também a nós mesmos como vítimas para a glória de Deus e em satisfação das nossas culpas e pecados

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8. A comunhão
Para praticar estas e demais virtudes você precisará receber com freqüência a sagrada comunhão, já que para isto o Senhor ficou no Santíssimo Sacramento do altar (51). Estas são suas terminantes palavras: Eis que estarei convosco até o fim dos tempos (52). Vinde a mim todos vós que estais cansados e eu vos aliviarei (53). Eu sou o caminho a verdade e a vida (54). Ele nos mostra o caminho, indo adiante com a prática das virtudes, fazendo e ensinando (55); e nós, se deveras somos cristãos, não podemos senão segui-lo e imitá-lo. Ele é a mesma verdade e isto nos ensina o Evangelho. Finalmente, é a vida que nos faz viver na vida da graça se observarmos sua doutrina, porque suas palavras são para nós espírito e vida (56); e se recebermos os santos sacramentos, particularmente a Eucaristia, em que está o pão da vida. O mesmo Jesus Cristo disse: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá para a vida eterna e o pão que eu darei é minha carne, que darei para a vida ou salvação do mundo. Em verdade, em verdade, vos digo que, se não comerdes da carne do Filho do homem e não beberdes do seu sangue, não tereis vida em vós. Quem comer minha carne e beber meu sangue terá a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia. Porque minha carne é verdadeiramente comida e meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem comer minha carne e beber meu sangue, está em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e eu vivo pelo Pai, assim quem me come, também viverá por mim e da minha própria vida” (57). Explicarei um pouco esta celestial doutrina.
O homem, fisicamente considerado, é um composto de alma e corpo. O corpo não subsiste senão mediante sua união com a alma; este é o princípio vivificador que mantém juntas entre si as diversas partes do nosso organismo e lhes imprime os movimentos necessários à sua conservação. Fazendo-se débil pelo pecado, esta união das duas substâncias que formam nossa natureza, ativa-se o princípio de dissolução, que se manifesta primeiramente com a perda incessante de nossas moléculas orgânicas, depois com a enfermidade e, finalmente, com a morte.
A alma, avisada do apuro do corpo pela voz da necessidade, apressa-se em reparar as perdas do organismo com a alimentação. Escolhe, entre os corpos que o rodeiam, os mais próprios para manter a vida, isto é, as substâncias vegetais e animais, introduzindo-as no corpo, onde, por meio de um mecanismo admirável, estes corpos estranhos se assimilam e o fortificam durante algumas horas, não mais; por isto, se deve voltar a repetir esta mesma operação pelo menos uma vez cada dia.
Assim como o corpo tem sua comida, a alma também tem a sua, que é a Eucaristia, chamada pão dos anjos (58) per serem os anjos espíritos com nossas almas e têm o mesmo alimento.
A vida dos espíritos criados, assim como a vida do Espírito não criado, de que são imagem, consiste toda ela no conhecimento e amor. A vida de Deus é soberana, porque a compreensão perfeita do seu ser infinito lhe dá a alegria completa; satisfaz todos os seus desejos; não deixa, por assim dizer, vazio ninguém em sua inteligência e amor.
A vida do nosso espírito é, por necessidade, incompleta, porque está privada da vista do único ser capaz de preencher nossas faculdades de conhecer e amar.
Neste estado, necessário para nosso prova, as criaturas têm licença para disputar com Deus a possessão da nossa alma.
Estas criaturas são as duas classes: os espíritos e os corpos.
Os espíritos orgulhosos que, à imitação de Satanás, querem ser a luz para si mesmos, se esforçam para subjugar nosso espírito e substituir a palavra de Deus com sua palavra, falsa e enganosa. Estão repetindo de mil maneiras aquele linguagem que usou Lúcifer com Eva: “Desprezai a lei de Deus e escutai-nos; nós vos ensinaremos a arte de ser grandes e felizes” (59). Sim, como Eva, fazemos a loucura de preferir sua palavra ao ensinamento divino, caímos há heresia, que é a idolatria espiritual, a adoração do espírito criado. Não sendo iluminada e inflamada nossa alma pela palavra vivificadora da fé que sai da boca de Deus (60), vai descendo pelo caminho do erro, até, que renegando toda verdade, não acredita senão na matéria.
Os corpos, com o brilho da beleza que neles resplandece, com as sensações agradáveis que proporcionam aos sentidos, são outro manancial de perdição.
