A POBREZA E BELEZA NA SANTA MISSA
As normas
litúrgicas e o missal refletem, apenas, o entendimento acerca do sentido
sobrenatural da Santa Missa. Quando nós compreendemos a profundidade da
celebração eucarística, todas as regras emitidas pela Igreja são entendidas como
consequência. O centro da Liturgia é o Cristo, um Deus feito homem e que pelos
homens morreu para salvá-los. Como Sacrifício, a Missa traduz a entrega de
Jesus, o Seu amor infinito, de um Deus humilhado. Não é motivo de perplexidade
pensar que o Senhor Todo-Poderoso Se fez nascer numa manjedoura, Se diminuiu ao
conviver com pecadores e excluídos e, além disso, Se entregou num perfeito
holocausto?
A Santa Missa
exprime essa perfeita doação de Deus. Quando os adornos e a beleza, que só
servem como caminho e não como fim, se tornam centro da celebração, a Liturgia
se distancia drasticamente da sua sobrenaturalidade. A sobriedade, sacralidade e
solenidade da Missa traduzem, apenas, o sentido místico da celebração. Por si só
a ornamentação é vazia, inócua e ineficiente, mas quando é usada como via pode
ser um caminho pedagógico muito saudável, explanando os mistérios e expondo a
riqueza do cristianismo.
Como a Igreja
cresceu na Europa? Através da beleza das imagens, dos vitrais, das catedrais,
mas acima de tudo da Santa Missa. Os povos pagãos se sentiam atraídos por uma
força silenciosa que os vivificava. Quando Clóvis, Rei dos Francos, foi se
batizar na Catedral de Reims, na França, perguntou a São Remígio, depois de
contemplar a riqueza e beleza daquele templo, que parecia resplandecer uma
fagulha do esplendor da morada celeste: “Padre, isso já é o céu?” Outro fato
histórico interessante é o ocorrido quando da primeira Missa celebrada no
Brasil, por Frei Henrique de Coimbra, em Porto Seguro. Os curiosos indígenas se
aproximavam do altar e contemplavam aqueles estranhos homens se humilhando em
frente a uma Cruz. Quando um segundo grupo de índios se aproximou do local o seu
líder questionou o que era aquilo, o chefe do primeiro bando, prontamente,
apontou para o céu e apontou para a terra, expondo com perfeição o caráter
horizontal da Missa; a ligação do homem com Deus.
Beato Antônio
Chevrier, fundador do Instituto do Prado, já dizia no seu grande livro “O
Verdadeiro Discípulo” que “quando se constrói uma casa, começa-se sempre
pelas paredes grossas e, seguidamente, vai-se ao mais fino e aos
ornamentos.” O Apóstolo dos Mendigos se referia ao ensino do catecismo, mas
essa sua brilhante explanação vale também para a Liturgia. O que seria a Missa
se não estivesse fundamentada sobre Cristo? O centro da celebração é Nosso
Senhor, o Deus entregue em Sacrifício. São Leonardo de Porto-Maurício, um dos
maiores pregadores da cristandade, afirmava que a todas as Missas celebradas na
Igreja tinham a mesma validade, mas diferiam nos efeitos causados na assembléia,
e por quê? Quantas vezes vamos a uma celebração e mesmo como todo o esforço não
conseguimos nos ligar ao mistério do altar? Quantas vezes saímos até mesmo
cansados da Liturgia? Tais efeitos são consequências de uma celebração
carregada, normativa, Missas meramente burocratizadas e que se perderam entre a
desobediência ao missal e o desrespeito ao espírito litúrgico
católico.
Qual fiel não
agiria com toda reverência e piedade sabendo que no altar se faz presente Deus
com Seu corpo, sangue, alma e divindade? Qual de nós não se prostraria no chão
ao contemplar o Senhor? Quem não se desmancharia em lágrimas se fosse visitado
por Cristo em pessoa? Mas a Eucaristia é isso em concreto! Deus, não satisfeito
em Se entregar em Sacrifício, ainda mostrou Seu imensurável amor ao ficar com o
povo com toda a Sua plenitude.
