sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Prefácio de Dom Mario Oliveri ao livro “Vaticano II: Un Discorso da Fare”, de Monsenhor Brunero Gherardini : Sua publicação claramente demonstra que não pode haver senão continuidade na Igreja – e essa clareza de pensamento lhe é habitual por virtude de sua sagacidade intelectual e igualmente sua experiência vastíssima como Docente. O mero pensamento de que pudesse haver uma “revolução, mudança radical, mutação substancial” sobre o plano da verdade e da vida sobrenatural da Igreja já se aparta também do são raciocínio teológico porque, como notamos anteriormente, ele se desvia também do são raciocínio filosófico. Não perturba também a fé, mas também a razão.

 

Iniciamos, com a publicação deste prefácio de Dom Mario Oliveri, bispo de Albenga-Imperia, uma nova série que trará a nossos leitores excertos do que há de mais importante na grande obra de Monsenhor Brunero Gherardini (alguns dos quais já publicamos anteriormente). Tal iniciativa pretende motivar a leitura e a difusão deste importantíssimo livro em prol da imperiosa restauração do autêntico ensinamento católico.
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Dom Mario Oliveri, bispo diocesano de Albenga-Imperia (Itália)
Dom Mario Oliveri, bispo diocesano de Albenga-Imperia (Itália)
Reverendíssimo e Caro Professor,
Com um gesto cheio de cortesia, o senhor desejou que eu pudesse ler o conteúdo de sua elaborada meditação teológica Un Discorso da fare, acerca do Concílio Ecumênico Vaticano II, antes de sua publicação pela “Casa Mariana Editrice”.
Eu a li integralmente com a mesma avidez de alma que tinha ao receber muitas de suas publicações, livros e artigos, que o senhor escreveu até agora. O assunto comum que tem animado todos os seus escritos é sempre o de apresentar, segundo sua lógica e – eu diria – sua relação sólida, a Verdade revelada e a verdade meditada do intelecto humano iluminado pela fé, sustentado pela Teologia dos Padres da Igreja e da grande Escolástica medieval transmitida pelos séculos, guiado pelo Ensinamento do Magistério da Igreja que nunca pode estar em contradição consigo mesmo, podendo apenas ter um desenvolvimento de tal modo homogêneo a nunca dizer “nova”, embora sempre “nove” (segundo a terminologia de São Vicente de Lérins no Commonitorium) [nota da redação: a expressão de S. Vicente é « non nova sed nove », com a qual o grande Santo quer ensinar que a Igreja não pode apresentar novas verdades, mas apenas as mesmas verdades de maneira nova].
Reconheço com essas expressões que estou me referindo a um conceito filosófico, e, portanto, também teológico (na medida em que se dá atenção à Verdade revelada), que reconhece o valor e a natureza do intelecto humano. É um conceito que considera o intelecto capaz de compreender e de aderir à verdade que é imutável, como imutável é a essência de todas as coisas dado que obtêm sua natureza por meio da criação do Ser Absoluto, d’Aquele que É. Todavia, o intelecto não cria a verdade, porque não cria o ser: antes, o intelecto conhece a verdade quando conhece o que é a essência das coisas.
Fora dessa visão, fora de tal Filosofia, qualquer discussão sobre a imutabilidade da verdade e a continuidade da adesão intelectual a essa mesma verdade seria inconcebível e insustentável. Nada restaria senão aceitar uma contínua mutabilidade de tudo que o intelecto elabora, explica e cria.
Mesmo uma discussão sobre o desenvolvimento homogêneo do dogma ou do ensinamento da Igreja através dos séculos, no passar do tempo e da história, não poderia ser realizada com qualquer possibilidade de ser completa, decisiva e aceitável. Seria necessário submeter a um continuum fieri no plano de uma “verdade” não mais conhecida e reconhecida pelo intelecto, mas inventada no fundamento daquilo que parece ser em vez daquilo que é.
Certamente esse meu discurso não é dirigido ao senhor; mas tendo lido sua meditação teológica da qual se eleva a necessidade de uma verdadeira “hermenêutica da continuidade” a respeito do ensinamento do Vaticano II, não poderia senão expressar e compartilhar alguns de meus pensamentos.
Sua publicação claramente demonstra que não pode haver senão continuidade na Igreja – e essa clareza de pensamento lhe é habitual por virtude de sua sagacidade intelectual e igualmente sua experiência vastíssima como Docente. O mero pensamento de que pudesse haver uma “revolução, mudança radical, mutação substancial” sobre o plano da verdade e da vida sobrenatural da Igreja já se aparta também do são raciocínio teológico porque, como notamos anteriormente, ele se desvia também do são raciocínio filosófico. Não perturba também a fé, mas também a razão.
