terça-feira, 10 de julho de 2012

Cinco anos depois, Summorum Pontificum é letra morta em Portugal. Algumas considerações sobre o desinteresse pela Forma Extraordinária

Cinco anos depois, Summorum Pontificum é letra morta em Portugal

Momento da consagração num casamento tridentino
Em todo o país há apenas uma celebração regular da missa gregoriana, em Fátima. Lisboa é a única capital europeia que não aplicou o motu próprio do Papa.
07-07-2012 13:01 por Filipe d’Avillez
Faz hoje cinco anos que Bento XVI publicou o motu próprio Summorum Pontificum, no qual liberalizou o uso da missa gregoriana, muitas vezes referida como missa tridentina.
Nesse documento o Papa pedia aos bispos que fossem generosos na aplicação do documento, autorizando os grupos de fiéis que assim o pedissem a assistir a essa missa nas suas dioceses.
Cinco anos mais tarde, de todas as dioceses em Portugal, só em Fátima é que existe uma celebração regular da missa gregoriana, celebrada aos Domingos às 18h30 por um padre diocesano . Lisboa é uma das únicas capitais europeias, a única entre os países de maioria católica, que não tem qualquer celebração regular daquela que passou a ser conhecida como a forma extraordinária do rito romano, desde a publicação do Summorum Pontificum.
Já Moscovo, que tem cerca de 20 mil católicos residentes, tem três celebrações regulares e Copenhaga, com menos de 40 mil, tem uma mensal.
Ignorância e medo
Marco Paulo da Vinha, presidente da Una Voce Portugal, um movimento que procura promover o interesse pela missa gregoriana, explica que há várias razões para a ausência destas missas no país.
“Há muita ignorância entre os fiéis. Muitas pessoas não fazem sequer ideia de que existe a possibilidade de assistirem a missas na forma extraordinária.”
Por outro lado, nos poucos casos em que se tem manifestado interesse a resposta da hierarquia tem sido fria se não abertamente hostil. Marco Paulo da Vinha explica que houve pedidos formais pelo menos em Setúbal e em Lisboa. No primeiro caso a autorização foi negada, no caso da capital foram levantadas várias exigências por parte do Patriarcado e o processo acabou por não avançar.
Para além de alguns fiéis, há padres que cultivam um interesse pela missa extraordinária, mas preferem nada dizer para não dar nas vistas e por medo de repercussões.
De resto, há comunidades religiosas que têm missas privadas nas suas capelas mas que não as divulgam por receio das reacções ou, no caso do Patriarcado de Lisboa, pelo menos, por proibição do Patriarca.
O presidente da Una Voce teve recentemente experiência disso ao tentar celebrar o seu casamento segundo a forma extraordinária. “Tentámos em duas dioceses. Em Leiria começaram por exigir um atestado em como todos os convidados estavam familiarizados com o rito, quando mostrámos que o Summorum Pontificum não faz essa exigência, o processo foi negado. Depois tentámos em Coimbra e o processo levou mais de cinco meses a ser aprovado”, explica.
No fim, conseguida a autorização, surgiu a dificuldade de arranjar um sacerdote disposto a celebrar. “Os padres portugueses que sabem celebrar este rito não quiserem, para não se exporem. Foi preciso convidar um padre do estrangeiro”, para celebrar a missa daquele que foi o primeiro casamento tridentino no país desde a publicação do Summorum Pontificum.
 