A alma, que com a meditação, não se levanta com as asas da fé até o Criador destas coisas, que é mais belo que todas elas, como se lê no sagrado livro da Sabedoria (61); a alma a quem a oração não lhe proporcionou nunca os deleites infinitos do céu, está indefesa contra os atrativos das belezas terrenas; passando de um ídolo a outro ídolo, e acaba por adorar tudo, menos Deus. O culto da carne, quando não é o princípio dos extravios do entendimento, é sempre sua conseqüência, como consta por experiência e se lê nas histórias. Para libertar nossas almas tanto das bocas mentirosas, que lhes dão morte (62), como dos deleites carnais, que as rebaixam até os brutos, o que é que fez Jesus Cristo? Às trevas ele colocou o sol da fé católica, o Santíssimo Sacramento, que por excelência se chama mistério da fé, onde está real e verdadeiramente Jesus Cristo, luz verdadeira que ilumina todo homem (63) de boa vontade para levantar-se mais alto que as vãs idéias do mundo e fazer progressos no conhecimento e no amor do supremo Bem.
À degradante embriaguez dos prazeres da carne e do sangue colocou o delicioso banquete da sua carne e do seu sangue no Santíssimo Sacramento, que nos eleva até o manancial da vida divina.
A verdadeira vida, a que não tem fim, não se encontra senão em Deus, que é o ser vivo por excelência. Esta vida que o Verbo recebeu do Pai em sua plenitude pela geração eterna, a comunicou sem custo à alma e ao corpo que uniu a si no seio da Virgem. E, dando-nos pela comunhão sua humanidade, unida indissoluvelmente à sua divindade, impregna de sua vida divina todo o nosso ser, deixa nele o germe e a prenda da eternidade bem-aventurada. Este princípio de vida perfeita, verdade que fica latente e não é percebido em nosso corpo durante o tempo da prova e o sono do sepulcro, como trigo semeado na terra, mas desenvolverá todo seu poder no dia da ressurreição: Et resuscitabo eum in novissimo die (64). Então aparecerá uma prodigiosa diferença entre os corpos dos que comeram os frutos da terra, do qual aquele não era mais que figura, e os corpos dos que por sua participação da carne sacratíssima do Verbo se fizeram membros vivos dele; porque todos, diz São Paulo, ressuscitaremos, mas nem todos seremos transformados (66). Os corpos que não tenham assimilado mais que elementos terrenos e corruptíveis ficarão sujeitos à corrupção, mas os corpos vivificados pela carne e sangue de Jesus Cristo serão espiritualizados e viverão uma vida inteiramente celestial.
Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento é nossa vida moral e física. Moral, que consiste em conhecer e amar, e o objeto e alimento do entendimento é a verdade e Jesus Cristo é a mesma verdade essencial e o objeto e alimento da vontade é a bondade e Jesus Cristo é a bondade e caridade por essência.
Vida física que consiste na união da alma e corpo e, como disse, Jesus Cristo não só é a vida da alma, mas também do corpo; porque é verdade que o corpo há de morrer, porque há de pagar o tributo pelo pecado, mas Jesus Cristo o restaurará e o ressuscitará (67). Daí a necessidade de comungar e de comungar com freqüência. Pelo que vemos no corpo, podemos conhecer o que devemos fazer para alma; o corpo há de comer cada dia, se quer ter vida e saúde; o mesmo deve fazer a alma. Com desejo ou realmente, há de comungar com freqüência. Quando Jesus Cristo ensinou a fazer oração, disse que pedíssemos o cão corporal e espiritual de cada dia (68), juntamente um e outro; assim o entenderam e praticaram os primitivos cristãos, que cada dia davam ao corpo e à alma sua própria refeição, isto é, cada dia comungavam e comiam.
O corpo que está sadio e forte, come com freqüência e bem, o enfermo como pouco e o morto não come nada. Assim, o cristão que está espiritualmente sadio e forte, comunga com freqüência e bem, isto é, com fervor e devoção; o que está enfermo espiritualmente, comunga poucas vezes, com falta de vontade e tibieza e o que habitualmente está em pecado mortal ou morto na vida da graça, não comunga.
A capela do Santíssimo Sacramento de cada paróquia é o termômetro para conhecer os graus de caridade ou calor de amor e devoção do povo. Quando o termômetro está um grau sobre zero, o tempo está frio; quando está a doze graus, já é primavera e quando está a vinte e quatro, trinta, etc., já faz calor. Assim, quando as pessoas não comungam mais que uma vez ao ano, há muita frieza; quando comunga doze vezes ao ano, já vai melhor, e uma primavera que floresce em virtude e dá esperanças de produzir bons frutos; mas quando comunga duas vezes ao mês, cada semana ou mais frequentemente, então há muito calor, já arde aquele fogo que Jesus Cristo baixou do céu à terra e sua vontade é que arda (69).
