terça-feira, 27 de janeiro de 2009

ENTREVISTA A MONS. FELLAY SOBRE O MOTU PROPRIO


Monsenhor, um ano após a promulgação do Motu Proprio Summorum Pontificum pode-se estabelecer um balanço?

Mons. Fellay: O Motu Proprio, no contexto Catual, é um gesto que raia pelo milagre e por causa dele o Papa tem direito ao nosso pleno reconhecimento.
Deve-se considerá-lo como uma etapa importante, mas não como a conclusão da crise que conhecemos há vários decénios. Direi mesmo, que ele é uma etapa que levanta problemas novos, porque esse documento modifica a configuração geral em que a Igreja se encontra desde o pós concílio.

“No fundo, o essencial do Motu Proprio está nestas duas palavras «numquam abrogatam», a Missa tridentina jamais foi abrogada. A finalidade desse documento, que é um documento legislativo, é manifestamente fazer entrar, de novo, na prática da Igreja, o uso da Missa tradicional. Ele se apresenta como uma revisão dos textos precedentes que tratavam dessa questão, os indultos de 1983 e 1988. Ora, um indulto é uma lei particular, uma privata lex, que concedce um privilégio, que consente com uma excepção com relação à lei comum. Na maior parte do tempo, essa excpeção está ligada a certas condições.

E os dois indultos exprimiam muito fortemente as condições requisitadas: aceitar o Concilio e a nova Missa, sem falar das outras condições arbitrariamente acrescentadas pelos Bispos. Pois bem, no Motu Próprio não se impõe nenhuma condição.
Dir-me-á o senhor: “Sim, mas nele se fala em reconhecer a santidade da Missa´”.

Isso não está no Motu Proprio, mas na carta que o acompanha. O facto de que existam dois documentos obriga a distinguir seu valor. Se o Papa queria dar o mesmo valor a tudo, se era preciso compreender o Motu Proprio à luz da carta que o acompanha, ele não teria feito senão um único documento.

Esse Motu Proprio é um acto legislativo absolutamente único na história da Igreja, e por isso ele suscita problemas novos que vão complicar a situação para as autoridades romanas.



Com efeito, declarar que a Missa tradicional não foi abrogada, é reconhecer seu estado anterior: o de uma lei universal. Essa Missa é, e sempre foi, a Missa da Igreja. O problema, é que desde então as autoridades romanas fizeram uma nova Missa, e portanto uma nova lei universal. De modo habitual, quando o legislador faz uma nova lei, dessa lei suprime a precedente. Tomemos um exemplo simples: se um legislador decide que se deve dirigir do lado esquerdo, e se um outro legislador decide em seguida que a direcção deve será à direita, a promulgação da segunda lei, anula a primeira. Ora, jamais se viu em toda a história da Igreja, uma tal revisão da lex orandi como a que foi feita pela revolução litúrgica segundo o Concílio Vaticano II. E é nesse contexto que o Papa afirma que a primeira lei não foi abrrogada..

É como se se dissesse que fosse possível dirigir à direita e à esquerda. É por isso que a primeira parte do Motu Proprio tenta explicar porque se não justifica uma tal situação, a saber, a existência de duas leis universais tratanto do mesmo objecto. E é assim que nos dizem que há duas formas de uma única Missa, uma forma ordinária e uma forma extraordinária. Mas essa explicação é fabricada por razões políticas evidentes. Na realidade, isso não se mantém de pé. É inaceitável, porque isso se choca de frente com a evidência dos fcatos. Entretanto, essa colocação em pé de igiualdade das duas Missas suscitou críticas da parte dos tradicionalistas. E com razão, porque ela é inaceitável. Mas parece-me que é mais uma consequência que um princípio.

O Motu Proprio não tem por fim afirmar que as duas Missas são uma só, segundo uma forma ordinária e uma forma extraordinária. Não! A finalidade desse documento é instituir um acto legislativo que reintroduza a antiga Missa na vida da Igreja.

E isso é um passo adiante. A questão é saber: um passso em que dirceção? Esperemos que seja na boa direção! É preciso notar que em parte alguma do próprio documento se acha a palavra “proibido”. Em nenhum lugar é dado, seja ao padre, seja ao Bispo, o direito de proibir a Missa de sempre. Sempre os termos usados antes são «conceder de boa vontade, « acolher favoravelmente o pedido». Há sempre aberturas em favor da antiga Missa. E se houver um problema, será preciso direcioná-lo à autoridade superior, que deverá buscar uma solução. Vão se examinar as coisas para resolver os problemas.

Há verdadeiramente nisso uma vontade do Papa de fazer um retorno da liturgia tradicional na Igreja. Mas esse retorno não é completo, não é exclusivo, e ele cria problemas. Entretanto, reconhecei que quando se vê alguém que quebrou a perna, e que pela primeira vez coloca o pé no chão, depois de tirar o gesso, a gente festeja esse primeiro passo.

Ninguém vai exigir desse doente que ele corra como uma pessoa sadia .Aplaudir-se-á esse primeiro passo, mesmo se ele for claudicante, e esperar-se-á o melhor para depois. O Motu Proprio não é o milagre do paralítico que foi curado em um instante, e que começa a saltitar com seu leito às costas. Esse cato jurídico é pelo menos claudicante, mas é um passo. Devolveu-se à Missa o lugar que ela sempre teve, lugar que ela não tinha há 40 anos. Eis porque podemos nos rejubilar.

Fonte:Nouvelles de Chrétianté, Nº 111 Mai - juin 2008 R26;