Algumas considerações sobre o desinteresse pela Forma Extraordinária

«Os portugueses têm uma fé muito tradicional.» Já ouvi esta expressão, em várias cambiantes, da boca de uma série de sacerdotes e leigos, dita sempre com tom de tristeza ou de frustração. Mas não somos nós uma Igreja de Tradição e, por conseguinte, de tradições? Porquê este aparente paradoxo de se lamentar sobre o “tradicional” se é a Tradição – e a sua concretização através das tradições – que dá vida à Igreja, e que é também a sua missão. Penso ser pertinente analisarmos esta questão, pois o seu esclarecimento poderá revelar algum dos motivos que levam a que a “Missa tradicional” seja ignorada, e por vezes até vilipendiada.
Comecemos pelo elementar, pelo significado da palavra “tradição”. “Tradição” tem a sua etimologia na palavra latina “traditio, tradere”, ou seja, “entregar”. Se nos cingirmos ao sentido mais literal da palavra, a tradição é, simplesmente, aquilo que é entregue (a título de curiosidade, a palavra “traição” encontra a sua raiz também em “tradere”).
A missão da Igreja é a Tradição, isto é, é entregar, passar aos outros, Aquele que lhe confiada – o espírito de Cristo, o Espírito Santo. É através d’Ele que nos unimos a Cristo, que alcançamos a vida eterna, e nos abrimos à participação na vida trinitária de Deus.
O depósito da Fé não se altera porque a Fé que recebemos dos nossos antepassados foi por sua vez recebida dos Apóstolos, que por sua vez a receberam do próprio Jesus. A Fé não é um sentimento, nem é apenas um conjunto de dogmas, um sistema filosófico ou ético-moral. A Fé é, sobretudo, uma relação pessoal do homem com Deus, que por sua vez engloba os dogmas, a moral cristã, etc. E pessoal, não no sentido de “só eu e Deus”, mas pessoal no sentido de que Deus é uma Trindade de Pessoas Divinas e eu relaciono-me com Ele e com os demais fiéis através do Corpo Místico de
Cristo, vivificado pelo Paráclito.
Mas se a missão da Igreja é a Tradição, então porquê lamentar-se dos portugueses terem uma “fé tradicional”? À partida, e tendo em consideração o que é a Tradição, tal comentário não parece fazer sentido. Só fará sentido se o significado de tradição que se estiver a utilizar for outro. É precisamente este o problema, a meu ver – o confundir os vários sentidos de “tradição”. Penso que a expressão de lamento mais castiça que já ouvi de um sacerdote a este respeito foi a de os portugueses terem uma fé do tipo “Maria-vai-com-todas”. Ou seja, o problema não é uma “fé tradicional”, no sentido de que cumpre a missão da Igreja, mas uma fé que se baseia na tradição (de “t” minúsculo) apenas pela tradição, ou seja, o encarar das tradições da Igreja como meras tradições seculares.
Apesar de vivermos num país tradicionalmente Católico, e muitos se professarem como sendo Católicos, a realidade é outra. Basta olhar para a nossa legislação, ou para o estado da nossa sociedade. Ainda se liga ao Baptismo, à Primeira Comunhão, ou outros momentos marcantes da iniciação da vida Cristã; vai-se à Missa, talvez, quando se vai à terra, ou à Missa do Galo; ocasionalmente vai-se a Fátima; mas para a grande maioria não passa de tradição secular. Baptiza-se porque é o esperado, não porque se entende o que é o Baptismo; casa-se pela Igreja porque “a cerimónia é bonita”, não porque se acredita no Sacramento ou na vocação para o Matrimónio; reza-se um responso ou faz-se uma promessa encarando-os como magia… Mas, mesmo esta abordagem secular está em vias de extinção.
Existe, até certo ponto, uma observância externa do exigido pela Fé, mas quanto ao seu entendimento, à sua internalização – a conversão interior – esse aspecto, o fundamental, é descurado, quando não mesmo ignorado. Se é neste sentido que se lamenta a “fé tradicional” dos portugueses, então sim, essa crítica é válida. Mas infelizmente associa-se essa falta de conversão interior às práticas legítimas tradicionais. Polariza-se a questão e, descuidando da observância externa, focaliza-se somente no interior. Mas é uma falsa dicotomia, pois os dois estão intimamente ligados:
lex orandi, lex credendi, lex vivendi. Este atitude de “either/or” conduz a atitudes de desprezo para com as tradições da nossa Fé: devem-se eviscerar as práticas tradicionais para acabar com a “fé tradicional”; deve-se procurar a novidade, inventar novas formas, libertas da bagagem do passado. Em suma, associa-se uma falta de fé verdadeira ao passado, decidindo-se romper com as práticas associadas a essa época para alcançar uma fé verdadeira, uma fé madura. Esta atitude, que vem sendo fomentada desde mesmo antes do Concílio Vaticano II, ignora o facto de que as nossas tradições religiosas serem uma forma de comunhão; são os caminhos “testados” que recebemos dos nossos antepassados em Cristo. São-nos entregues pela Igreja Triunfante, que alcançou a Eterna Glória por seu meio. São os caminhos que os conduziram à união com Cristo; logo, são caminhos que nos poderão conduzir também união com Ele e com eles. Verdade é que algumas particularidades destas tradições se poderão ir alterando ao longo dos séculos, mas na sua essência mantêm-se iguais. Rejeitar e/ou desincentivar práticas tradicionais é, repito mais uma vez, confundir os vários sentidos de “tradição”; é confundir a realidade secular com a espiritual. É também uma falta de consideração para com aqueles que nos procederam na Fé. É ignorar que as nossas tradições são manifestações, concretizações, legítimas da Tradição – que são “caminho”.
E isto leva-nos à questão da Missa “tradicional”. Não é novidade nenhuma dizer que existe em Portugal uma hostilidade contra o usus antiquior, seja por parte do clero, seja por parte dos leigos. Quando não existe hostilidade, há uma atitude de desprezo ou de ignorância. Aliás, parece que entre os portugueses a própria palavra tradição adquiriu um sentido pejorativo. Será que, por se designar como a Missa “tradicional”, e existir a confusão de significados a que já referimos, associa-se-lhe apenas a observância externa da Fé, desprovida de qualquer conversão interior, uma espécie de Farisaísmo? Mas se se declara que a Missa “tradicional” é apenas Farisaísmo, o que é que isso revela acerca da atitude para com aqueles que nos procederam na Fé da parte de quem faz tais declarações? Era a Fé deles vazia? Teriam uma Fé imatura? Muitas vezes ouvem-se e lêem-se comentários quase heréticos, que parecem insinuar que o próprio usus antiquior é herético!
Esta situação de rejeição e de ruptura com as nossas tradições é insustentável – resultará numa perda de identidade enquanto Católicos Latinos. Como desfazer estes mal entendidos? O nosso Santo Padre, Bento XVI, já começou a semear as sementes cujos frutos irão ajudar a desfazer esta situação. Quis com esta peça apenas colocar alguma luz sobre um assunto que vai dando muito que pensar. Não me atrevo a propor soluções, a não ser uma: considerar esta questão com humildade, começando sempre pela nossa conversão interior.

http://unavoceportugal.wordpress.com/