FSSPX: Ecumenismo ou não?!
Por Pe. John Hunwicke[1]
Tradução: Fratres in Unum.com* – Na relação entre a Santa Sé e a Fraternidade São Pio X, há um enorme problema fundamental, o qual é tão óbvio que pouquíssimas pessoas o mencionam. Como membro de um Ordinariato, outro e bem sucedido esforço ecumênico de Bento XVI, eu tenho um natural interesse nesta questão e rezo para sua solução. Este é o locus standi desde o qual eu faço a seguinte pergunta.
Fraternidade e Vaticano… é matéria de ecumenismo ou de disciplina eclesiástica? A Fraternidade é um grupo de amados Irmãos Separados para os quais nós católicos devemos, de acordo com o mandato do Vaticano II, esticar cada um de nossos tendões a fim de conquistarmos a unidade… porque, com sua imensa riqueza espiritual, eles têm tanto a oferecer à Igreja Católica; ou é uma mera porção da Igreja Latina em uma situação canônica irregular que deve ser golpeado vigorosamente na cabeça, como os Franciscanos da Imaculada, até que se arraste abjetamente?
Ambas, Santa Sé e Fraternidade, de fato, conspiram para que se aplique o segundo modelo; Roma por causa de sua natural inclinação a exercer controle sobre a Igreja Latina; a Fraternidade porque se crê não só parte da Igreja Latina, mas até mesmo Sua única parte verdadeiramente saudável e doutrinariamente sólida.
Mas e se Roma, ao menos, tentasse o primeiro modelo? Suponhamos que se fosse tratar o “problema” que a Fraternidade tem com o Vaticano II da mesma maneira que Roma trata os “problemas” dos “nestorianos” ou “monofisitas”? Com estes, Roma está euforicamente contente em assegurar acordos Cristológicos, sem demandar explícita aceitação de Éfeso ou Calcedônia. Ou tomemos os anglicanos, aos quais, sem que aceitem as reais palavras de Trento, foi dito pelos Dicastérios, dentre os quais a Congregação para a Doutrina da Fé, que o último documento (“Clarificações”) da Seção sobre a Eucaristia da Comissão Internacional Anglicano-Católica Romana (N.T.: ARCIC, em seu acrônimo inglês) significava que “nenhum trabalho ulterior” era mais necessário nesta matéria? Ou, coloquemos de outra maneira: se o único obstáculo entre Roma e as Igrejas [Cismáticas] Russa e Grega fosse a Dignitais Humanæ, Roma realmente insistiria que nenhum progresso ulterior seria possível sem uma explícita submissão pelos Ortodoxos [sic] tanto ao documento conciliar quanto à “totalidade do Magistério pós-conciliar”?
(Pensemos nisso, dada a afeição que os hierarcas gregos e russos têm pelo conceito de Estado Ortodoxo e Bizâncio Redivivo, que esta minha última pequena fantasia não seja um cenário tão absolutamente inconcebível. Vocês leram acerca da última proposta de mudança na Constituição russa? Não seria divertido ver o Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos pedir às veneráveis comunidades do Monte Athos a elaboração de um comentário sobre a Dignitatis Humanæ para servir de base para o diálogo entre o Vaticano e a Fraternidade?)
Os burocratas da Cúria estão, pois, tentando tanto manter o bolo quanto o comer. Quando lhes apraz, eles tratam a Fraternidade como súditos desobedientes em vez de Irmãos Separados. Mas quando as exigências da polêmica o requerem, como ocorreu no final do ano passado, eles falam da Fraternidade como estando em cisma ou, até mesmo, de alguma maneira imprecisa excomungados. Mas fariam eles muito bem em pensar cuidadosamente acerca das implicações que tais juízos têm para o status do diálogo. Porque, se os membros da Fraternidade são cismáticos excomungados, então eles se qualificam ao tratamento que Unitatis Redintegratio prescreve para os Irmãos Separados[2].
Ou, para colocarmos o mesmo ponto (novamente) sobre um diverso prisma: A política do Vaticano é realmente de esperar um milênio ou meio para o tempo solidificar e amargurar ainda mais a separação entre Roma e a Fraternidade, e, uma vez que a ruptura seja suficientemente duradoura, acrimoniosa e definitiva, aí então, mas só então, proceder aos rituais fofos e sentimentais dos “braços abertos” para a “querida Igreja irmã” que constituem o processo ecumênico? Eu sei que tem um velho ditado acerca de Roma pensar em termos de séculos… mas é possível que isso seja realmente o plano?
Existe um plano?
A Unitatis Redintegratio do Vaticano II se concentrou sabiamente no que era positivo, aquilo que pode ser seguramente dito que a Igreja Católica e outros grupos têm em comum. (A mesma atitude foi adotada no que concerne às religiões não cristãs.)
Era mais ou menos como olhar a taça de vinho dos ortodoxos [sic] e dizer: “Que bom! Está três quartos (ou mais) cheia.” Mas no diálogo entre o Vaticano e a Fraternidade, o tempo todo foi gasto barganhando se a taça da Fraternidade estaria um miligrama ou dois menos do que cheio.