Não poucas vezes
a Missa vira um espetáculo, um teatro vazio. Isso ocorre por causa do
distanciamento do caráter central da celebração; Cristo e Seu Mistério. O
Apóstolo da Santa Missa, São Leonardo, já dizia que o meio mais adequado para
assistir a Liturgia “consiste em irdes à igreja como se fôsseis ao Calvário,
e de vos comportardes diante do altar como o faríeis diante do Trono de Deus, em
companhia dos santos anjos. Vede, por conseguinte, que modéstia, que respeito,
que recolhimento são necessários para receber o fruto e as graças que Deus
costuma conceder àqueles que honram, com sua piedosa atitude, mistérios tão
santos.” Ou seja, devemos mergulhar na santa alegria ao contemplar o Senhor
que com o Seu amor veio ao mundo para nos salvar. Isso é motivo de regozijo,
entretanto, e ao mesmo tempo, devemos sempre ter em mente o sentido místico e
sobrenatural da Liturgia. A celebração não é uma conexão horizontal, ou seja,
homem e homem, mas uma conexão vertical, homem e Deus. Ocorre que, infelizmente,
certas Missas ficam impregnadas por um certo espírito normativo. Não podemos nos
acomodar com o hábito; não é porque vamos todo o Domingo – no mínimo – ao
encontro de Cristo na Liturgia que perdemos a constante renovação e surpresa na
adoração da Eucaristia! De forma alguma! Toda a Santa Missa, para nós, deve ser
motivo de perplexidade, de alegria, de adoração, uma constante e eterna
sensibilidade.
Beato Antônio
Chevrier dizia que “Um Padre pobre e santo numa igreja de madeira converterá
mais pecadores do que um Padre ordinário numa igreja de ouro e de mármore e
ornamentada de toda a espécie de belezas exteriores.” O que ele quer nos
dizer com isso? Que a beleza por si só, o adorno e a ornamentação, são vazios de
sentido se não estão centrados em Cristo. Chevrier continua: “Não seja
necessário condenar o culto exterior, não, pois que a Igreja o pede e nós somos
compostos dum corpo e de uma alma e as coisas exteriores devem levar-nos a Deus.
Mas não nos deixemos levar por esta paixão que existe nos nossos dias e não
tomemos o acessório pelo principal (...) Nos ornamentos e nas outras
coisas...importa que o pensamento de Deus sobressaia e não o pensamento da arte
ou do gosto.” Com isso entendemos que a beleza da Missa é resultado do
entendimento do mistério do altar, do Sacrifício de Jesus, Sua doação. A pobreza
espiritual se une ao caminho da beleza.
Como não se
chocar com o exemplo de Santa Isabel, Rainha da Hungria, que ao entrar na Igreja
triunfava como majestade, adornada com a coroa, jóias, anéis e colares, mas que
quando do início da celebração retirava todas as pedrarias, ouro e prata para se
tornar pobre e deixar que apenas o brilho de Cristo reinasse dentro do templo. A
santa vivia na corte, mas não era da corte, assim como nós vivemos no mundo, mas
não somos do mundo. Era sobre isso que Pe. Antônio Vieira falava quando
escreveu: “Deus comumente desposa-se no deserto, porque não acha no deserto
as condições do Paço, hoje desposa-se no Paço, porque achou no Paço as condições
do deserto (...) Reis que edificam desertos! Se dissera reis que edificam
palácios, bem estava; mas reis que edificam desertos! Os desertos edificam-se?
Antes desfazendo edifícios é que se fazem desertos. Pois que reis são estes, que
trocam os termos à arquitetura? Que reis são estes que edificam desertos? São
aqueles reis (diz S. Gregório Papa) em cujos paços reais de tal maneira se
contemporiza com a vaidade da Terra, que se trata principalmente da verdade do
Céu: e paços onde se serve a Deus como nos ermos, não são paços, mas desertos”
(Sermões Vol.VII Sermão de São João Batista).
A Santa Missa
nos pede, então, um aparente paradoxo; a pobreza e simplicidade e a solenidade e
beleza. E por que apenas aparente paradoxo? Simplesmente porque o nosso
esvaziamento é apenas momentâneo, já que na Liturgia ficamos cheios quando nos
aproximamos do Senhor em todo o Seu esplendor eucarístico. Assim, quando melhor
nos diminuímos melhor engrandecemos Cristo e Seu sacrifício. Uma celebração
bela, adornada e bem cuidada não necessariamente é uma celebração embebida em
mística e sobrenaturalidade. Infelizmente a história nos mostra as
Missas-Óperas, condenadas com vigor por São Pio X, que servem como a
representação máxima da degradação do rito quando norteado apenas por uma
estética vazia. Por outro lado, quando compreendemos o esplendor da via
pulchritudinis, ou seja, o caminho da beleza – e como o próprio nome diz é
caminho e não o fim – mais perfeito é o nosso entendimento do mistério do altar,
assim, o adorno, o detalhe, a ornamentação, são consequências imediatas da nossa
kénosis.
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Para citar este artigo:
RAVAZZANO, Pedro. Apostolado Veritatis Splendor: A POBREZA E BELEZA NA SANTA MISSA. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/5967. Desde 22/10/2009.
fonte:Veritatis Splendor