Quando Satanás tentou nossos pais Adão e Eva, lhes disse: Comam, e serão como deuses (70). Foi um engano do pai da mentira; não foram deuses, mas escravos de Satanás e réus do inferno.
Mas como Jesus Cristo se valeu dos mesmos meios para fazer-nos o bem que Satanás empregou para fazer o mal, instituiu o augusto sacramento sob as espécies de comestíveis e nos diz em verdade: Comam, e sereis como deuses. Sereis como Eu, que sou Deus e homem. Com efeito, ao que comunga bem lhe acontece o que acontece com a barra de ferro que se coloca na forja, onde se converte em fogo; sim, assim fica endeusada a alma que comunga bem; o fogo ao ferro lhe tira a escória, a frieza natural, a dureza, e o faz tão brando que chega a derreter e se amolda ao gosto do artífice. O mesmo faz o fogo do amor divino na forja da comunhão à alma que comunga bem e com freqüência: lhe tira a escória das imperfeições, a frieza natural, a dureza do seu amor próprio e a faz tenra e branda, que se amolda completamente à vontade de Deus em tudo e por tudo, e assim diz, como Jesus ao eterno Pai: “Faça-se tua vontade e não a minha” (71).
Aos que se aproximam da sagrada comunhão Jesus lhes diz: Tomai e comei, este é meu corpo, entregue por vós. Tomai e bebei, este é o meu sangue, derramado por vós (72).  Tomai e comei, e aprendei de mim a aniquilar-vos pela glória de Deus e pelo amor de vossos irmãos, como eu me aniquilei (73). Tomai e bebei, e aprendei de mim, que fui obediente até à morte e mais além da morte de cruz (74), pois cada dia obedeço com a maior prontidão e alegria possível as palavras da consagração e obedecerei até à consumação dos séculos. Tomai e comei, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração (75), olhai como estou humilhado no sacramento. Sou um Deus escondido (76), oculto a divindade, a humanidade…, a fim de ensinar-vos esta tão necessária virtude. Imitai minha mansidão, olhai como sofro por vosso amor as irreverências, os sacrilégios, as profanações, os desprezos e injúrias.
Tomai e comei e aprendei de mim a amar-vos uns aos outros ocmo eu vos amei(77). Eu por vós fiz muito, sofri muito, e me entreguei inteiramente, de modo que não pude fazer mais; imitai-me. Estas vozes ouvem os que se aproximam com fervor e devoção da sagrada comunhão. Assim foi como se converteu o mundo; com efeito, o mundo se converteu pela pregação de Jesus crucificado e pela recepção freqüente da sagrada comunhão. Os pagãos, ao ver os fervorosos cristãos, diziam a si mesmos: “Vede como se amam” (78). Que paz!, Que serenidade! Que doçura! Que castidade! Que caridade! Que conjunto de virtudes! E este espetáculo os movia a abraçar a religião do Crucificado (79).
Quando comungamos, todos nós recebemos o mesmo Senhor Jesus Cristo, mas nem todos recebem as mesmas graças nem em todos se produzem os mesmos efeitos. Isto depende da nossa maior ou menor disposição. Para explicar este fenômeno me valerei de uma comparação natural e será o modo de enxertar as árvores: por experiência sabemos que uma árvore silvestre pouco dá frutos e este pouco nem sempre é bom; no entanto, se nesta árvore silvestre se enxerta broto de boa qualidade, dá muito fruto e bom;  o mesmo acontece no cristão fraco e descuidado, que produz poucas boas obras e as poucas obras boas estão cheias de imperfeições. Mas, se comungo bem, acontecerá com ele o que acontece com a árvore enxertada com broto de boa qualidade e dá frutos admiráveis; por isso dizia Santa Maria Madalena dei Pazzi que uma comunhão bem feita é capaz de fazer uma grande santa (80). Prosseguindo com a comparação, explicarei o modo. Os que manejam árvores dizem que para o enxerto surtir bom efeito é preciso que haja analogia entre o broto e a árvore onde se enxerta o broto e quanto mais se assemelharem, melhor será; assim quanto mais semelhança houver de humildade, mansidão, caridade e demais virtudes entre Jesus Cristo e o que comunga, maiores serão os resultados que dará a sagrada comunhão. As árvores que se enxertam se dividem em azeitosas, gomosas e aquosas, e os brotos devem ser da mesma família, de tal maneira que o broto da árvore azeitosa não pega na árvore gomosa, nem aquosa, nem vice-versa. Assim se poderá entender porque Jesus, que é um menino azeitoso, porque seu nome é como o azeite derramado (81), a comunhão, que é o broto precioso, não pega naqueles cristãos que por sua cobiça são como árvores gomosas, nem naqueles outros que por luxúria são como as árvores aquosas. Portanto, é indispensável que sejam azeitosas pela mansidão, misericórdia, caridade e demais virtudes (82).