A Indústria católica de ecumenismo moderna não grita para o mundo ortodoxo [sic] “Vocês têm que aceitar cada palavra dos Decretos de Florença e o Magistério pós-florentino inteiro”. Ou, se faz, fá-lo silenciosamente demais para que eu possa ouvir. Um oficial da Cúria disse recentemente acerca da Fraternidade que “eles têm que mudar sua abordagem e aceitar as condições da Igreja Católica e o Sumo Pontífice”[3]. É essa a maneira que o Vaticano fala dos ortodoxos [sic]… ou dos metodistas…?
Eu penso que a situação concernente à Fraternidade é urgente. Embora o Arcebispo Lefebvre tenha sabiamente escolhido homens jovens para serem consagrados bispos, esses jovens estão agora 25 anos mais velhos. Aproxima-se o tempo em que o problema acerca da consagração de seus sucessores deverá ser encarado. Nós teremos realmente que revisitar, quando este tempo chegar, todos os argumentos intemperados e sem fim acerca do Estado de Necessidade e das Excomunhõe latæ sententiæ? Existe algum outro grupo eclesiástico para o qual a Santa Sé proporia tão lúgubre prospecto como o caminho a seguir para uma alegre reconciliação? Terá sido para nada que Bento XVI cortou aquele particular nó górdio[4] e, fazendo isso, incorreu nas falaciosas calúnias dos ignorantes e dos maldispostos?
O Papa Francisco tem críticos que acreditam que sua abertura, sua humildade, seu desejo de tirar o tapete vermelho, sua preferência por uma Igreja que faz alguma coisa ainda que cometa erros… que tudo isso seja pose e truque midiático. Eu creio que ele seja sincero e de oração.
Mas a crise que ele enfrenta é maior do que é frequentemente admitido. Se Roma não consegue arrumar um lugar sequer para a Fraternidade, com quem tem em comum todas as definições dogmáticas de todos os Concílios Ecumênicos e todas as definições ex cathedra dos Pontífices Romanos, qual a possibilidade real de fazer qualquer progresso com as igrejas e comunidades eclesiásticas mais distantes doutrinalmente? A própria possibilidade de reconciliação eclesiástica, de unitatis redintegratio, está em jogo. Se Roma pode tirar a Fraternidade da jogada, então qualquer coisa pode acontecer. Mas se não… esperamos ansiosamente…
Eu consigo pensar em uma (sólida) razão porque Francisco é o homem para concluir esse episódio. Se Bento o tivesse feito, todos os estúpidos previsíveis da media católica e não católica teriam dito que isso seria só mais uma evidência de que ele é um arquirreacionário. Francisco, resolvendo isso, criará uma perplexidade entre os estúpidos previsíveis, mas sua atual reputação midiática permitiria, se assim podemos dizer, que ele escapasse dessa. Esta é a hora, no início deste pontificado, esse é o momento, o καιρός divino, para tal ação, tempo que provavelmente não se repetirá. (Há evidências de que jornalistas mais perceptivos da mídia liberal estão começando a enxergar através de sua personagem.)
É viável, para o Santo Padre, resolver o “problema” da Fraternidade dentro de dias. O Romano Pontífice tem regularmente uma audiência, creio que quinta-feira à noite, com o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Próxima quinta, ele poderia dar suas ordens ao Arcebispo Müller. Na audiência seguinte, assinaria os documentos[5]. Na quarta seguinte, na Audiência Geral, entre os beijinhos nos bebês e os afagos nos aleijados, ele poderia abraçar em público Sua Excelência Monsenhor Fellay e os outros Reverendos e Reverendíssimos líderes da Fraternidade, na frente de todas as câmeras do mundo e dos jornalistas coçando a cabeça. E, assim como eletrizou o mundo com sua escolha dos pés a lavar e beijar em sua primeira Quinta-feira Santa, Francisco poderia usar uma dúzia de jovens clérigos da Fraternidade no lava-pés de sua segunda Quinta-feira Santa. (Afinal de contas, Paulo VI, quando dos festejos do levantamento das excomunhões de 1054 em Roma, desconcertou o pobre metropolita Meliton ao se prostrar por terra e beijar seus pés… humildade… você sabe, isso faz sentido…)
Então, ele poderia pronunciar um discurso sobre a Reconciliação. Poderia entrar para a história como seu Discurso da Barba de Aarão[6].
Ou, se o Santo Padre não for aventureiro o bastante ou não for suficientemente autônomo para fazer isso, o levantamento da excomunhão de Lefebvre [e do “Leão de Campos”, como é de se supor] poderia ser um primeiro e gracioso gesto.
E, por mais vácuas e pueris que você pense serem as minhas observações e opiniões, mais eu creio que você deva parar de rir e encarar as questões que eu levantei: existe um Plano, outro que não o de esperar por décadas para mudar em séculos a ruptura cristalizada? E: o Vaticano II é modelo de Ecumenismo?
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