Marcelo Fedeli
NOTA INTRODUTÓRIA:
Contando com a significativa presença de dois cardeais, diversos bispos e ilustres monsenhores e sacerdotes, bem como com conhecidos leigos católicos, realizou-se em Roma, do dia 16 a 18 de dezembro último, um congresso com o tema: “O Vaticano II: um concílio pastoral. Análise histórica, filosófica e teológica. Congresso de estudos sobre o Concílio Vaticano II, para uma sua justa hermenêutica à luz da Tradição da Igreja”“, cujas versões dos resumos publicamos abaixo.
O Congresso, realizado por iniciativa dos Frades Franciscanos da Imaculada de Florença – Itália, contou com os seguintes principais participantes e/ou conferencistas:
· Cardeal Velasio de Paolis, Presidente da Prefeitura de Assuntos Econômicos da Santa Sé, que encerrou os trabalhos;
· Cardeal Walter Brandmüller, Presidente emérito do Pontifício Comitê das Ciencias Históricas;
* Mons. Luigi Negri, Bispo de San Marino-Montefeltro;
* Mons. Atanásio Schneider, Bispo auxiliar de Karaganda;
* Pe. Dr. Florian Kolfhaus , da Secretaria de Estado do Vaticano
* Pe. Dr. Brunero Gherardini, Prof. da Pont. Universidade de Latrão;
* Pe. Prof. Don Nicola Bux, Prof. Instituto Ecumênico de Bari;
* Pe. Rosario M. Sammarco, Prof. do Sem. T. Immacolata Mediatrice;
* Pe. Ignacio Andereggen, Prof.Pont. Universidade Gregoriana;
* Pe. Paolo M. Siano, Prof. doSem. T. Immacolata Mediatrice;
* Pe. Giuseppe M. Fontanella Prof. do Sem. T. Immacolata Mediatrice;
* Pe. Serafino M. Lanzetta, Prof.Sem. T. Immacolata Mediatrice;
* Roberto de Mattei, Universidade Européia de Roma;
* Yves Chiron, Diretor do Dictionnaire de biographie française e conhecido biografo do Papa Paulo VI.
Graças a Deus, porém, nestes últimos anos, ‘alguma coisa vem se movendo em Roma‘: agora até Congresso, com a presença de cardeais, de membros da Cúria Romana e da alta hierarquia da Igreja, são realizados para uma crítica ‘construtiva‘ tanto ao Concílio como à Nova Liturgia, sem contar com a recente criação de Instituto religioso com missão específica para estes mesmos fins, como é o caso do Instituto do Bom Pastor.
Dessa forma está ficando cada vez mais clara a impossibilidade de se isentar totalmente o Concílio da responsabilidade do surgimento posterior de interpretações teológicas aberrantes, pois, como isto é patente, o Concílio é, no mínimo, responsável por omissão, por ambigüidades e pela não clareza dos seus textos em relação aos ensinamentos do Magistério de sempre e infalível da Santa Igreja.
Assim,tendo em vista a importância e significado desse Congresso, publicamos versões dos resumos de palestras nele apresentadas, conforme site da Congregação dos Frades Franciscanos da Imaculada (Florença-Itália) que o organizou, iniciando com o artigo “O CONCÍLIO VATICANO II É UM PROBLEMA?”, do Pe. Serafino M. Lanzetta, também conferencista, veiculado dois dias antes do abertura daquele Congresso, lhe servindo de introdução.