Mas assim como não basta que haja analogia entre o broto e a árvore que se enxerta, mas são necessários cuidados e outras condições do enxertador, assim também digo que não basta que o que comunga habitualmente tenha as disposições necessárias para comungar; é ainda indispensável, para que a sagrada comunhão produza nele aquelas graças grandes, que sempre que se aproximar da sagrada mesa se apresente cada vez com mais atenção e cuidado, com mais humildade, com mais vivo desejo, como um cervo sedento (83), com mais fome e com mais sede, com mais amor. Ditosa a alma que comunga com freqüência e cada vez com nova disposição! Ah! Ela será como uma árvore plantada perto da corrente de água, que dará o fruto a seu tempo (84). Poderá dizer com o Apóstolo: “Vivo eu, mas não eu, quem vive em mim é Cristo” (85). Do mesmo modo que a árvore enxertada, se ela pudesse falar, nos diria: “Vivo eu, porque no tronco sou o que era antes; mas já não sou eu, em mim vive o enxerto, o broto que me foi colocado e este vive em mim e o fruto que dou não é conforme a árvore velha, mas conforme a nova”. Assim, pois, o cristão que comunga bem e com freqüência pode dizer: “Vivo eu, porque sou homem como antes; mas já não sou eu o que era antes, sou conforme o novo homem que entrou em mim pela comunhão, sou o que está em mim”. Como diz Jesus: “Quem come minha carne e bebe meu sangue, permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai que me enviou está vivo e eu vivo pelo Pai, assim também o que me come viverá por mim” (86). Portanto, o que comunga bem e com freqüência, pode dizer com o Apóstolo que ninguém, nem nada, será capaz de separá-lo da caridade de Jesus Cristo (87), e tudo pode naquele que o conforta (88).


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9. A santa missa

Nossos pais, Adão e Eva, desobedeceram o preceito de Deus, se rebelaram enganados por Satanás, que lhe disse: “Tomai e comei e sereis como deuses” (89).
O homem, quando peca, se rebela contra Deus e diz com as obras: Non serviam (agora não, não quero te servir) (90). Despreza a Deus, que é seu Senhor e seu Pai. Deste desprezo se queixa muito sentidamente este bom Pai, dizendo por um profeta: criei filhos e os fiz crescer e eles me desprezaram (91).
O homem, por soberba e vaidade, faz-se superior ao que lhe põe resistência, como a água, que se choca e salta por cima do que se opõe à sua corrente, já que o homem é comparado à água: tamquam aquae dilabimur (92). E somos inclinados ao mal desde um princípio (93).
Por pecado ou rebelião, o gênero humano, ou o homem, merece a pena de morte, segundo a ameaça do mesmo Deus, quem disse: Quando comeres dele morrerás, infalivelmente morrerás (94) e como o homem é um composto de alma e corpo, morre nos dois: a alma morre no instante que peca e o corpo, logo que nasce, começa a morrer.
O corpo, mais ou menos cedo, morrerá, mas depois ressuscitará por Cristo, que ressuscitará tudo (95). A alma daquele que peca mortalmente sofre duas mortes: a primeira é a privação da graça e a segunda a privação da glória do céu, a condenação da pena e sepultura eterna do inferno; da primeira morte se pode ressuscitar pelos méritos de Jesus Cristo, mas da segunda não, porque in inferno nulla est redemptio (96)
Como Deus é tão bom, não quer a morte do pecador, mas que ressuscite da primeira morte (97); para isto e para que não caia na segunda (98) está o sacrifício.
Quem oferece sacrifício coloca seus pecados sobre a vítima e esta deve morrer ou ficar destruída por eles e depois o oferente deve comer da vítima para participar dos seus méritos: eis aqui o porquê da missa e comunhão. E o concílio de Trento deseja que em todas as missas os fiéis que assistem comunguem nelas (99).
