Quem percorrer a autobiografia do Papa Bento XVI, chamada “Minha Vida”, irá encontrar a resposta para um tema que suscita uma dúvida comum a muitos: - O que pensa o Papa Bento XVI sobre o Missal Novo e o Missal Tridentino? O Papa quando ainda era Pe. Joseph Ratzinger foi perito no Vaticano II de forma que seu testemunho é ocular, portanto, insuspeito.
A Honestidade Intelectual
Por dever preciso afirmar que o Papa Bento XVI não faz uma opção por modernistas e tradicionalistas, mas coloca os debates sob um ângulo que desmonta muitos argumentos, e tenta afastar a avalanche de opiniões de egos inflamados por simples opiniões ou de quem tenta, a todo custo, salvar a própria opinião. Por isso, será impossível para qualquer um dizer que ele se omite sobre esta questão tão importante para a saúde da fé. Também deixamos claro, e quem ler verá, que ele saudou o projeto do Missal de Paulo VI, no entanto, se mostrou extremamente preocupado como a reforma litúrgica ocorreu e como foi implementada, e mais, teceu comentários significativos sobre a revogação do Missal Tradicional, revogação esta que ele não era à favor, pois ele queria um Novo Missal Tridentino reformulado e não um Nova Missa totalmente editada num Novo Missal. Era a favor de retoques no Missal Tridentino, mas, quem no Concílio, até mesmo entre os tradicionalistas, não era? Ninguém descartou tal possibilidade, até mesmo Dom Marcel Lefebvre. A conclusão de Bento XVI foi clara: - o Missal Novo rompeu com a Tradição.
A fonte do tema
Não queremos que o leitor siga somente os trechos que estamos expondo, desejamos que ele recorra à fonte e se aprofunde sobre a questão litúrgica. Não podemos citar a obra inteira, por razões óbvias, por isso, o livro está à disposição de quem quiser dele tomar a leitura. Os excertos que apresentamos estão da página 110 à 113. Peço que o leitor seja honesto ao autor da obra e não coloque em sua cabeça pensamentos que ele não possui e não escreveu.
A Reforma Litúrgica sob a Ótica de Bento XVI. Extratos da Biografia do Papa sob o título de “Minha Vida”.
A publicação do missal de Paulo VI, com a proibição quase na totalidade do missal precedente, se deu após uma fase de transição de cerca de seis meses. O fato de, após um período de experimentações que muitas vezes tinham transfigurado profundamente a liturgia, tornamos a dispor de um texto litúrgico vinculativo. Era sem dúvida um acontecimento de louvar. Mas causou-me espanto a proibição do missal precedente, uma vez que nunca se tinha verificado nada semelhante na história da liturgia. Foi dada a impressão de que tudo aquilo era normal. O missal anterior foi editado por Pio V em 1570, no seguimento do Concílio de Trento; por conseguinte, era normal que, quatrocentos anos mais tarde e após um novo Concílio, um novo Papa publicasse um novo missal. Mas a verdade histórica é porém outra. Pio V limitara-se a mandar reformular o missal romano que estava então em uso, como no decurso da História se verificara em todos os séculos. Tal como ele, também muitos dos seus sucessores tinham mandado reformular novamente o missal, sem nunca contrapor um missal a outro. Tratou-se sempre de um processo contínuo de crescimento e purificação, que, no entanto, nunca deixava de ter em consideração a continuidade. Não existe um missal de Pio V que tenha sido criado pelo próprio. Existe apenas a reformulação que ele mandou fazer, enquanto fase de um longo processo de crescimento histórico.
O novo missal, após o Concílio de Trento, foi de outra natureza: a irrupção da reforma protestante concretizara-se, sobretudo, na perspectiva das “reformas” litúrgicas. Não havia simplesmente uma Igreja católica e uma Igreja protestante, lado a lado; a divisão da Igreja processou-se de forma quase imperceptível e encontrou a sua manifestação mais visível, e mais incisiva do ponto de vista histórico, na alteração da liturgia, que, por sua vez, se revelou bastante díspar a nível local, tanto que se tornava às vezes difícil de definir os limites entre aquilo que era católico e aquilo que já não o era. Neste contexto de confusão, que apenas foi possível pela ausência de uma normativa litúrgica unitária e pelo pluralismo litúrgico herdado da Idade Média, o Papa Pio V decide que o Missale Romanum, o texto litúrgico da cidade de Roma, uma vez que não havia dúvida que era católico, devia ser introduzido em todos os locais onde não fosse possível reclamar uma liturgia que remontasse a pelo menos duzentos anos antes”.
Nos locais em que isto se verificava, era permitido manter a liturgia precedente, dado que o seu caráter católico se podia considerar seguro. Como tal, não é possível falar de uma proibição no que diz respeito aos missais anteriores e aprovados de forma regular até àquele momento. Nessa altura, pelo contrário, a promulgação da proibição [pelo Vaticano II] do missal que tinha sido desenvolvido ao longo dos séculos, desde o tempo dos rituais da antiga Igreja, comportou uma ruptura na história da liturgia, cujas conseqüências não podiam deixar de ser trágicas. Tal como já acontecera em muitas ocasiões anteriores, era perfeitamente razoável e concordante com as disposições do Concílio que se procedesse a uma revisão do missal, sobretudo no que se referia à introdução das línguas nacionais. Todavia, o que aconteceu nessa altura foi outra coisa: destruiu-se completamente o edifício antigo e construiu-se outro, ainda que com os materiais de que era feito o primeiro e utilizando até os projetos anteriores.
Não resta qualquer dúvida de que este novo missal continha sob muitos aspectos autênticos melhoramentos e um verdadeiro enriquecimento, mas o fato de ter sido apresentado como um edifício novo, em oposição àquele que se tinha vindo a construir no decorrer da história, de se ter proibido este último e de se fazer surgir a liturgia já não como um processo vital, mas como um produto da erudição dos especialistas e da competência dos juristas, acarretou-nos prejuízos de extrema gravidade. Deste modo, desenvolveu-se na verdade a idéia de que a liturgia é “fabricada”, que não se trata de algo cuja existência nos precede, qualquer coisa de “dado”, mas que depende das nossas decisões. Conseqüentemente, daí resulta que esta capacidade de decisão não seja reconhecida apenas aos especialistas ou às autoridades centrais, mas que, em suma, cada “comunidade” queira criar a sua própria liturgia. Todavia, quando a liturgia passa a ser algo que cada um faz por si, deixa de nos dar aquela que é a sua qualidade mais genuína: o encontro com o mistério, que não é produzido por nós, mas antes a nossa origem e a nascente da nossa vida.
Conclusão
O tema a ser refletido - infelizmente muitas vezes tratado como arena de meras opiniões - deve ser colocado no plano merecido e não dos enfrentamentos passionais que roçam a razão. O Missal do Santo Padre Paulo VI está consolidado, e tem hoje paralelamente a ele – pela lavra de Bento XVI – a existência do Missal Tridentino, que é um Missal que amamos de todo coração. Nada melhor há para a liturgia do que tratar da reforma litúrgica do Vaticano II pelas letras e palavras daqueles que lá estiveram presentes e foram, por excelência, teólogos de gabarito. Muitos dos que amam a Missa Tridentina a amam por ela mesma e não por oposição ao Novo Missal, de forma que, este amor é legítimo e está voltado para a Igreja e seu bem.