O debate é necessariamente sobre a continuidade in substantialibus, e não in accidentalibus; sobre continuidade com tudo que em sua matéria a Igreja sempre acreditou, professou, ensinou e viveu em sua verdadeira realidade no decorrer dos séculos. A Igreja, que é divina e não humana, manteve todas essas coisas desde o início, que podem ser recebidas apenas por um intelecto iluminado pela fé e sustentado por uma vontade movida pela Graça Divina.
Seu tratado, caro Professor, permite o engajamento em uma profunda análise do Vaticano II e de seu ensinamento, como formulado em seus Documentos, de tal maneira a levar a uma compreensão de que mesmo naquelas lugares onde a linguagem poderia conduzir a pensar em uma descontinuidade com o conteúdo teológico que se encontra em “toda a bagagem doutrinal da Igreja”, mesmo aí o conteúdo só pode ser considerado nove, e não nova. E, portanto, uma linguagem de descontinuidade de modo algum pode alterar a “bagagem doutrinal da Igreja”, mas antes tal linguagem deve ser interpretada de uma maneira que não se possa dizer nova a respeito da Tradição da Igreja.
No entanto, dada a natureza do Concílio e a diversidade de natureza de seus Documentos, penso que se possa sustentar que se de uma hermenêutica teológica Católica emergisse que algumas passagens, ou algumas declarações ou asserções do Concílio, não dissessem, a respeito da Tradição perene da Igreja, apenas coisas nove, mas também nova, não se estaria diante de um desenvolvimento homogêneo do Magistério: neste caso haveria um ensinamento que não é imutável e, certamente, não infalível.
É um grande conforto para mim poder ler o recente discurso do Santo Padre à Plenária da Congregação para o Clero. Falando sobre a formação dos Padres, ele afirma: “A missão tem suas raízes, de maneira especial, em uma boa formação, desenvolvida em comunhão com a Tradição eclesial ininterrupta, sem pausas ou tentações de descontinuidade. Nesse sentido, é importante encorajar nos Padres, acima de tudo nas jovens gerações, uma correta recepção dos textos do Concílio Ecumênico Vaticano II, interpretados à luz da bagagem doutrinal da Igreja”.
Sendo esse o pensamento do Santo Padre, é razoável pensar que ele levará em boa consideração o Apelo que, na conclusão de sua meditação teológica sobre o Vaticano II, o senhor desejou formular ao Sucessor de Pedro como um devoto filho da Igreja. Seu pedido tem como favorável que houvesse, do nível mais alto do Magistério, “um grande e possivelmente definitivo esclarecimento sobre o último Concílio, em todas as suas dimensões e conteúdo”, que tocaria em sua própria natureza, que indicaria o que significa ter desejado se propor como um Concílio pastoral. Qual é, portanto, seu valor dogmático? Todos os seus documentos têm o mesmo peso ou não? Todas as expressões apresentadas nos documentos têm o mesmo valor ou não? Seu ensinamento é inteiramente imutável?
É verdade que algumas das respostas a estas questões podem já ser deduzidas de seu trabalho e devem poder ser explicadas baseadas no constante critério de juízo teológico que sempre foi seguido dentro da Igreja; contudo, ninguém pode negar que em muito da produção “teológica” pós-conciliar a confusão a esse respeito seja muito densa, como muito densa é a incerteza doutrinal e pastoral.
Portanto, permita-me, meu caro Professor, e acima de tudo, permita-me Santo Padre, unir-me toto corde a esse Apelo. Expresso também meus desejos de que sua publicação suscite uma grande atenção e muita reflexão dentro da Igreja, onde quer que haja um desejo de se empenhar na verdadeira teologia. Também espero que ela seja recebida com o respeito devido a um trabalho conduzido com tal rigor e certamente com grande amor pela Igreja, por sua Tradição perene, por seu Magistério, através do conhecimento fiel e da transmissão da qual o senhor sempre trabalhou em toda a sua longa atividade como Professor de Sagrada Teologia.
Albenga, 19 de março de 2009, Solenidade de São José, Patrono da Igreja Universal.
+ Mario Oliveri, Bispo
(The Ecumenical Vatican Council II, A Much Needed Discussion. Msgr. Brunero Gherardini, Casa Mariana Editrice, traduzido para o inglês pelos Franciscanos da Imaculada da edição italiana de 25 de março de 2009 – “Concilio Ecumenico Vaticano II: Un discorso da fare”, pp. 8-12  – destaques do original)
fonte:fratres in unum