O pecado é de uma malícia infinita pela razão do objeto ofendido, que é Deus e, por isso, só um Deus feito homem podia dar uma digna satisfação à divina justiça.
Esta digna satisfação a deu Jesus Cristo uma vez no Calvário, morrendo em uma cruz por todos; mas depois é preciso que se faça em particular esta aplicação (100), como se faz na santa missa, segundo mandato de Jesus Cristo, dizendo: Hoc facite in meam commemorationem.(fazei isto em minha memória) (101). E como as pessoas irão se sucedendo e continuando até a consumação dos séculos, assim também continuará este sacrifício até a consumação dos séculos, segundo a promessa do mesmo Jesus Cristo com estas palavras: Eis que estarei convosco até a consumação dos séculos (102).
Por meio do que disse até aqui, você já quais as razões pelas quais se deve continuar este santo sacrifício da missa até o fim do mundo e a obrigação que têm os cristãos de assistir a ele a fim de participar dos seus méritos. Mas como de algum tempo para cá vejo que alguns cristãos facilmente se dispensam de assistir a missa, não obstante o preceito terminante da Igreja, nossa Mãe, me vejo na obrigação de explicar-lhe a razão; e o motivo é que o vírus protestante infiltrou no coração destas pessoas (103). Você deve saber que no princípio do século XVI o doutor Martinho Lutero disse que deveria ser tirada a missa; e em prova disto citou o testemunho de Satanás, que em uma conferência noturna lhe disse que lhe havia sido demonstrado isto com argumentos irrebatíveis.
Carlostadio, que se gloriava de ter sido professor de Lutero por ter-lhe dado o título de doutor, também tirou a missa.
O suíço Zwinglio ensina também que se deve omitir a missa e diz que assim aprendeu de um fantasma que lhe havia aparecido a ele em sonhos. Calvino ensinou o mesmo e assim todos os seguidores do protestantismo (104).
Realmente não se é de estranhar isto, porque o protestantismo não foi nem é atualmente outra coisa que uma violenta explosão de todas as paixões rancorosas contra a Igreja católica, apostólica, romana (105); e como os mistérios do amor não podem associar-se com os sistemas inventados pelo ódio, do mesmo o homem carnal não pode  perceber nem entender as coisas espirituais (106), eis aqui por que razão os protestantes não têm missa nem os filósofos carnais têm apreço por ela, e finalmente, alguns cristãos já não assistem a santa missa porque são cristão carnais e contagiados pelos protestantes.
Ah! Se alguém dos primeiros cristãos se levantasse do sepulcro, ao ver o que acontece entre os cristãos de hoje, diria: Video christianos, christianorum mores non vídeo (vejo os cristãos, mas não vejo os costumes dos cristãos). Naquele tempo, todos os cristãos assistiam cada dia com devoção a santa missa e todos comungavam nela com grande fervor. E agora? Ai! Que vejo! Volto a esconder-me debaixo da pedra sepulcral para não ver o que acontece entre os cristãos. Temo que lhes seja dito que lhes será tirado o reino de Deus e será dado a outros que produzam frutos de boas obras (107).
Assistamos nós o santo sacrifício da missa, não só nos domingos e festas e dias de preceito, por ser um dever, mas também nos demais dias por devoção (108). Devemos oferecer este santo sacrifício a Deus não só para dar-lhe satisfação de nossas faltas, culpas e pecados, mas também em reconhecimento do seu supremo domínio sobre nós e em testemunho dos benefícios e graças que Ele nos dispensa continuamente, pois tudo o que temos dele recebemos; e em agradecimento por tantas graças recebidas, isto é, devemos assistir este sacrifício que o mesmo Jesus Cristo oferece ao eterno Pai por nós. Ele é a principal oferenda e a vítima oferecida. Jesus Cristo é o advogado que temos no céu com Deus Pai, que intercede por nós, como diz São João (109). E, além disso, o temos sobre o altar, que sempre intercede por nós, como assegura São Paulo (110).
Certamente que não basta, nem é suficiente, cumprirmos, como bons cristãos, o mandato da assistência à santa missa e da comunhão nela para fazer-nos mais participantes dos méritos de Jesus Cristo; é, além disso, indispensável que sejamos sacerdotes ou sacrificadores, não só na missa, juntamente com Jesus Cristo, sacrificador invisível e o sacerdote, sacrificador visível, devemos oferecer-nos também a nós mesmos como vítimas para a glória de Deus e em satisfação das nossas culpas e pecados (111). Os maus não são contados por Deus como sacerdotes, nem seu sacrifício pode ser aceito e agradável, por não ser sacrifício de justiça, que é o único aceito.
