A Divina Liturgia
Explicada e Meditada
Introdução à Liturgia Bizantina
Monsenhor Pedro Arbex
1. Introdução
SACRIFÍCIO E SACRAMENTO
A missa é o ato litúrgico durante o qual renova-se de modo místico e incruento o sacrifício cruento de Cristo na Cruz; e administra-se aos fiéis, pela Eucaristia, o alimento espiritual para as suas almas. Na missa, portanto, celebra-se não somente um sacramento, o maior dos sacramentos, mas renova-se também um sacrifício, o verdadeiro e perpétuo Sacrifício da Nova Aliança.
A Eucaristia é sacrifício, enquanto se oferece; é sacramento, enquanto se recebe.
SACRIFÍCIO EM GERAL
O sacrifício é a oferta voluntária de uma coisa sensível que é destruída, se for um ser inanimado, ou imolada, se for um ser animado; feita por um ministro legítimo, a Deus só, para reconhecer seu domínio absoluto e, no caso de pecado, para aplacar sua justiça e obter a reconciliação e a união com ele.
O sacrifício, que é o ato de culto mais característico e mais sublime, deriva da dupla obrigação do homem para com Deus: a nossa dependência absoluta d'Ele, como criaturas; a nossa inimizade com Ele, como pecadores.
A necessidade do sacrifício como reconhecimento da nossa dependência de Deus sempre existiu, mesmo no estado de inocência de nossos primeiros pais, no paraíso terrestre, antes da queda: Adão e Eva, mesmo se não tivessem pecado, teriam de oferecer sacrifícios a Deus, em sinal de submissão e de gratidão. Quando, porém, o pecado abriu um abismo entre Deus e o homem, o sacrifício assumiu uma segunda finalidade, tornando-se o meio de reconciliação. O sacrifício, enquanto expiação do pecado, tem o caráter de representação ou substituição.
1. A essência do sacrifício é a destruição de uma coisa sensível ou a imolação de um ser vivo. A melhor maneira para o homem exprimir sua dependência e a dependência das outras criaturas é, evidentemente, a morte voluntária, isto é, o fato de entregar livremente sua vida Àquele de quem a recebeu. Foi isto que Deus quis fazer entender aos homens quando ordenou a Abraão que Lhe imolasse seu Filho único, Isaac. Mas, quando logo depois, satisfeito pela obediência cega de seu servo, substituiu Isaac por um carneiro, desaprovou ao mesmo tempo os sacrifícios humanos, aos quais tinha direito, e indicou o modo de substituí-los.
2. O ministro do sacrifício deve ser legítimo. O sacrifício é um ato de culto público. Ninguém pode cumpri-lo se não tiver títulos para falar ou agir em nome da sociedade. Na Lei evangélica como na Lei mosaica (e até entre os pagãos) somente os sacerdotes são delegados para esta missão.
3. O fim, o escopo do sacrifício, é reconhecer o absoluto domínio de Deus e aplacar sua justiça, se o ofendemos.
Pela criação existe entre o Criador e sua criatura um laço que os liga um ao outro: laço de soberania da parte do primeiro, e laço de dependência da parte do segundo. O sacrifício é o ato pelo qual exprimimos esta relação e proclamamos, de um lado, a infinita grandeza de Deus, e, de outro, o nosso nada, a nossa pequenez; e no caso de natureza decaída, nossa ingratidão e nosso arrependimento.
A coisa essencial num sacrifício é dar ou renunciar a um objeto de valor (valor em si ou para quem dá), por amor de Deus. Para dar a esta oferta todo o seu significado, os homens costumavam destruir o objeto sensível: esta destruição impedia que se pudesse voltar a possuir aquele objeto e com isto se exprimia a verdade seguinte: que não somos nada diante de Deus.
A dádiva oferecida ocupava o lugar do homem. Por isso aquele que fazia a oferta colocava, muitas vezes, a mão sobre o animal sacrificado, e fazia-se aspergir com o sangue ainda quente e fumegante da vítima. Assim fizeram Abel, Caim, Noé. Abel imolou e queimou as primícias dos seus rebanhos; Caim, seu irmão, queimou os frutos da terra; Noé matou e queimou animais à saída da arca.
SACRIFÍCIOS SANGRENTOS E NÃO SANGRENTOS
Todos os povos e todas as religiões tiveram seus sacrifícios. Aparecem já praticados pelos filhos dos nossos primeiros pais, Caim e Abel (Gn 4), e achamo-los em todas as épocas entre os pagãos e os judeus. Egípcios, Caldeus, Assírios, Persas, Gregos, Romanos etc. ofereciam sacrifícios a seus deuses para aplacá-los ou para implorar seu auxílio. Chegaram até a imolar seres humanos. Sabemos, pela Sagrada Escritura, que o rei dos Moabitas, para escapar ao cerco do rei de Israel, imolou seu filho primogênito. Os Fenícios e outros povos da Ásia sacrificavam, todos os anos, crianças a Moloc, o deus do fogo com cabeça de touro. "O que os pagãos imolam, escrevia São Paulo aos Corintios, imolam-no aos demônios e não a Deus" (1Cor 10,20).
A humanidade, mesmo envolta nas trevas da ignorância e da perversão, sempre sentiu a necessidade de oferecer sacrifícios à divindade, ainda que confundindo o verdadeiro Deus com os falsos ídolos. Em Atenas, no tempo de São Paulo, não havia entre os inúmeros altares um altar ao "Deus desconhecido"?
Havia sacrifícios cruentos e sacrifícios incruentos (sangrentos e não sangrentos). Os primeiros consistiam na imolação, no derramamento do sangue de uma vítima escolhida no reino animal (bezerros, carneiros, ovelhas, cabras, rolas e até seres humanos). Nos segundos, em que não se derramava sangue, as ofertas eram escolhidas no reino vegetal e podiam ser objetos sólidos (trigo, farinha, pão, frutos da terra etc.), ou líquidos (vinho, azeite). Os sólidos eram queimados e os líquidos derramados ao pé do altar. Oferecia-se também incenso.