sexta-feira, 30 de julho de 2010

BUX, Nicola. La riforma di Benedetto XVI: la liturgia tra inno- vazione e tradizione. No capítulo VI – Come incontrare il mistero – Bux inicia com uma persuasiva afirmação: perdeu-se o senso da liturgia, porque foi perdido o senso da presença de Deus entre nós. O autor deseja trazer elementos específicos para uma vivência litúrgica que respeite seus elementos mais profundos. Despende algumas páginas sobre o “serviço sacerdotal” onde afirma que “la santa messa è come un’opera musicale scritta da un autore: va eseguita con fedeltà e non interpretata”. Em outra seção, fala da participação dos fiéis. Segundo o autor, o culto ca- tólico passou da adoração de Deus ao exibicionismo do padre, dos ministros e dos fiéis, com a piedade sendo abolida e liquidada pelos liturgistas como devocionismo, negando formas espontâneas de devoção de piedade.

 A liturgia foi um dos grandes temas que mobilizaram os católicos
no século XX. O desenvolvimento do movimento litúrgico na Bélgica,
França e inclusive no Brasil, acendeu animosidades entre aqueles
que visavam uma liturgia mais viva e aqueles que defendiam a
permanência daquela estabelecida por Pio V, na esteira do Concílio de
Trento. Podemos dizer que o Concílio Vaticano II foi um dos momentos
mais importantes do século XX sobre a questão litúrgica, já que, com
a sua Constituição Sacrosanctum Concilium, lançava novo olhar sobre
ela. As lutas interpretativas em torno desse documento, e não só dele,
mas de todos os textos conciliares, levaram ao que alguns denominam de
“abusos” na prática litúrgica, apontando assim para um olhar negativo
em relação a todo o Concílio, o que levou aos sérios afastamentos,
até ao cisma de Marcel Lefebvre e seus seguidores em 1988. Para o
arcebispo, a missa tridentina era a “missa de sempre” e assim deveria
continuar. A fim de aproximar-se desses grupos no seio da catolicidade,
J. Ratzinger, que acompanhou a criação da Comissão Ecclesia Dei,
especialmente constituída para dialogar com os grupos tradiciona-
listas, publicou, em 2007, o motu proprio de Bento XVI Summorum
Pontificum, possibilitando, desde então, que a missa tridentina pudesse
ser realizada sem a prévia permissão do bispo, como era anterior-
mente acordado. Mais uma vez não faltaram reações exaltadas.
Enquanto uns comemoravam o documento, pela renovada possi-
bilidade de terem a missa tridentina sem precisarem seguir burocracia,
que não raramente não resultava como viam no documento de Bento
XVI mais um ato de traição ao Concílio e sua carga de renovação.
Para incendiar ainda mais a conjuntura, em mais um passo de apro-
ximação, o Papa levantou as excomunhões dos bispos lefebvristas em
janeiro passado. Uma defesa do documento e da atitude de Ratzinger
pode ser lida no livro do consultor da Congregação para a Doutri-
na da Fé, Nicola Bux, La riforma di Benedetto XVI: la liturgia tra
innovazione e tradizione. Prefaciado pelo célebre jornalista Vittorio
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 130-134, jan./abr. 2009
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Messori, Bux trata dos significados da liturgia e das batalhas travadas
em torno dela.
Nos capítulos 1 e 2 – La sacra e divina liturgia e A chi ci avviciniamo
con il culto divino – Bux dá sua compreensão do que significa a liturgia,
quais seus papéis, sua relação com a sacralidade. Para ele, deve-se
retomar a ideia de que existe uma continuidade entre a Igreja, que nasce
do Vaticano II, e aquela que existe antes dele. Deve-se olhar para o
passado, recebê-lo e renová-lo. Isso seria a verdadeira reforma. Assim,
afirma que “senza critica orgogliosa e presunzione aspra, non scaricando
il passato ma sopportandolo in continuità e così rinnovandolo”.