Além deste, seguem abaixo as versões das seguintes palestras até agora publicadas no site fonte: http://catholicafides.blogspot.com/2010/
- RESUMO DAS PALESTRAS PROFERIDAS NO CONGRESSO DE ROMA ELABORADO PELO PROF. FABRIZIO CANNONE;
- ALGUNS PERSONAGENS, FATOS E INFLUXOS NO CONCÍLIO VATICANO II - Resumo da apresentação do Pe. Paolo Siano, FI
- SOBRE A PASTORALIDADE DO CONCÍLIO, NEMNHUMA DÚVIDA E NENHUMA DISCUSSÃO – Resumo da conferência de Mons. Brunero Gherardini
Marcelo Fedeli
1 - O Concílio Vaticano II é um problema?
http://catholicafides.blogspot.com/2010/12/il-vaticano-ii-e-un-problema.html#comment-form
Pe. Serafino M. Lanzetta, FI * ROMA,
14 de dezembro de 2010
Aproxima-se o congresso dos Franciscanos da Imaculada sobre o Concílio Vaticano II como concílio pastoral, num clima muito tenso e num crescente debate, sinal de que se esconde um problema, ligado a uma esperança. Pretende-se iluminar a verdadeira natureza do Concílio, conforme o mesmo Concílio realmente quis ser – e não a natureza criada, e quase sempre equivocada, que acabou fazendo do Vaticano II ou único concílio dogmático do cristianismo, ou um ‘concílio-meteorito’, que se pode simplesmente descartar. Até recentemente, só pensar em se colocar diante do Vaticano II de um modo crítico, seria como uma cripto-heresia pelo manto de silêncio que necessariamente devia prevalecer, cobrindo-o só de elogios e de louvores.
No entanto, depois de mais de quarenta anos, estamos diante de um fato inegável: aquela forma de considerá-lo independente da Tradição, ou seja, na da ruptura e do espírito inovador do Concílio prevaleceram e a Igreja lenta e progressivamente se secularizou. O mundo, num certo sentido, venceu a Igreja; justamente aquele mundo que o Concílio, de todos os modos, queria atingir. O Vaticano II é um problema? Sim, no sentido em que as raízes da inspiração pós-conciliar não estão somente no pós-concílio. O pós-concílio não surgiu de si mesmo. Portanto, é preciso levar a sério esta questão por amor à Igreja e para o futuro da fé no mundo e buscar e examinar a raiz do problema.
Trata-se de uma questão muito sutil e delicada que requer atenção e cuidadosa análise. Claro, não condividimos com aquela excessiva dogmatização do Vaticano II só por se tratar de Concílio Ecumênico, voltada a proteger o Concílio das duras críticas do tradicionalismo avançado. Os problemas da ruptura não são visíveis somente depois do Concílio, mas dentro do próprio Concílio e, se analisarmos, até numa teologia que já se delineava no pré-concílio: aquela teologia que preferia o método das ciências humanas e da filosofia moderna (da qual Rahner é um exemplo) ao método metafísico-escolástico.
Ora, as questões que se delineavam e que exigem uma resposta clara são duas: Por que prevaleceu a ruptura? E onde se encontra a base de apoio para dogmatizar a ruptura? A ruptura prevaleceu valendo-se de uma escassa clareza dogmática que há no Concílio, pelo fato óbvio de se colocar como concílio pastoral, mas que necessariamente quer e deve enfrentar também questões e pontos doutrinários. Pretendia-se avançar a doutrina da fé, mas com um discurso pastoral: utilizar um discurso dogmático, da forma como era entendido antes, foi considerado anacrônico. Isto se nota, por exemplo, na recusa in toto dos temas preparados previamente. Dois elementos são necessários para se compreender o conteúdo geral dos 16 documentos: uma abordagem mais dedutiva e o caráter pastoral intrínseco do Concílio em preferência à metafísica (que são diferentes e a cada um se deve aplicar uma específica hermenêutica), e a possibilidade de interpretá-los à luz da perene Tradição da Igreja, de um modo sub-reptício, tentando assim, infelizmente, justificar esta intenção. Chega-se desse modo à segunda questão.
