quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O DIA-A-DIA DE SANTO AFONSO DE LIGÓRIO



“(...) A Regra concedia 6:30 horas de sono por dia. Mas Afonso se contenta com apenas cinco. Levanta-se uma hora e meia antes dos outros; acaba de acordar com a administração de uma disciplina e acorre ao coro, onde a comunidade, bem mais tarde, vai juntar-se a ele para a meia hora de meditação em comum. Após as horas menores do Ofício Divino, recitadas sem canto com os padres, ia para o seu quartinho no primeiro andar – 10 palmos por 12, ou quase 2 metros e meio por 3, como o de todos os outros – para cinco horas de trabalho: negócios do Instituto, atendimento dos confrades, cartas escritas por ele ou ditadas em pequenas frases claras e nervosas em que salta de um assunto para o outro sem transição... e ‘Vivam Jesus, Maria, José e Teresa!’

E depois, o trabalho intelectual: livros para ler e para escrever. Em sua pequena mesa de madeira branca, um grande Crucifixo ao pé do qual escreveu com seu sangue: ‘Meu Jesus, tudo por Ti!’, a imagem de Nossa Senhora do Bom Conselho e o grande pedaço de mármore que aplica à fronte quando a dor de cabeça é muito forte. Se um importuno se arrasta a uma prosa inútil, o Pai, levantando-se, lança-lhe seu célebre ‘Orsù!’, ‘Vamos! Reze a Deus por mim e eu rezarei por você’, e o indiscreto se encontra no corredor a sorrir. Quer esteja só, quer em companhia, Afonso é sempre ele mesmo: olhares, orações, palavras de amor são desfechados espontaneamente em direção de Jesus ou de Maria; a cada quarto de hora, à batida do relógio, diz uma Ave-Maria cheia de fervor.

Ainda não celebrou a Missa; ele gosta de preparar-se para ela longamente, de dar-se tempo para ter mais fome dela e de a ela se achegar já com o trabalho, com os cuidados e com as intenções da metade de um dia já corrido. Lá pelo meio-dia vai ao oratório, faz sua preparação imediata durante meia-hora e celebra a Santa Missa, imóvel e com o rosto afogueado. Depois, de joelhos, faz sua ação de graças durante o almoço da comunidade. À ‘segunda mesa’, isto é, com o cozinheiro e com os que ficaram presos pelos seus encargos, toma, então, em silêncio, somente uma sopa, salpicada de aloés, ou de genciana, ou de arruda, ou de absinto – que ele varia para não se acostumar com sua amargura – e algumas frutas que salga para não sentir-lhes o gosto. ‘Eu as digiro melhor assim’, explica a quem se admira disso. Às quartas, sextas e sábados toma seu ‘banquete’ de joelhos. Bebe somente água, água que jamais toca entre as refeições por mais intenso que seja o calor.

Quando ele não lava a louça, vai ter com a comunidade para os últimos minutos do recreio. Fala-se de Deus, das missões, de moral, o que não impede que seu humor alegre, brincalhão até, divirta a todos. O Padre Villani, seu confrade, representa-o com ‘um ar paradisíaco no semblante... doce, alegre e gentil’. Muitas vezes põe-se ao cravo e ensina a seus confrades um de seus cânticos espirituais que encantará o povo nas missões. Em seguida é hora da sesta. Ele insiste que os seus a façam por motivo de saúde e de repouso. Quanto a ele mesmo, com o calçado nas mãos para não perturbar-lhes o sono, dirige-se à igreja para fazer companhia ao Senhor no Seu Sacramento.

Hora, em verdade, muito curta para seu amor. Ao toque da campainha, volta à sua cela para a leitura espiritual e para a meditação prescrita pela Regra – meia hora para cada uma delas. Seu vizinho de quarto, o estudante Lucas Miguel de Michelis, é quem narra: ‘Em certo dia de setembro de 1759, durante a meditação da tarde, tendo minha cela junto da de nosso Pai, entreabri a porta de sua cela, julgando estar entrando na minha. Ele estava de joelhos, com o semblante resplandecente, olhos fixos, na postura de um santo em êxtase. Ao rumor, feito por mim, ele estremeceu, sem contudo mudar de atitude. Tive a impressão de que eu ia desmaiar, e me afastei completamente aturdido.’

Após os ofícios da Véspera e das Completas, o trabalho de quarto prende o Pai até ao Ângelus da tarde, meia hora antes do pôr-do-sol. São 24 horas, na Itália do século XVIII (as horas começavam a contar-se a partir do pôr-do-sol). Para ele e para toda a comunidade o dia seguinte começa com a meditação e com os ofícios das Matinas e Laudes. Sua refeição da noite quase não lhe toma tempo: um copo de água, raramente mais. Desse modo ganha uma hora de trabalho a mais antes de ir participar dos vinte minutos de recreio, das preces da noite e do Terço com os irmãos-coadjutores. Ele o prolonga com a visita à Virgem, com a Via-Sacra e com uma longa vigília de preces e de trabalho. E não se deita antes de infligir-se, sobre as costas, uma severa saraivada de golpes de disciplina, que leva até ao sangue duas ou três vezes por semana. Retira ele, para tentar dormir, o colete de crina guarnecido de pontas e a cruz armada de pregos que lhe servem de escapulário durante o dia?... Perante essa crucifixão diurna e noturna podemos pensar na palavra de são Paulo: ‘Completo em minha carne aquilo que faltou à Paixão de Cristo, em favor de Seu Corpo que é a Igreja’ (Cl 1,24).

Tal é o dia do Reitor-Mor. O cálculo é fácil: dez horas de trabalho, oito de oração, cinco de sono, uma de repouso e recreio... Ó tremenda santidade!”

(Padre Théodule Rey-Mermet, C.S.S.R., in: AFONSO DE LIGÓRIO. Editora Santuário, Aparecida:1984, páginas 514 e 515.) 
 
fonte: a grande guerra