No capítulo 3 – La Battaglia sulla riforma liturgica – o autor
entra no cerne da discussão, ao tratar dos conflitos em torno da questão
e dos significados das posições de Bento XVI sobre o tema. Citando
Ratzinger e o motu proprio Summorum Pontificum, Bux afirma que a
sua promulgação visa à reconciliação com os lefebvristas e a superar a
ruptura operada no processo de reforma litúrgica, que contrapunha o novo
rito ao antigo. A fim de defender a perspectiva de que na liturgia existe
crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura, o autor traz palavras de
Bento XVI e despende algumas páginas analisando a encíclica de Pio
XII Mediator Dei, o documento sobre liturgia mais importante antes
do Vaticano II. No documento pode-se perceber, segundo Bux, que “la
tradizione è necessaria e l’innovazione ineluttabile, ed entrambe sono
nella natura del corpo ecclesiale come del corpo umano”. O autor trata
das contendas nascidas da promulgação do Novus Ordo Missae por Paulo
VI, em 1969, da chamada “intervenção Ottaviani” e de algumas atitudes
que considera desvirtuamentos do projeto original da Sacrosanctum
Concilium e do Papa Montini.
No quarto capítulo – La tregua del papa – Bux trata do motu
proprio Summorum Pontificum e traz um pouco da história dos missais.
Segundo ele, o documento teve três escopos centrais: favorecer a
reconciliação interna da Igreja; oferecer a todos a possibilidade de
participar da “forma extraordinária”, garantir o direito ao povo de
Deus ao uso da “forma extraordinária”. O documento viria a corrigir a
ideia, tanto de progressistas quanto de tradicionalistas, de que o missal
romano, publicado pela última vez em 1962, e o missal de Paulo VI
estavam em contraposição. Bento XVI afirmava que eram “due stesure”
do desenvolvimento de um mesmo rito. Dessa forma, o Papa reafirmava
sua, podemos dizer, hermenêutica da continuidade, tema tratado pela
primeira vez por ele em um discurso aos cardeais, no Natal de 2005.
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 130-134, jan./abr. 2009
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Assim afirma no documento: “Non c’è nessuna contraddizione tra l’una
e l’altra edizione del messale romano. Nella storia della liturgia c’è
crescita e progresso, ma nessuna rottura. Cio che per le generazioni
anteriori era sacro, anche per noi resta sacro e grande e non può essere
improvvisamente del tutto proibito o, addirittura, giudicado dannoso.
Ci fa bene a tutti conservare le ricchezze che sono cresciute nella fede
e nella preghiera della Chiesa, e di dar loro il giusto posto”. Para Bux,
a atitude do Papa vem no sentido de se achar o equilíbrio: primeiro,
inserir novamente na unidade os tradicionalistas, especialmente os
seguidores de Lefebvre e, segundo, demonstrar aos “inovadores” que
a liturgia não é propriedade privada e que não deve ser manipulada
ao livre gosto. Segundo o autor, logo após a promulgação do motu
próprio, surgiram algumas interpretações equivocadas, como aquelas
que afirmam que a atitude do Papa se deu apenas para aproximar os
tradicionalistas. Para Bux, ao contrário, o documento visava demonstrar
que a antiga liturgia jamais tinha sido abolida e que “l’aggiornamento
di Papa Giovanni del messale del 1962 non può essere contrapposto a
quello di Paolo VI avvenuto otto anni dopo, ma tenuto insieme come una
ricchezza: appartiene alla regula fidei come espressione straordinaria e
non eccezionale, accanto a quella ordinaria e normale”.
No capítulo 5 – La crisi ecclesiale e il crollo della liturgia – Bux
trata de alguns aspectos crise pós-conciliar no campo litúrgico. O
estudioso faz uma defesa ampla do motu proprio Summorum Pontificum.
