terça-feira, 22 de dezembro de 2015

BENTO XVI: a celebração do Natal renova a certeza de que Deus está realmente presente connosco, é ainda «carne» e não está só distante: embora esteja com o Pai, está próximo de nós.

BENTO XVI: a celebração do Natal renova a certeza de que Deus está realmente presente connosco, é ainda «carne» e não está só distante: embora esteja com o Pai, está próximo de nós.



PAPA BENTO XVIAUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VIQuarta-feira, 21 de Dezembro de 2011

O Santo Natal
Amados irmãos e irmãs,
Estou feliz por vos receber na Audiência geral a poucos dias da celebração do Natal do Senhor. A saudação que nestes dias está nos lábios de todos é: «Feliz Natal! Votos de boas festas natalícias!». Façamos com que, também na sociedade contemporânea, a troca dos bons votos não perca o seu profundo valor religioso, e a festa não seja absorvida pelos aspectos exteriores, que tocam as cordas do coração. Sem dúvida, os sinais externos são bonitos e importantes, contanto que não nos distraiam mas, ao contrário, nos ajudem a viver o Natal no seu sentido mais verdadeiro, o sagrado e cristão, de modo que também a nossa alegria não seja superficial, mas profunda.
Com a liturgia natalícia, a Igreja introduz-nos no grande Mistério da Encarnação. Com efeito, o Natal não é um simples aniversário do Nascimento de Jesus; é também isto, mas é mais, é celebração de um Mistério que marcou e continua a marcar a história do homem — o próprio Deus veio habitar no meio de nós (cf. Jo 1, 14), fez-se um de nós; um Mistério que diz respeito à nossa fé e à nossa existência; um Mistério que vivemos concretamente nas celebrações litúrgicas, em particular na Santa Missa

Alguém poderia perguntar-se: como é possível que eu viva agora um acontecimento tão distante no tempo? Como posso participar fecundamente no Nascimento do Filho de Deus, ocorrido há mais de dois mil anos? Na Santa Missa da Noite de Natal, repetiremos como refrão ao Salmo responsorial estas palavras: «Hoje nasceu para nós o Salvador». Este advérbio de tempo, «hoje», recorre várias vezes em todas as celebrações natalícias e refere-se ao acontecimento do Nascimento de Jesus e à salvação que a Encarnação do Filho de Deus vem trazer. Na Liturgia, este acontecimento ultrapassa os limites do espaço e do tempo e torna-se actual, presente; o seu efeito perdura, apesar do decorrer dos dias, dos anos e dos séculos. Indicando que Jesus nasce «hoje», a Liturgia não usa uma frase sem sentido, mas ressalta que este Nascimento envolve e permeia toda a história, permanece uma realidade também hoje, à qual podemos chegar precisamente na liturgia. 


Para nós, crentes, a celebração do Natal renova a certeza de que Deus está realmente presente connosco, é ainda «carne» e não está só distante: embora esteja com o Pai, está próximo de nós. Deus, naquele Menino nascido em Belém, aproximou-se do homem: podemos encontrá-lo agora, num «hoje» que não conhece ocaso.
Gostaria de insistir sobre este ponto, porque o homem contemporâneo, homem do «sensível», do experimentável empiricamente, tem cada vez mais dificuldade de abrir os horizontes e entrar nmundo de Deus. A redenção da humanidade realiza-se certamento e num momento específico e identificável da história: no acontecimento de Jesus de Nazaré; mas Jesus é o Filho de Deus, é o próprio Deus, que não só falou ao homem, mostrou-lhe sinais admiráveis, guiou-o ao longo de toda uma história de salvação, mas fez-se homem e permaneceu homem.

 O Eterno entrou nos limites do tempo e do espaço, para tornar possível «hoje» o encontro com Ele. Os textos litúrgicos natalícios ajudam-nos a compreender que os acontecimentos da salvação realizada por Cristo são sempre actuais, dizem respeito a cada homem e a todos os homens. 

