sábado, 31 de janeiro de 2009

INTREVISTA A MONS . FELLAY (CONT.)



Como hamonizar o Motu Proprio - que é um avanço, diz V. Excia., - com essa vontade de manter o ensinamento conciliar ?

Sobre esse ponto, só se pode experimentar, uma grande perplexidade. E isso tanto mais que o Papa, ao mesmo tempo que cobre de sua autoridade esses documentos oficiais, manifesta com o Motu Proprio a intenção de reabilitar não só a Missa tridentina, mas também toda a liturgia tradicional. Ele declara que permanecem em vigor a Missa sob todas as suas formas, Missa de casamento, Missa de Requiem, mas também todo o ritual tradicional, todos os sacramentos e mesmo o breviário. Se apenas a Missa fosse reconhecida, isso seria uma coisa muito banal.

Sabe-se muito bem que durante todos esses anos de indulto, certos Bispos tentaram limitar a vida litúrgica tradicional à Missa, até obrigando os fiéis a irem se confessar ao pároco de sua paróquia que, de todo modo, se reservava os batizados, e os enterros. Nos Estados-Unidos, os Bispos puseram-se de acordo: havia uma Missa de idulto por diocese, e nela deveria haver um mínimo de duas horas entre o fim da Missa nova e o início da Missa tridentina para separar bem as coisas.

Os Padres tinham a obrigação de pregar, nessa Missa, sobre os benefícios do Vaticano II . A coleta de esmolas era para a paróquia que conservava o monopólio dos demais sacrementos, segundo o ritual moderno. Vê-se bem que o Papa não se situa nessa ótica.

O estatuto da Missa tridentina, com o Motu Proprio é de novo o de uma lei universal. Não é mais uma lei particular, um indulto. E é bem isso que saudamos, o que não quer dizer que estamos de acordo com tudo o que se acha no próprio texto, principalmente com essa idéia insustentável de duas formas para uma só Missa.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo que é reconhecida a não abrogação da Missa tridentina, são anunciadas certas mudanças. De um lado, se diz que é preciso não misturar os ritos ordinário e extraordinário, mas de outro lado, espera-se que eles mutuamente se fecundem. Diz-se que será preciso fazer entrar alguns santos novos, sem falar directamente de um novo calendário para a liturgia tradicional. Do mesmo modo, ouve-se dizer que o novo leccionário poderia vir a ser enriquecido dessa liturgia tradicionalR30;

Mas não se disse que o Papa quase não era apoiado nem em Roma, nem nas dioceses nessa restauração da antiga Missa ?

É certo que Bento XVI para promulgar esse Motu Proprio teve que enfrentar pressões terríveis. Soube que o Papa disse a seu círculo mais íntimo: «Nunca sofri tanto em toda a minha vida do que com esse Motu Proprio ». Mas ele acrescentava esta frase: « Eu devia fazê-lo por motivo de consciência».



O Papa faz questão disso, e ele não cede, mas ele não pode contar com o apoio dos Bispos. Essa oposição episcopal é enorme. Sabe-se que houve pelo menos quatro Conferências episcopais que escreveram, antes do Motu Proprio, para dizer que elas não queriam o Motu Proprio.

Foram as Conferências da França, da Inglaterra, da Alemanha, e, com uma menor maioria, a dos Estados Unidos. Os Bispos alemães, quando de sua visita ad limina, declararam muito claramente: « Não queremos saber desse Motu Proprio». Eles dirigiram mesmo um pedido nesse sentido ao Prefeito da liturgia, o Cardeal Arinze.

Diante de tais fatos, pode-se medir a tenacidade do Papa. Realmente, ele quis aprovar esse gesto. A mesma coisa aconteceu a propósito do pro multis na Consagração, traduzido na maior parte das línguas vernaculares como sendo « por todos » e não como «por muitos».



Numa carta de 17 de Novembro de 2006,que o Cardeal Arinze dirigiu aos presidentes das Conferências Episcopais do mundo inteiro um pedido de retificação dessa tradução errada. É preciso saber que essa carta tinha sido precedida de uma pesquisa. Não tive o resultado definitivo, mas sei que, em certo momento, sobre 35 conferências episcopais que tinham respondido, somente três eram a favor do «pro multis, por muitos », todas as outras queriam manter o «por todos».

Aí também, há uma proporção enorme de oponentes, e o Papa mantem a posição contrária, colocando um ato que vai contra a colegialidade à qual entretanto ele é apegado. Ele enfrenta os Bispos que não baixam as armas, pois que, depois da carta, numerosas Conferências Episcopais, pediram a Roma uma dispensa para poder conservar o «por todos»
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As reações dos Bispos após a promulgação do Motu Proprio, nós as temos ante os olhos. Pode-se dizer que, se quanto ao direito, o estatuto da Missa antiga mudou, ao nivel dos fatos em uma muito grande parte da Igreja, quase nada mudou. Quase por toda parte os Bispos fazem tudo o que podem para incomodar a nova situaçao, como se se estivesse ainda no tempo do indulto, isto é, eles submetem à sua autorização a celebração da antiga Missa.

Assim, eles exercem um tal controle sobre o retorno da antiga liturgia que eles tornam-na praticamente impossível. Eles paralisam o Motu Proprio. A oposição é tão forte que Roma se vê obrigada a fazer um texto para a aplicação do Motu Proprio, o qual não se sabe quando vai sair, nem mesmo se poderá um dia sair. Recentemente ouvi falar de uma gaveta sem fundo para esse documentoR30; Certo é que assistimos atualmente a um conflito muito grave, no qual a questão não é a Missa, mas o poder pontifical.



Porque Bento XVI é muito apegado à colegialidade, agora ele se acha diante de um problema, que ele mesmo chama um problema de consciência, e no qual ele é obrigado a agir contra o princípio da colegialidade. O Papa se vê constrangido a fazer gestos que ele jamais faria, se ele não se encontrasse face a essas dificuldades. É por isso que devemos rezar por ele. Estamos numa nova configuração da crise da Igreja, numa situação conflituosa relativamente aguda entre o Papa e os Bispos, na qual somos apenas espectadores.

Sempre combatemos pelo retorno da antiga Missa, nós, seguramente, estamos contra o «por todos», mas agora esses elementos de nosso combate são retomados pelo Papa que se acha por isso mesmo em oposição aos Bispos. O que dá a impressão que o Papa está, se se pode dizer isso, do nosso lado.

Muitos de nossos fiéis e mesmo muitos de nossos Padres acham assim. E é nesse ponto que é preciso que sejamos vigilantes e não esquecermos os outros documentos romanos que permanecem na linha doutrinária do Concílio. Eis porque o Motu Proprio torna a situação presente mais complicada.

Muito evidentemente, há correções que vão na boa direção. Ninguém pode negar que corrigir o «por todos» restabelecendo o «por muitos», vai na boa direção. Da mesma forma, dar mais possibilidades à antiga Missa, é muito positivo. Não há nenhuma dúvida sobre isso.

Entretanto, ainda uma vez, esses atos não são completos; eles não se acompanham de um verdadeiro retorno à doutrina tradicional. E entretanto o pequeno retorno à Tradição que eles e exprimem já provoca um conflito na Igreja.