Para o teólogo, a crise que se abateu sobre a liturgia foi devido ao fato
de que, no centro da ação litúrgica, frequentemente, não está mais Deus
e a adoração a Ele, mas os homens e a comunidade. A crise começa,
quando a liturgia deixa de ser vivida como adoração em Jesus Cristo na
Trindade e como celebração de toda a Igreja e se aprofunda, quando se
extravia o espírito da liturgia, reduzindo-a a uma autocelebração de uma
comunidade particular. Para corroborar sua afirmação, Bux cita palavras
retiradas das memórias pessoas de Joseph Ratzinger: “Sono convinto che
la crisi ecclesiale in cui oggi ci troviamo dipende in gran parte dal crollo
della liturgia”. A tese central do capítulo é que o motu proprio de Bento
XVI significa mais um ato de Bento XVI em prol da hermenêutica da
continuidade do Vaticano II. Se, por um lado, os tradicionalistas afirmam
que a Igreja pré-conciliar foi traída pelo Concílio, os progressistas
defendem que a Igreja pós-conciliar traiu o Concílio. Ambos os grupos
partem, assim, de uma interpretação descontínua do Vaticano II. Bux
nos diz: “L’unico modo di capire il motu proprio è quindi di inquadrarlo
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come ulteriore sviluppo in continuità con tutta la tradizione della
Chiesa [...] nel senso della continuità della comunione cattolica anche
in ambito liturgico, tra tradizione e innovazione”. Dessa forma, o missal
de Paulo VI (1969) constitui uma renovatio do missal promulgado por
Pio V em 1570.
No capítulo VI – Come incontrare il mistero – Bux inicia com uma
persuasiva afirmação: perdeu-se o senso da liturgia, porque foi perdido
o senso da presença de Deus entre nós. O autor deseja trazer elementos
específicos para uma vivência litúrgica que respeite seus elementos mais
profundos. Despende algumas páginas sobre o “serviço sacerdotal”
onde afirma que “la santa messa è come un’opera musicale scritta
da un autore: va eseguita con fedeltà e non interpretata”. Em outra
seção, fala da participação dos fiéis. Segundo o autor, o culto ca-
tólico passou da adoração de Deus ao exibicionismo do padre, dos
ministros e dos fiéis, com a piedade sendo abolida e liquidada pelos
liturgistas como devocionismo, negando formas espontâneas de devoção
de piedade.
O último capítulo – Un nuovo movimento liturgico – passa a ser
um clamor por uma nova forma de pensar a liturgia, não mais como
uma ruptura, mas sim como algo orgânico e que respeite o passado.
Para Bux, a renovação conciliar da liturgia tem ainda riquezas nãoexploradas,
que necessitam ser colocadas em andamento, além de
correções e integrações. O autor chega a sugerir algumas formas de
reverter a “confusão” que se instalou na liturgia: a instituição de “visitas
apostólicas” para a liturgia, já que, devido à crise de obediência, os
documentos da Congregação para o Culto Divino ficam sem a devida
acolhida; que os reitores e diretores das faculdades teológicas estejam
conscientes das “deformações” e do “modo reto de celebrar”; promover
encontro de sacerdotes e seminaristas dos movimentos eclesiais, que
são atentos à disciplina da Igreja; estudar o Magistério eclesiológico e
litúrgico de Pio XII (encíclicas Mystici Corporis e Mediator Dei) e a
tradição litúrgica do Oriente. Bux tem como documento-chave de suas
considerações a Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis.
A visão de liturgia e de Igreja que é trazida por Nicola Bux, nessa
obra, é aquela orgânica, ligada estritamente ao âmbito eclesial e que
reporta inúmeras vezes ao próprio pensamento de Bento XVI. O que
podemos entrever em suas linhas é uma defesa da conduta seguida
por Ratzinger na sua aproximação com os grupos tradicionalistas,
principalmente com os padres da Fraternidade Sacerdotal São Pio X
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 39, n. 1, p. 130-134, jan./abr. 2009
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(FSSPX), e uma estratégia bem-pensada, contudo não tão bem-executada
(vide a “questão Richard Willianson”): a de pôr mais uma pedra sobre
a hermenêutica da ruptura (base das gramáticas tradicionalistas e
progressistas), a principal responsável, segundo o Pontífice, da chamada
“crise pós-conciliar”. A partir da liturgia, Bento XVI coloca mais uma
pedra, senão a mais pesada delas.
Rodrigo Coppe Caldeira
PUC-Minas/ISTA