Quando ouvimos ou pronunciamos, nas celebrações litúrgicas, este «hoje nasceu para nós o Salvador», não usamos uma expressão convencional vazia, mas queremos dizer que Deus nos oferece «hoje», agora, para mim, para cada um de nós, a possibilidade de O reconhecer e acolher, como fizeram os pastores em Belém, para que Ele nasça inclusive na nossa vida e a renove, ilumine e transforme com a sua Graça, com a sua Presença.
Portanto, o Natal enquanto comemora o Nascimento de Jesus na carne, a partir da Virgem Maria — e numerosos textos litúrgicos fazem reviver aos nossos olhos este ou aquele episódio — é um acontecimento eficaz para nós. Apresentando o sentido profundo da Festa do Natal, o Papa são Leão Magno convidava os seus fiéis com estas palavras: «Exultemos no Senhor, meus amados, e abramos o nosso coração à alegria mais pura, porque surgiu o dia que para nós significa a nova redenção, a antiga preparação, a felicidade eterna. Com efeito, renova-se para nós no recorrente ciclo anual, o alto mistério da nossa salvação que, prometido no início e concedido no final dos tempos, está destinado a durar sem fim» (Sermo 22, In Nativitate Domini, 2, 1: PL 54, 193). E, ainda são Leão Magno, noutra sua Homilia de Natal, afirmava: «Hoje o Autor do mundo foi gerado do seio de uma virgem: Aquele que fez todas as coisas tornou-se filho de uma mulher, por Ele mesmo criada. Hoje, o Verbo de Deus apareceu revestido de carne e, embora nunca tivesse sido visível aos olhos humanos, tornou-se também visivelmente palpável. Hoje, os pastores ouviram da voz dos anjos que nasceu o Salvador, na substância do nosso corpo e da nossa alma» (Sermo 26, In Nativitate Domini, 6, 1: PL 54, 213).
Há um segundo aspecto, ao qual gostaria de me referir brevemente: o acontecimento de Belém deve ser considerado à luz do Mistério pascal: ambos fazem parte da única obra redentora de Cristo. A Encarnação e o Nascimento de Jesus já nos convidam a dirigir o olhar para a sua morte e ressurreição: Natal e Páscoa são ambos festas da redenção. A Páscoa celebra-a como vitória sobre o pecado e a morte: determina o momento final, quando a glória do Homem-Deus resplandece como a luz do dia; o Natal celebra-a como o entrar de Deus na história, fazendo-se homem para levar o homem a Deus: marca, por assim dizer, o momento inicial, quando se entrevê o clarão da alvorada. Mas precisamente como a aurora precede e já faz pressentir a luz do dia, assim o Natal já anuncia a Cruz e a glória da Ressurreição. Também os dois períodos do ano, em que estão inseridas estas duas grandes festas, pelo menos em certas regiões do mundo, podem ajudar a compreender este aspecto. Com efeito, enquanto a Páscoa se celebra no início da Primavera, quando o sol vence os nevoeiros densos e frios, e renova a face da terra, o Natal celebra-se precisamente no início do Inverno, quando a luz e o calor do sol não conseguem despertar a natureza, envolvida pelo frio, sob cujo manto, contudo, palpita a vida e recomeça a vitória do sol e do calor.
Os Padres da Igreja liam sempre o Nascimento de Cristo à luz de toda a obra redentora, que encontra o seu ápice no Mistério pascal. A Encarnação do Filho de Deus manifesta-se não só como o início e a condição da salvação, mas como a própria presença do Mistério da nossa salvação: Deus faz-se homem, nasce criança como nós, assume a nossa carne para derrotar a morte e o pecado. Dois textos significativos de são Basílio explicam-no bem. São Basílio dizia aos fiéis: «Deus assume a carne precisamente para destruir a morte nela escondida. Como os antídotos a um veneno, quando são ingeridos, anulam os seus efeitos, e como as trevas de uma casa se dissipam à luz do sol, assim a morte que predominava sobre a natureza humana foi destruída pela presença de Deus. E como o gelo que permanece sólido na água, enquanto dura a noite e reinam as trevas, mas derrete-se imediatamente ao calor do sol, assim a morte que reinara até à vinda de Cristo, logo que surgiu a graça de Deus Salvador e despontou o sol da justiça, “foi engolida pela vitória” (1 Cor 15, 54), pois não podia coexistir com a Vida» (Homilia sobre o Nascimento de Cristo, 2: pg 31, 1461). E ainda são Basílio, noutro texto, dirigia este convite: «Celebremos a salvação do mundo, o Natal do género humano. Hoje foi perdoada a culpa de Adão. Já não devemos dizer: “És pó e pó te hás-de tornar” (Gn 3, 19), mas: unido Àquele que veio do Céu, serás admitido no Céu» (Homilia sobre o Nascimento de Cristo, 6: pg 31, 1473).
No Natal encontramos a ternura e o amor de Deus que se inclina sobre os nossos limites, as nossas debilidades, os nossos pecados, e desce até nós. São Paulo afirma que Jesus Cristo, «embora fosse de condição divina... aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens» (Fl 2, 6-7). Contemplemos a gruta de Belém: Deus abaixa-se a ponto de ser colocado numa manjedoura, que já é prelúdio da humilhação na hora da sua paixão. O ápice da história de amor entre Deus e o homem passa através da manjedoura de Belém e do sepulcro de Jerusalém.


Caros irmãos e irmãs, vivamos com alegria o Natal que se aproxima. Vivamos este acontecimento maravilhoso: o Filho de Deus nasce ainda «hoje», Deus está verdadeiramente próximo de cada um de nós e quer encontrar-nos, deseja levar-nos até Ele. Ele é a verdadeira luz, que dissipa e dissolve as trevas que envolvem a nossa vida e a humanidade. Vivamos o Natal do Senhor, contemplando o caminho do amor imenso de Deus, que nos elevou a Si através do Mistério da Encarnação, Paixão, Morte e Ressurreição do seu Filho, porque — como afirma santo Agostinho — «em [Cristo] a divindade do Unigénito fez-se partícipe da nossa mortalidade, a fim de que nós participássemos na sua imortalidade» (Epístola 187, 6, 20: pl 33, 839-840). Sobretudo, contemplemos e vivamos este Mistério na celebração da Eucaristia, centro do Santo Natal; ali torna-se presente de modo real Jesus, verdadeiro Pão que desceu do Céu, autêntico Cordeiro sacrificado pela nossa salvação.
Faço votos a todos vós e às vossas famílias, para que celebreis um Natal autenticamente cristão, de modo que também a troca de bons votos nesse dia seja expressão da alegria de saber que Deus está próximo de nós e quer percorrer connosco o caminho da vida. Obrigado!