Este sacrifício que fazem de si os bons é muito agradável aos olhos de Deus e muito satisfatório por suas faltas e as da nação inteira, como se lê na sagrada Escritura (112).
Disse um dos mártires macabeus: “Eu entrego meu corpo e minha vida à morte. Sobre mim e meus irmãos se acalmará a justa indignação do Onipotente, que está irritado contra nossa nação” (113). E com efeito, assim foi; por meio do sacrifício destes mártires, a ira se mudou em misericórdia: : Ira enim Domini in misericordiam conversa est (114).
Sobre aquelas palavras do Apóstolo aos Colossenses: “Eu que no presente me alegro por saber que padeço por vós e por saber que estou sofrendo em minha carne o que falta na paixão de Cristo em seus membros, sofrendo trabalhos em prol do seu corpo místico, que é a Igreja” (115), dizem os expositores que os méritos de Jesus Cristo são de infinito valor em si mesmos e suficientes para redimir milhares de mundos; mas o eterno Pai não os aceitou senão com a condição de que os adultos façam sua parte nesta paixão para poder gozar do seu fruto; isto é, devemos cooperar ouvindo a santa missa, recebendo a sagrada comunhão, fazendo oração, sofrendo com mansidão e paciência as calúnias, penas e trabalhos, mortificando as paixões e sentidos e oferecer tudo a Deus.
Mas singularmente nas públicas calamidades, nas que padecem os inocentes o mesmo que os culpados, e talvez mais, se cumpre assim a condição e vontade do Pai celestial. Os culpados padecem como réus, e se depois deste castigo não se convertem, é para eles motivo de maior ruína e condenação. Mas os bons, sofrendo com paciência e resignação, se purificam ainda mais de suas imperfeições e crescem na virtude, de modo que se fazem  mais agradáveis aos olhos de Deus e com suas penas bem sofridas dão cumprimento ao que por decreto divino faltava à paixão de Jesus Cristo, como foi dito. Assim é como se acalma a divina justiça e se alcançam as divinas misericórdias. Em prova desta verdade basta ler as sagradas Escrituras e a história eclesiástica. Quantas vezes nações inteiras foram perdoadas pela penitência, paciência e oração dos bons! Quantos bens, graças e conversões não alcançaram as penas e o sangue dos mártires!
Na verdade, não seria contra a razão dizer que o inocente, o santo por excelência, padeça e morra para salvar os pecadores e que a multidão dos pecadores não sofra nada? Desta multidão de pecadores, uns são maus, perdidos e obstinados e outros são pecadores justificados ou que devem ser purificados. Padecer dos males não serve para acalmar e satisfazer a divina justiça, antes, a provocam mais com as maldições e blasfêmias que os pecadores vomitam e com os pecados de toda sorte que cometem; mas os pecadores justificados, como pela graça estão unidos com Deus, seus sofrimentos e méritos estão unidos com os de Jesus Cristo. Por isso, todos os bons são chamados às penas e sofrimentos, como diz São Paulo: que todos aqueles que querem viver piamente em Cristo Jesus padecerão perseguições, mais ou menos segundo seus progressos na perfeição (116). Isto diz Cornélio a Lápide, quando fala das penas de Maria Santíssima ao pé da cruz, que quanto mais santa é uma alma e mais perto de Cristo está, tanto mais Jesus Cristo lhe oferece o cálice da sua paixão (117).
Mas devemos nos animar muito por pensar que se com Cristo padecemos sobre a terra, com Ele mesmo reinaremos no céu (118); e devem ser para nós de grande consolo aquelas palavras que o Arcângelo São Rafael disse a Tobias: “Porque és agradável aos olhos de Deus, foi necessário que a tentação te provasse” (119). Alegremo-nos, pois, em meio a penas, ao ver que somos dignos de sofrer algo por seu amor (120), por nossos defeitos, para juntar méritos para o céu e para satisfazer pelas faltas, culpas e pecados de nossos irmãos e poder assim alcançar para eles a misericórdia, a graça e a glória. Este é o sacrifício que de nós mesmos devemos oferecer ao eterno Pai, juntamente com os méritos de Jesus Cristo, de Maria Santíssima, santos do céu e justos da terra.

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