Pode-se criticar o Vaticano II por formular também doutrinas erradas ou por trair o magistério?... pois os documentos, enquanto formulados sob o aspecto pastoral, e não para definir uma doutrina de fé ou de moral, nos fariam ver, quando levados ao absoluto, como patrimônio distinto dos outros, como o novo modo de dizer a doutrina de sempre. Aqui se oculta um outro grande problema: o termo “pastoral” sofreu uma forte evolução, até tornar-se, em alguns teólogos, o modo prático de mudar, com uma nova linguagem, com uma nova teologia, o modo de expor a doutrina e até a própria doutrina. A pastoral, vista, porém, de um modo completamente novo e geralmente revolucionário, tornou-se a medida da teologia que muda conforme a época e os tempos: isto teria sido legitimado pelo Concílio. Evidentemente aqui se baseia o Concílio — que serviria somente se isolado do seu contexto e da Tradição — aos próprios desejos de aggiornamento [adaptação ao mundo], não da piedade cristã e da fé subjetiva, mas da fé entendida como depósito que evolui e pode mudar. O motivo aqui é o ingresso da categoria “história” no conjunto da Revelação. A Revelação assume em si o momento histórico e a história guia a compreensão da Revelação. A Fé, dessa forma, fica subordinada ao “evento Vaticano II”, terminando em crer mais no evento do que na Igreja-mistério.
De tudo isto se conclui que o Vaticano II (como qualquer outro concílio) deve ser necessariamente interpretado (também o dogma deve ser visto sempre do modo justo). Mas, para uma interpretação correta são necessárias três coisas:
1) levar em conta a natureza pastoral do Concílio e, portanto, de um progresso ou regresso doutrinal, quando aquela novidade é entendida como ruptura;
2) considerar o teor dos documentos do Concílio: os documentos no seu conjunto são expressão de um magistério solene e ordinário autêntico; infalível somente indiretamente, ou seja, quando afirma doutrinas já definidas ou doutrinas definitive tenenda, cuja definitividade é expressa pelo próprio magistério. O progresso dogmático do Vaticano II, que pode indicar uma eventual continuidade / descontinuidade, deve ser avaliado à luz da teologia e limitado aos instrumentos teológicos, pelo fato de estarmos diante de um magistério ordinário e não definitivo. Neste caso, a teologia torna-se serva do magistério;
3) é necessário, enfim, contextualizar o Vaticano II, analisando também os fatos históricos correlatos: a crise modernista do início do século XX; o notável desenvolvimento teológico e o novo método utilizado na teologia, nem sempre, porém, conforme o sentir da Igreja; a passagem da modernidade à pós-modernidade, como a crise dos mesmos pontos conquistados pela razão iluminada e vontade de rebelar-se contra toda e qualquer instituição — também na Igreja entrou a contestação — com a revolução cultural de 1968. É preciso levar em conta, em outros termos, um mundo que está profunda e repentinamente mudado, por outro ora já diferente daquele do Concílio e previsto na análise da Gaudium et spes.
Daí a necessidade de uma análise crítica que seja construtiva para uma adequada interpretação do tema conciliar. A Igreja não começa com o Concílio Vaticano II, mas, com Jesus Cristo. A medida última da avaliação da fé, de fato, não é o Concílio, mas a Tradição da Igreja. O Concílio traz um avanço na fé, mas não muda a Igreja. Se a Igreja mudou, não foi por causa do Concílio em si, mas devido a uma visão errada da “conciliaridade” e, portanto, da própria Tradição da Igreja. A Igreja convocou e aprovou este Concílio como os 20 que o precederam. Isto significa, portanto, que o progresso é indiscutível, mas todo o progresso indica também certo regresso, em razão da falsidade e dos erros que nele podem se fixar. Trata-se de examinar de modo crítico os pontos em que estas falsidades possam estar imiscuídas e, portanto, proceder a uma atenciosa hermenêutica do Vaticano II à luz da fé de sempre. E isto é o que nos propomos a fazer no nosso Congresso.
[Para maiores informações: http://catholicafides.blogspot.com/
Marcelo Fedeli - "Concílio Vaticano II criticado em congresso realizado em Roma"
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