quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A santidade de João Paulo II a partir da sua relação íntima com Deus e Nossa Senhora

 

Postulador Slawomir Oder descreve a santidade de João Paulo II a partir da sua relação íntima com Deus e Nossa Senhora

O monsenhor aborda ainda a ligação do papa com o Padre Pio, a espiritualidade que o fazia orar noites inteiras e a vontade do pontífice de ir a Medjugorje

Mas de onde nascia o segredo da sua força, fé e santidade? De uma relação íntima com Deus, que se realizava na oração incessante, fazendo, muitas vezes, com que o beato deixasse intacta a cama e preferisse passar a noite no chão, imerso em oração. É o que nos confirma o postulador da causa de canonização, mons. Slawomir Oder, nesta entrevista concedida a Zenit.

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De João Paulo II já foi dito de tudo e escrito de tudo. Mas já sabemos mesmo tudo sobre este “gigante da fé”?

Monsenhor Oder: O próprio João Paulo II nos sugeriu qual era a chave para o conhecermos: “Muitos tentam me conhecer olhando de fora, mas eu só posso ser conhecido de dentro, do coração”. Os processos de beatificação e de canonização me permitiram chegar mais perto do coração dele. Cada experiência e testemunho foi uma pedrinha do mosaico da extraordinária figura desse pontífice. Mas chegar ao coração de uma pessoa como João Paulo II continua sendo um mistério. Podemos dizer que no coração desse papa houve um amor tão grande por Deus e pelo próximo, um amor sempre dinâmico, que ele nunca será um fato definitivo na vida.

O que o senhor encontrou de novo ou de pouco conhecido sobre Wojtyla?

Monsenhor Oder: Há vários aspectos históricos da vida dele que surgiram no processo e que são pouco conhecidos. Um deles é a relação com o Padre Pio, que ele encontrou muitas vezes. Eles mantiveram uma longa relação epistolar. Além de algumas cartas já conhecidas, como aquela em que ele pediu orações pela prof. Poltawska, sua amiga e colaboradora, descobrimos uma correspondência intensa, em que o beato pedia que o santo de Pietrelcina intercedesse pela cura de fiéis. Ou pedia orações para si mesmo, na época em que ele ocupava o cargo de vigário capitular da diocese de Cracóvia, em aguardo da nomeação do novo arcebispo, que viria a ser ele mesmo.

E o que mais?

Monsenhor Oder: Descobrimos muito sobre a espiritualidade de João Paulo II. Foi uma confirmação do que já era perceptível sobre a relação dele com Deus. Um relacionamento íntimo com Cristo vivo, especialmente na Eucaristia, de onde vinha tudo aquilo que vimos nele como fruto de extraordinária caridade, zelo apostólico, paixão pela Igreja, amor pelo corpo místico. Este é o segredo da santidade de João Paulo II.

Então, mais do que as grandes viagens e os grandes discursos, o aspecto espiritual é que é o coração do pontificado de João Paulo II?

Monsenhor Oder: Com certeza. E há um episódio muito emocionante que identifica isso muito bem. O papa doente, no final de uma das últimas viagens apostólicas, foi quase arrastado para o quarto pelos seus colaboradores. Os mesmos colaboradores, na manhã seguinte, encontraram a cama intacta, porque João Paulo II tinha passado toda a noite em oração, de joelhos no chão. Para ele, recolher-se em oração era essencial. Tanto que, nos últimos meses de vida, ele pediu no quarto um espaço para o Santíssimo Sacramento. Sua relação com nosso Senhor era verdadeiramente extraordinária.

O papa também era muito devoto de Maria…

Monsenhor Oder: Sim, e o processo de canonização também nos ajudou a ver isso mais de perto. Nós estudamos a relação profundíssima de João Paulo II com Nossa Senhora. Uma relação que as pessoas de fora às vezes não conseguiam entender e achavam surpreendente. Às vezes, durante a oração mariana, o papa parecia em êxtase, alienado do contexto circundante, como num encontro. Ele vivia uma relação pessoalíssima com Nossa Senhora.

Então também existe uma faceta mística de João Paulo II?

Monsenhor Oder: Sem dúvida! Eu não posso confirmar visões, elevações ou alocuções, que tantas vezes são identificadas com a vida mística, mas com João Paulo II havia um profundo e autêntico misticismo, que se manifestava no ato de estar na presença de Deus. Um verdadeiro místico é aquele que tem a consciência de estar na presença de Deus e que vive tudo a partir do encontro profundo com o Senhor.

Faz anos que o senhor vive em torno da figura desse homem que já era considerado santo em vida. Como é vê-lo agora elevado às honras do altar?

Monsenhor Oder: O processo de canonização foi uma aventura extraordinária. Com certeza ele marca a minha vida sacerdotal. Eu tenho uma grande gratidão a Deus por ter me colocado diante desse mestre da vida e da fé. Para mim, esses nove anos do processo têm sido uma aventura humana e um extraordinário percurso de exercícios espirituais pregados “indiretamente” pela vida dele, pelos escritos, por tudo o que surgiu deste estudo.

O senhor tem lembranças pessoais dele?

Monsenhor Oder: Eu nunca fui um dos colaboradores mais próximos de João Paulo II, mas guardo no coração várias ocasiões em que respirei a santidade do papa. Uma delas é do início do meu sacerdócio, da Quinta-Feira Santa de 1993, o ano em que o papa lavou os pés dos sacerdotes envolvidos na formação dos seminaristas. Eu era um daqueles sacerdotes. Além do valor simbólico ritual, para mim foi o primeiro contato com uma pessoa que, naquele gesto genuinamente humilde, me comunicou o seu amor por Cristo e pelo sacerdócio. Outra oportunidade veio nos últimos meses de vida do papa: ele estava doente e eu participei do jantar com ele, junto com os secretários, colaboradores e outros poucos sacerdotes. Eu me lembro daquela simplicidade e do grande calor humano, da humanidade que era evidente na simplicidade dos gestos dele.

Bento XVI declarou recentemente, em uma entrevista, que sempre soube que estava vivendo ao lado de um santo. E é famosa a ordem dele: “Façam rápido e façam bem feito”, quando autorizou o início do processo de beatificação…

Monsenhor Oder: Eu fiquei muito contente ao ler o testemunho do papa emérito. Foi a confirmação do que ele sempre fez transparecer no decorrer do pontificado dele: sempre que era possível, ele falava do seu predecessor tão querido, em particular e em público, durante as homilias e discursos. Ele sempre deu grande testemunho de afeto por João Paulo II. E, da minha parte, eu posso expressar um forte agradecimento a Bento XVI pela atitude que ele mostrou ao longo desses anos. Eu sempre me senti muito próximo e posso dizer que ele foi determinante na abertura do processo de beatificação logo depois da morte. Olhando para os últimos acontecimentos históricos, eu tenho que dizer que a Providência Divina regeu magnificamente todo o processo.

O senhor vê uma continuidade também com o papa Francisco?

Monsenhor Oder: O Magistério continua, o carisma de Pedro continua. Cada um dos papas dá consistência e forma histórica determinada pela experiência pessoal e pela própria personalidade. Não há como não ver uma continuidade. Nos detalhes, são vários aspectos em que Francisco lembra João Paulo II: o profundo desejo de estar perto das pessoas, a coragem de ir contra certos esquemas, a paixão pelo Cristo presente no seu Corpo Místico, o diálogo com o mundo e com as outras religiões.

Um dos desejos não realizados de Wojtyla era visitar a China e a Rússia. Parece que Francisco está abrindo uma estrada neste sentido…

Monsenhor Oder: É extraordinário ver que os esforços de João Paulo II por uma abertura ao Oriente tenham crescido com os seus sucessores. A estrada aberta por João Paulo II encontrou terreno fértil no pensamento de Bento XVI, e, agora, graças aos acontecimentos históricos que acompanham o pontificado de Francisco, isso vai se realizando na prática. É sempre a dialética da continuidade, de que falamos anteriormente, que é a lógica da Igreja: ninguém começa do zero; a pedra é Cristo, que atuou em Pedro e nos seus sucessores. E hoje estamos vivendo a preparação do que vai acontecer amanhã na Igreja.

Também dizem que João Paulo II tinha o desejo de visitar Medjugorje. O senhor confirma?

Monsenhor Oder: Falando reservadamente com alguns amigos, o papa disse mais de uma vez: “Se fosse possível, eu gostaria de ir”. Mas essas palavras não devem ser interpretadas como um reconhecimento ou como uma oficialidade dos acontecimentos no vilarejo bósnio. O papa sempre foi muito cuidadoso, consciente da importância do seu posto. Não há dúvida, porém, de que acontecem coisas em Medjugorje que transformam o coração das pessoas, especialmente no confessionário. Então o desejo expresso pelo papa deve ser interpretado do ponto de vista da sua paixão sacerdotal, de querer estar em um lugar onde uma alma procura Cristo e o encontra, graças a um sacerdote, através do sacramento da Reconciliação e da Eucaristia.

E por que ele não foi?

Monsenhor Oder: Porque nem tudo é possível na vida…